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A experiência com o Programa Canguru

CAPÍTULO V – A PRODUÇÃO DOS SENTIDOS SOBRE A MATERNIDADE E AS

4. A experiência com o Programa Canguru

1. Família e religião: os principais organizadores da experiência

Para esta análise partimos da idéia de que a estrutura familiar e a condição social das entrevistadas constituem-se importantes elementos para a produção de sentidos sobre a maternidade e as práticas de maternagem. Entendemos que, no Brasil, o conceito de família representa um valor fundamental na organização do universo simbólico da maior parte dos indivíduos, veiculando um conjunto de práticas discursivas e não discursivas cujas principais características neste grupo específico buscamos apreender. Em função disso, as referências aos valores familiares presentes nas entrevistas foram selecionadas de forma que pudéssemos, ainda que brevemente, delinear as configurações que o papel materno adquire para estas mulheres. Lembramos, contudo, que a constituição familiar brasileira é bastante heterogênea; esta variedade também se fez presente no material analisado.

Além das referências à família, selecionamos também dos relatos algumas indicações quanto às formas como as entrevistadas e seus familiares encontravam apoio no meio social para a organização de sua subsistência, em situações cotidianas e especialmente em momentos críticos (situações de desemprego, problemas de saúde, etc.). Este foco analítico foi desenvolvido por acreditarmos que estas estratégias serão essenciais para o enfrentamento da situação crítica gerada pelo nascimento de um bebê prematuro.

Da análise das entrevistas apreende-se uma estrutura familiar fortemente marcada pela divisão de papéis entre os sexos, tanto no que concerne às tarefas que garantem a subsistência da família, quanto no valor claramente distinto atribuído aos gêneros. Neste contexto, a mulher é diferente do homem e os adultos das crianças. Em alguns relatos esta distinção é muito nítida, explicitando com clareza quais as obrigações de cada um – do pai e da mãe – dentro da família. Dentro deste universo de valores, a mulher deve se responsabilizar pelas

atividades domésticas (lavar e passar roupas, limpar a casa, cozinhar) e pelo cuidado com os filhos; a maternagem é uma função exclusivamente feminina, preferencialmente da mãe.

Não gosto de ficar aqui (no hospital) porque... que nem eu estou falando, que eu tenho 5 em casa, não tenho só ele né, tem os outros [...] então fica tudo bagunçado sabe, prá limpar a casa, prá lavar a roupa, fazer comida prá ela (a filha mais velha) sozinha de 14 anos é muito, tadinha. Porque o menino é homem mas não ajuda em nada, sabe. Então eu não queria ficar aqui muito tempo por causa disso. Roupa prá lavar, comida prá fazer, casa prá limpar e eu estando em casa já ajudo muito eles, né. [...]Porque a mãe sente falta dos filhos em qualquer lugar agora o pai não. Agora o pai não. O pai, se tiver os filhos ali junto, tenho certeza que vai sentir falta de um, só vai sentir falta na hora de dormir que tem que trancar a casa, sabe? Não é igual à mãe não, a mãe preocupa mais que o pai. [...] O pai se preocupa mais é na alimentação das crianças, na educação e no estudo. E a mãe já é mais... sair da rua, prá não fazer bagunça, não andar com quem não presta...

(Ana, 33 anos, 6º filho)

O valor social atribuído aos sexos é muito distinto: parece haver uma preferência (às vezes claramente assumida) pelo sexo masculino. Na relação da mãe com os filhos esta distinção já se inicia na gestação, mostrando-se ainda mais freqüente na primeira gravidez. Quando a preferência em relação ao sexo da criança é por uma menina, este desejo geralmente reflete a necessidade da mãe de encontrar alguém com quem compartilhar as responsabilidades que a vida traz.

Eu, antes de ficar grávida, eu queria menino. Só que depois que eu fiquei grávida eu não me importava mais se era menino, se era menina...

(E você achava que ia ter uma menina?) Não, no início eu achei que

ia ser menino. Aí na ultra-som deu menina. (E o pai, esperava o quê?) Menino também. É assim, uma intuição meio... falsa né? (ri)

(Fátima, 26 anos, 1º filho)

Ele queria menino. Depois que ele viu que era menina ele não demonstrou nenhum interesse. [...]. Eu queria menina. Menina. [...] Toda mulher acho que sonha com uma menininha né, que é para ser companheira. [...] (Você acha que vai fazer mais companhia?) Ah vai, quando ela tiver maiorzinha ela vai me ajudar cuidar da minha mãe né, se ela estiver viva até lá. E de mim...

