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Experiência do parto e recusa da maternidade

6 DISCUSSÃO DOS DADOS

6.1.6 Experiência do parto e recusa da maternidade

Das mulheres que participaram do trabalho apenas 3 afirmaram a vontade de um outro filho. A questão incitava um vigoroso não das mulheres. A experiência vivida no parto pode ser importante, mas também pode gerar insegurança, dúvidas ou mesmo negativa para outra gravidez como se vê na fala de Aragonita.

Quando eu tive o meu primeiro eu não disse que queria ter e nem que não queria ter. O meu filho tem 3 anos, quando eu decidi engravidar de novo eu parei de tomar o anticoncepcional por opção minha. Hoje, por conta, assim que tem um acompanhante comigo (companheiro) disse: ”olha tu vai ter mais três”, eu disse, não. Hoje eu não quero por conta do que eu passei e por conta que pra se criar hoje filhos exige mais condições financeiras (ARAGONITA).

Os fatores de ordem social e econômica apareceram na maioria das falas demonstrando que as mulheres incorporaram a ideia da contracepção, porém dentro da perspectiva malthusiana. A preocupação e o interesse demonstrado

principalmente à inclinação por métodos definitivos fez parte dos processos de orientação que realizei com os grupos.

A instituição desenvolve ações de planejamento familiar desde 1992, e apesar de um histórico de ações em que as usuárias possam se sentir como sujeitos integrais, livres e capazes de tomar decisões conscientes sobre suas vidas, algumas mulheres desconhecem o serviço ou as suas buscas e interesses se fazem em torno dos métodos definitivos, principalmente a laqueadura tubária, como foi o caso das participantes do trabalho.

A questão dos direitos reprodutivos no Brasil foi um luta acirrada no sentido de oposição às metas populacionais tanto conceptivas quanto contraceptivas, e também no sentido de promover a saúde da mulher dentro de um contexto da integralidade.

Outras mulheres, como Malaquita e Cianita, disseram ser necessário um intervalo de pelo menos 20 anos para possibilitar o esquecimento da experiência negativa do parto.

A experiência do parto pode concorrer para o desejo ou não de outro filho, entretanto, vale ressaltar que as mudanças no contexto social e da vida da mulher, as questões de ordem econômica, impõem à mulher um repensar na proposição de ter um novo filho.

A maternidade ainda é percebida como uma condição inerente à mulher, sendo vista como uma condição natural o que, por conseguinte, deve conter sentimentos inatos à condição de mãe.

A quebra dessa norma acarreta para a mulher certa desconfiança, pois a crença é que a mulher nasceu para ser mãe, e essa destinação é algo instintivo como a natureza. Esse discurso da associação da mulher ao papel materno e doméstico definiu a maternidade como uma condição própria da mulher, esse papel foi desconstruído com a discussão do mito do amor materno (BADINTER, 1985; CHODOROW, 2002).

Badinter (2011) faz uma crítica contundente ao que chama “ofensiva naturalista” que busca reinventar a maternidade como fundamental para as mulheres, ao mesmo tempo em que um número cada vez maior de mulheres que não desejam ter filhos, principalmente nos países desenvolvidos. No que a autora chama de “ambivalências da maternidade” a mulher sempre é culpada, por ser mãe e não cuidar ou por não querer ser mãe.

Saffioti (2004) faz também uma referência ao desenvolvimento da maternagem e paternagem tomando por base os trabalhos de Chodorow que faz relação entre os cuidados desenvolvidos pela mulher (mãe) e a diferença na atitude do homem (pai) que pode desembocar em violência.

A mulher como cuidadora primária dos seus filhos passa cotidianamente a praticar e trocar carinhos com estes e a executar os cuidados diários de banho, trocas de roupas e não alimenta uma curiosidade sobre o corpo da criança, visto que tem contato cotidiano com ele, ao contrário do pai que quando não paterna seus filhos e filhas desenvolve uma curiosidade pelo corpo o que pode levar a uma explosão de desejo sexual (que se mantinha inconsciente), e vir a praticar uma violência sexual contra os seus filhos. Venâncio (2004) também discute o papel da mãe na situação de abandono de crianças no século XVIII, colocando que abandonar o filho consistia, na maioria das vezes, numa forma de protegê-lo.

A despeito das questões acima, os trabalhos mostram que as mulheres, quer seja pelo contexto sociocultural, ou mesmo por questões de ordem religiosa, se apropriam dessa maternidade como algo inerente ao ser feminino e pelo qual devem colocar suas energias e mesmo suas vidas no intuito de dar o melhor para seus filhos.

