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Capítulo 1 INTRODUÇÃO

1. Introdução

1.8 A experiência do acontecimento

Ao estabelecer uma existência conectada, o Usuário está em movimento como o Flanêur insone de Crary, descortinando a técnica como em Heidegger, submetido a um acordo com o poder institucional foucaultiano e uma atenção existencial constante como em Berardi, e constantemente em comunicação ao vivo, num durante eterno como em Marcondes Filho. Este é o sujeito comunicacional híbrido tratado na pesquisa.

Quando o fenômeno da comunicação é visto pelos ângulos humano, medial e tecnológico dentro da perspectiva da teoria do Metáporo, introduz à pesquisa uma noção de tempo presente na comunicação que, entre tantas ideias, mostra como o

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homem tecnológico se presentifica na sociedade da informação e busca novos significados para o seu universo. Marcondes Filho (2013) diz que

“a captura de informações e a comunicação irão ocorrer exatamente quando damos alguma importância a algo que vemos, ouvimos, percebemos do ambiente externo, ou seja, quando efetivamente fazemos uma seleção, uma triagem em que separamos algo em que queremos nos envolver, seja por vontade própria, seja por alguma armadilha que nos faça voltar à coisa mesmo sem intenção” (2013, p. 22).

Ele busca sentido para a comunicação no tempo presente, no momento durante o ato comunicacional. Esta teoria entra em consonância e agrega novos conceitos à ideia de que o Usuário vive um Metáporo da comunicação, porque sua relação é com o presente.

A ideia de ‘acontecimento comunicacional’ utilizada aqui também vem da teoria de Marcondes Filho que busca uma compreensão da Comunicação pelo fato do que ela é, pelo ato de se comunicar, o que dialoga de perto com este trabalho, porque aqui também se parte de atos de comunicação para pensar sujeito e sua relação econômicas e sociais. Marcondes Filho recorre à filosofia para uma compreensão mais profunda desta ideia. Fala de Levinas quando trata do devir e diz que a surpresa reservada pelo devir também constitui um ato de comunicação e quando o filósofo diz que a comunicação é um acontecimento que “cai sobre nós” (in MARCONDES FILHO, 2017, p.20). No entanto, o devir de Levinas não é o mesmo de Deleuze e Guattari em Mil Platôs: “situação em que a vespa rodeia a orquídea e, neste rodear, ambas incorporam algo, uma da outra, sem se tornarem efetivamente uma a outra”. (Idem, p. 21) E Marcondes Filho prefere dizer que

“o falar simplesmente é uma emanação do meu estatuto humano. Eu não apenas falo. Eu emito sons que remetem a situações outras, não presentes, que evocam imaginações. É essa a diferença de Émile Benveniste fala quando se refere ao voo das abelhas e sua complexidade informativa: elas não constroem uma mensagem a partir de outra mensagem. Isso só os humanos fazem. Mas, quando eu falo a outra pessoa sobre uma notícia que eu ouvi, eu tampouco estou repassando algo, no sentido de pôr aquilo na cabeça do outro, diretamente (como sugere a comunicação na física, na química, na biologia). Eu falo, pronuncio frases, gesticulo, movo meu corpo, dou entonações, mas tudo isso, para esse outro que me ouve, funciona como ‘sinalização externa’, que ele irá decodificar à sua maneira. Eu não posso interferir na forma como o outro me ouve. Isso cabe a ele. Na cabeça desse outro, a triste notícia que eu comentei ganhará colorações próprias, pessoais, às vezes diferentes, mesmo opostas, à forma como eu verbalizei aquilo que ouvi, li, vi, senti, percebi. O processo da comunicação não é um processo de fusão. O que me marcou na notícia não irá necessariamente marcar o outro

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e, se marcar, será diferente da forma como me marcou. Não se comunica uma notícia. Vivencia-se uma notícia diferentemente. Por isso, comunicação é um acontecimento pessoal, singular, de mim mesmo, quase uma revelação, aquela ação divina que passa ao homem os desígnios de Deus e as “verdades” que estes envolvem”. (2017, pp.25-26)6

O comportamento desse sujeito está diretamente ligada à percepção de como ele se maifesta durante um acontecimento comunicacional. Embora em alguns textos trate mais especificamente de Jornalismo, as noções trazidas por ele estabelecem um diálogo entre a relação do sujeito Usuário com os dispositivos de acesso à internet e a relação de valor estabelecida por estes meios.

A explicação, aqui, é a de que a linguagem, que na “era dos meios” era representacional, mediadora, assume agora a centralidade, e o jornalismo, segundo ele, constitui-se agora como “feixe de relações”. O que era central, monopolista, torna-se múltiplo, plural. Não fica claro em que “midiatização” difere da mediatização, visto que se trata apenas de um deslocamento do eixo de poder, de um para vários, sendo que as tecnologias permanecem as mesmas, agora mais modernizadas, mas para ambos os lados. Efetivamente, não há a mudança proposta. Fausto Neto diz que agora não são mais os valores-notícia nem as rotinas que definem os acontecimentos, mas são “vários atores e instituições não jornalísticas”. (MARCONDES FILHO, 2015, p.140)7

A construção do sujeito midiático Observador passa pelos dispositivos do pré- cinema, a transformação no Espectador passivo do século 20 – aquele que dedicou o seu tempo a assistir horas e horas diárias de televisão e que moldou uma agenda doméstica em torno de uma grade de programação televisiva – e que se torna o consumidor de produtos midiáticos através da Internet e das redes sociais no século 21. O Usuário se mostra como esse sujeito Observador de um passado recente construído todos os dias e em movimento, porque dispõe de tecnologias e mídias para tanto. Aquele horizonte fascinante que se abria nos 1800 é semelhante em inovação, deslumbramento e uso da atenção ao que se abre agora nas primeiras décadas dos 2000.

6 Revista Paulus. Disponível em:

http://fapcom.edu.br/revista-paulus/index.php/revista-paulus/article/view/5/5

Último acesso em 19 de março de 2018.

7 Rev. Famecos (Online). Porto Alegre, v. 22, n. 2, abril, maio e junho de 2015. Disponível em:

http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/20143/13214

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Dentro da perspectiva de conhecer melhor este sujeito, tem-se a impressão de que ele deixa de ser passivo por dois motivos: porque não depende de uma grade de programação televisiva, por exemplo, e assiste os produtos quando, como e onde quiser e, em tese, dispõe do próprio tempo com muito mais liberdade. E também porque parece ter se transformado num produtor de informação atuante nas redes sociais em busca de visibilidade e de um eterno pertencimento.