(Gilda, 16 anos, 1º filho)

Esta preferência inicial pelo sexo masculino presente nos relatos acaba sendo reforçada por cuidados materiais diferentes dirigidos às meninas e aos meninos, implicando numa forma distinta de maternagem para os filhos de cada sexo. A ação da mãe pode favorecer um contato maior ou não com cada criança, dependendo de seu sexo, construindo uma relação mais próxima e íntima de acordo com sua preferência da mãe por um sexo ou outro. No entanto esta ação raramente é assumida pela mulher; nos relatos, o comportamento diferente de meninos e meninas é atribuído à sua própria natureza (masculina ou feminina), jamais emerge como resultado de cuidados maternos distintos.

Ah, sei lá, porque (menina) é mais gostosinho da gente cuidar, quando ela tiver maiorzinha ela vai me entender, vai me ajudar. Menino só quer saber de correr na rua, de soltar pipa.

(Gilda)

Eu tenho as três meninas mas... nunca dei mamar prá elas no peito e elas também nunca procurou. Então criei elas com mamadeira. E

foi indo. Agora os meninos não. O meu menino de 12 anos mamou até um ano. E esse outro meu de 05 anos... ele mamou até uns nove meses. E depois largou por largar. Também não mamou mamadeira nem chupeta. Os meninos, porque as meninas... era uma mamadeira atrás da outra, era chupeta, e chupa chupeta até hoje. Só não a mais velha mas as outras duas ainda chupa.

(Ana, 33 anos, 6º filho)

O projeto familiar que estas mulheres desenham no decorrer das entrevistas é muito heterogêneo com relação ao número de filhos, abarcando desde aquelas que afirmavam seu desejo de uma família com muitas crianças, até aquelas para quem o número reduzido de filhos aparece como ideal. Neste último caso, observamos a valorização de um modelo familiar típico das camadas médias, com um forte investimento afetivo e financeiro em apenas uma ou duas crianças. Em qualquer das situações o sonho de ter filhos parece relacionar-se à intensa valorização do papel materno na constituição da identidade social da mulher. No entanto, enquanto para algumas esta configuração se dá pela via quase que exclusiva da maternidade, outras enfatizam a responsabilidade do papel materno sem torná-lo exclusivo.

O meu sonho desde criança era ter seis filhos. Só que o sonho que eu sempre tive graças a Deus foi realizado. Era ter assim três meninos e três meninas. [...]O meu sonho era. Quando eu tinha oito anos eu já tinha esse sonho.

(Ana)

Ah, prá ter filho hoje você tem que pensar bastante porque filho hoje não respeita mais pai. Sei lá, a educação do filho hoje não é mais o que você aprendeu com seu pai e sua mãe. Já é outra coisa, as

coisas evoluíram muito, sei lá. Eu acho que é muito difícil você ser pai, você querer ter filho [...] Eu acho que quanto menos, melhor.

(Beatriz, 22 anos, 1º filho)

No desempenho de suas atividades a mulher pode receber ajuda de outras mulheres do núcleo familiar – suas próprias filhas ou alguma parente como a mãe, a sogra, suas irmãs ou cunhadas. A solidariedade familiar é pois essencial na organização da vida cotidiana. Quando a mulher precisa se ausentar de casa ou está impedida de exercer suas funções domésticas é preciso encontrar alguém em condições de assumir suas incumbências. Quando a família ampla está presente, pode fornecer este elemento:

Tenho minha mãe né, e minha sogra ajuda. [...] Minha sogra, cunhada... Eu tenho bastante cunhadas. Elas me dão uma mão [...] eu tive que ficar de repouso né, durante esse tempo todo até ganhar... Elas me ajudam bastante. [...]. (E deu prá fazer repouso?) Ah, deu porque é só eu e meu marido né, aí elas vinham fazer as coisas prá mim e eu ficava a maior parte do tempo deitada.