No entanto, o modelo de atendimento ao parto realizado no Brasil, pode ter um impacto tão significativo na vida das mulheres, mesmo não sendo seu primeiro filho, conforme o relato de Malaquita:

Eu já tenho 2 (dois filhos). É o terceiro. Os dois foram normais, esse foi cesáreo. Então, na hora que me aplicaram aquela anestesia parece que eu ia morrer!!!... Aí, Deus me livre, não quero ter mais não (MALAQUITA).

A observação de Malaquita mostra a face do atendimento ao parto no espaço hospital. O desconhecimento acerca do tipo de parto, os procedimentos que para os profissionais são considerados de rotina, para as mulheres, objeto deste atendimento, pode parecer uma sentença de morte. O poder científico é mais uma vez identificado na atenção.

6. 2 A assistência na maternidade na visão das responsáveis

As mulheres responsáveis pela implementação de ações na Unidade, tem visões distintas sobre o atendimento. Para uma delas, o atendimento é

considerado bom, “eu diria nota 8”, por que há um empenho da direção para que as políticas sejam implementadas, principalmente para atender as pressões impostas pelo órgãos federais. Para outra responsável a maternidade (espaço físico) é considerada boa, mas as práticas profissionais estão aquém das necessidades das usuárias. Uma das responsáveis tem posições bem claras sobre a assistência na maternidade, pois considera que não há respeito aos direitos de mulheres e acompanhantes e a assistência ao parto é um evento puramente técnico e sem a qualidade que seria esperada para uma instituição de referência. Para duas profissionais, o fato de ser um hospital de ensino contribui para que as práticas sejam repetidas e feitas às vezes sem critério. A mulher segundo a ótica de uma delas é “cobaia”.

A presença do acompanhante, no entanto, foi que suscitou mais discussões por parte das responsáveis.

A inserção do acompanhante no parto, ainda não é isenta de conflitos, aparece ora como o grande marco em relação à humanização na maternidade, como sujeito importante para a mulher, mas também aparece como elemento perturbador, despreparado, inclusive colocado como empecilho para o processo de humanização dentro da instituição.

O que eu vejo é que os acompanhantes eles se omitem a acompanhar a gestante durante o pré-natal que é o período importantíssimo da gestação e passam a desconhecer as etapas do parto (GDELTA).

A fala da responsável deixa em evidência a percepção dos usuários como pessoas destituídas de saber, pois o conhecimento só ocorre dentro do espaço da instituição, portanto, os sujeitos ao não comparecerem à esse espaço passam a ser considerados omissos. A mesma responsável, ajunta sobre qual deveria ser o papel do profissional na instituição e do acompanhante:

“tem que dar informação sobre o que é a gestação, como é o trabalho de parto, como vai se desenvolver e o acompanhante tem que tá lá nesse momento que é o momento em que a gente prepara para ele ser um acompanhante, vamos dizer assim, ideal para esta mulher durante o trabalho de parto (GDELTA).

A normatização explícita na fala da responsável, mostra como a sociedade disciplinar está presente no cotidiano dos usuários da instituição.

Na visão da gestora, a questão da presença do acompanhante está afeita às seguintes dimensões: o acompanhante deve ter a característica do tipo ideal de

pessoa, sempre presente, seguindo as orientações determinadas, precisa ser preparado para ser um acompanhante. As cores fortes da normatização e controle estão na visão de GDelta:

“...porque aquela pessoa não entende o processo, porque acha que está demorando demais, que a gestante está sofrendo demais, insiste para que se coloque a gestante para que se opere imediatamente para sair dali o mais rápido possível”.

Essa condição de preparo prévio do acompanhante vem sendo uma “bandeira” das instituições e profissionais de saúde desde antes do advento da Lei do Acompanhante.

O trabalho de Lima et al (2011), realizado em São Luís, indicou essa situação. Os profissionais, ainda que receptivos à presença do acompanhante, entendem que os mesmos precisam de preparo para permanecerem na instituição. As questões levantadas no trabalho impõem que a acompanhante precisa não só acompanhar todo o processo de gestação, mas também ser preparado para o acontecimento do parto. Além disso, ficou evidenciado naquele trabalho que os acompanhantes são vistos por um lado como capazes de proporcionar segurança, mas também atrapalhar o trabalho da equipe e levar insegurança para a mulher.

Para Zeta há um descompasso entre a Lei e a prática na maternidade entendendo que as regras impostas no interior da instituição retiram os direitos dos usuários:

“...não há flexibilização da regra, não é bom para o paciente. Então, só pode o paciente do sexo tal, só pode consultar em determinado horário, então o paciente por que ele não tem o paciente o do sexo tal, exigido na hora tal, e a Lei não diz isso, a Lei diz que tem direito a acompanhamento nas 24hs e é limitado também as dependências (GZETA).

Os profissionais lutam para se adequar à uma realidade estabelecida por lei. Os conflitos permanecem para inserção desse sujeito na instituição.

6. 3 Humanização do parto e seus significados