(Fátima, 26 anos, 1º filho)

Entretanto, se os laços sociais da família são frágeis, ou quando esta se restringe ao núcleo pai-mãe-filhos, substituir a mãe ausente passa a ser uma tarefa difícil e seu afastamento torna-se fator de grande preocupação, especialmente quando ela já tem outros filhos. Nestas famílias o recurso ao auxílio pago, com a contratação de babás ou de outros funcionários é freqüentemente inviabilizado pela precariedade dos recursos disponíveis. Esta opção só é aventada em situações muito especiais, pois certamente implicará numa sobrecarga financeira. É preciso então buscar outras estratégias, que não impliquem trocas monetárias; o mais comum é que se recorra à solidariedade dos membros da comunidade. Se nem isso é possível, a mulher terá que deixar o grupo desassistido, contanto apenas consigo mesmo.

[...] Porque é assim: os meus filhos estão grandes. Geralmente quando eu chego prá almoçar é a hora que eles estão acordando. Eles ficam com a minha vizinha lá que dá... que fica sempre olhando prá mim, né? Mas agora com essa bebezinha aqui eu vou ter que pagar alguém. (Não tem ninguém da sua família que ajude,

que possa ajudar?) Não. Não, não tem. Porque todos trabalham, né.

Então eu vou ter que me virar pagando prá alguém. Mas vai ter que ser uma pessoa de muita confiança, uma pessoa que eu conheça muito mesmo (enfatiza). Não vai ser qualquer uma, sem conhecer que eu vou pegar e enfiar dentro de casa não, né.

(Deise, 35 anos, 3º filho)

É a (filha) mais velha que toma conta... Porque meus parentes mesmo .... só vai na minha casa quando eu estou lá. Quando eu não estou ninguém vai. E eu tenho bastante parente mas ninguém vai não. [...]. Quando eu não estou, que eu preciso prá ficar alguém com meus filhos, não encontro ninguém. Então quem fica com eles mesmo é a mais velha. [...]Eu não tive apoio deles e nem tenho. Sabe, eu ensinei tudo prá ela quando... quando ela era pequena eu já comecei ensinando as coisas prá ela porque... Eu falo prá ela – prá eles tudo – que se um dia eu chegar a faltar eles sabem fazer pelo menos as coisas de comer. Ela sabe fazer tudo, ela sabe lavar roupa, sabe fazer comida, limpar casa [...] Só que não é que nem eu né, mas faz. [...] Bom, diz o meu marido que hoje ela não fez almoço. [...]

(Ana, 33 anos, 6º filho)

Ana, sem poder contar com o apoio do grupo familiar, tem que deixar suas tarefas domésticas por conta da filha mais velha, de 14 anos. Este arranjo contudo produz conflito: em alguns momentos, ela parece se convencer de que ficarão todos bem, mas em outros demonstra sua preocupação por não poder assisti-los. O apoio que Ana encontra em situações

críticas advém fundamentalmente da família nuclear, de seu marido e dos filhos, sendo que a natureza deste suporte é bastante concreta, descrita como a ajuda material que recebe deles; quando há referências a um apoio afetivo, este é mediado pela religiosidade.

O apelo à religião surge assim como a estratégia fundamental empregada por estas mulheres para encontrar amparo emocional diante das dificuldades da vida. Os valores religiosos, de origem predominantemente cristã (católica ou evangélica) constituem-se também num importante elemento para a educação dos filhos. A transmissão desses valores religiosos aparece entre as outras responsabilidades da mulher, associando-se ao exercício da função materna.

O único apoio que eu tenho mesmo, graças a Deus, é de Deus, dos meus cinco filhos e do meu marido. Não tenho mais apoio de ninguém. Prá nada. [...] Meu marido que me dá apoio. Ele que me dá apoio porque ele vive comigo, vive com as crianças, se está sem o que comer dentro de casa é ele que põe...

[...]

Eu sou católica (ri). Eu não estou indo na igreja porque eu estou aqui, porque dia de domingo eu vou. Todo domingo e toda terça-feira eu vou na missa.[...] E eles (os filhos) também reza sabe, bastante, porque também... são tudo igual a eu.

(Ana, 33 anos, 6º filho)

Embora a função materna seja freqüentemente descrita a partir do cuidado material, é a afetividade que vai distinguir o cuidado da mãe daquele que qualquer outra mulher pode oferecer. Todas as mulheres que tinham mais de um filho demonstram em seus relatos alguma preocupação suas outras crianças durante a participação no Programa Canguru. Isso acontece mesmo quando elas sabem que estas crianças estavam amparadas por suas famílias. A preocupação com a casa e saudade dos outros filhos são queixas constantes das entrevistadas

pois para ficar com o bebê precisam abandonar suas tarefas, deixando-as aos cuidados de outras pessoas. Esta situação expõe a falta material destas famílias (a dificuldade de ir ao hospital, de trazer coisas para o bebê) e a falta de amparo social (os outros filhos têm que ser assistidos por membros da família extensa, nem sempre disponíveis). A mãe está sempre em falta, ou com o bebê que está no hospital ou com os filhos que estão em casa. Carmem e Helena falam da saudade que sentem dos outros filhos e do conflito que a necessidade de permanecer no hospital lhes provoca:

Ah, porque (ficar no hospital) dá muita saudade né, da gente ficar longe sabendo que ficou alguém prá trás né. Mesmo sabendo que está bem mas a gente fica assim... sentida por estar aqui e o outro estar lá.

(Carmem, 27 anos, 3º filho)

A gente quer saber né, mesmo que está com a mãe né, a gente quer ligar para saber (da família). [...] Eles falam que eu tenho que ficar calma, não posso pensar em nada, como? Não tem como... né? Pensar só no neném não tem como. Eu não consigo pensar só nele e esquecer os outros. [...] Porque é duro...[...] Não dá para esquecer, eu vou esquecer a minha casa? Não tem como.

(Helena, 24 anos, 3º filho)

É a primeira vez que eu fico longe deles (dos filhos). Eles nunca ficaram longe de mim né. Desde quando nasceram. O afastamento máximo que eu tenho deles é o meu... o tempo do meu horário de trabalho. E aí eu ficava aqui, eu ficava desesperada, eu falava: “Gente, eu não acredito que eu vou ter que ficar todo esse tempo sem meus filhos, gente!” Ficava desesperada.

De forma semelhante, Ana expressa o conflito de ter sempre que se afastar de alguém – do bebê ou dos outros filhos – em função da internação hospitalar. Inicialmente foi a necessidade de ir para casa deixando o filho internado que a entristeceu, porém estar com ele no hospital deixando os outros filhos também a preocupa. Novamente é na religião que busca amparo:

Foi triste para mim porque... eu ir embora e deixar ele, sabe? Mas só que... eu tinha que colocar na minha cabeça que eu tenho os outros. Só que os outros já sabem comer, sabem beber, sabem... se virar sozinhos, e ele não. Só que não adiantava nada também eu ficar com ele aqui sem poder ter ele nos meus braços [...] sem poder a mãe tocar nele, então eu fui prá casa na tristeza de deixar ele só. Mas eu não deixei ele sozinho porque ele estava na mão de Deus, ele estava na mão de Deus porque depois de Deus, eu, sabe? E eu fui para casa para cuidar dos outros. Então eu tinha tempo de cuidar dos outros e de cuidar dele. Agora enquanto eu estiver aqui não, enquanto eu estiver aqui eu estou cuidando só dele. E os outros está em casa com meu marido que trabalha de dia e chega a noite, e na mão de Deus . E eu estou com ele aqui.

(Ana, 33 anos, 6º filho)

As concepções de maternidade que emergem dos relatos valorizam portanto o cuidado material com a criança, porém desde que este inclua uma relação afetiva. Esta afetividade em relação aos filhos, sempre citada e valorizada, contudo nem sempre é descrita como um vínculo que se expressa espontaneamente; algumas vezes é relatada como uma “obrigação de mãe”, como parte das delimitações sociais para o papel materno:

Ah, porque a (filha) da gente a gente sabe que tem que proteger... É obrigação sua dar carinho, dar amor, dos outros não. Dos outros

você cuida, tudo bem, você pode... Que nem eu, eu gosto de bebê mesmo, eu gosto de criança. Então eu... No fim eu dou carinho, mas você não tem essa obrigação de educar, de nada. E o seu não. O seu é diferente. Ele vai aprender o que você ensinar prá ele.

(Beatriz, 22 anos, 1º filho)

Se a mulher é responsável pelo cuidado da casa, pela educação dos filhos e pelo amparo afetivo da família, cabe ao homem o sustento financeiro de todo o grupo: como a maioria das mulheres não trabalha fora de casa, a renda familiar é proveniente apenas do salário do marido. Entretanto, as atividades exercidas em geral garantem baixa remuneração (entre 3 e 5 salários mínimos), suficiente apenas para despesas básicas (se tanto). Para algumas mulheres é difícil até mesmo precisar qual a renda mensal de sua família; o gasto acontece conforme há dinheiro disponível. Esta situação precária se complica ainda mais se o emprego do marido falta.

A baixa remuneração impõe a complementação da renda pelo recurso a programas sociais (como o bolsa-escola) ou ao auxílio não sistematizado do Estado, o qual a família precisa reivindicar, especialmente em situações como um problema de saúde de algum de seus membros. O auxílio recebido de programas públicos entretanto é irregular, atendendo às necessidades da família em alguns momentos mas em outros não. O acesso a estes benefícios condiciona-se portanto à existência de recursos no município mas, muitas vezes, depende também da habilidade do usuário em mobilizar a assistência pública, recorrendo a várias instituições e/ou pessoas para obter o que precisa.

Eu vinha porque lá em Anastácio eles ofereciam a perua, né? E na perua que eu vinha. Quando não tinha vaga na perua eles me davam passe e eu vinha de passe oferecido pela prefeitura. [...]Porque prá mim vir todo dia, todo dia, com condições do meu bolso eu não ia ter

mesmo né. E o que eles fez prá mim eu agradeço muito. Porque eu podia estar aqui junto dela todos os dias.

(Carmem, 27 anos, 3º filho)

[...] a acadêmica que passou aqui, ela é do... da assistente social né, ela falou que se precisar de ambulância tem que conversar com a M.

(assistente social do hospital), que a M. arruma as coisas e tal... [...]

Aí eu falei, porque se for para mim vir de ônibus direto não vai dar para vir de dois em dois dias, de duas em duas semanas. Ela falou que não, eles arrumam ambulância, comunica com a ambulância da minha cidade para me trazer. Aí ficou assim, vamos ver.

(Helena, 24 anos, 3º filho)

Eu tinha um dinheiro prá receber do bolsa-escola. Então, estava atrasado, e era prá mim ir numa sexta-feira [...]. Aí eu fui para o ponto de ônibus prá pegar o ônibus prá ir receber o dinheiro, só que quando eu cheguei no ponto eu comecei a sangrar muito.

(Ana, 33 anos, 6º filho)

O ônus representado pelos cuidados com um bebê pré-termo pode ser excessivo para estas famílias, pois exige de seus membros deslocamentos freqüentes para visitas ao médico ou ao hospital, além do provimento de fraldas descartáveis e sabonete infantil para a criança. Estes produtos serão utilizados no hospital mas seu fornecimento pelo Estado é restrito; tais artigos são então solicitados ao usuário, que deve disponibilizar recursos próprios para fornecê-los. Dessa forma, quando o apoio do Estado é precário, recai sobre o homem a responsabilidade de prover o recém nascido destes itens:

Não faltei uma vez sem ver ele só que eu não podia vir todos os dias né, porque eu moro longe, tinha que pagar passagem de ônibus, a passagem de ônibus do nosso bolso sem ter condições, e... aí eu

vinha duas vezes por semana ver ele. Trazer o leite prá ele. Ele nunca ficou nenhum dia sem tomar meu leite.

[...]

Sabe, que as roupinhas eu ganhei. É, as roupinhas graças a Deus eu ganhei mas fralda tive que comprar. Sabonete também. A banheira. É... fralda descartável mesmo eu ganhei só um pacote aqui, que a assistente social ainda me deu mas esse tempo todo foi ele (o

marido) comprando prá trazer...

(Ana, 33 anos, 6º filho)

Numa camada da população marcada pela baixa remuneração no trabalho, o acesso a bens de consumo e a solução de problemas financeiros requer o emprego de inúmeras outras estratégias. A criatividade de cada um e a solidariedade dos membros família e da comunidade mostram-se importantes, garantindo a subsistência até mesmo em situações corriqueiras. Em situações adversas ou imprevistas, como o parto prematuro, estes recursos tornam-se fundamentais. É através apoio solidário da família, de amigos ou mesmo de pessoas estranhas que muitas entrevistadas podem viabilizar sua presença no hospital, garantir o enxoval básico da criança, além resolver questões relacionadas à administração da casa e ao cuidado com os filhos, como já vimos.

Eu ia em casa, vinha no hospital, eu... às vezes eu até dormia aqui no