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3 O SENTIDO DE EXPERIÊNCIA E DE EXPERIÊNCIA ESTÉTICA COMO

3.1 O que é experiência? O que é estética?

Nesta parte, o objetivo foi compreender conceitualmente o sentido de experiência e experiência estética como dimensão constitutiva do ser humano. Os dois conceitos apresentam sentidos diversos, por isso, em um primeiro momento tratou-se de uma abordagem geral considerando a polissemia dos termos e em um segundo momento a pesquisa buscou nas contribuições de Theodor Adorno e Walter Benjamin uma compreensão mais próxima da Teoria Crítica da Sociedade capaz de permitir um entendimento mais amplo destes conceitos, identificando os mesmos como uma dimensão constitutiva do ser humano.

O que é experiência? O que é estética? Inicialmente, estas duas perguntas nos colocam diante de dois conceitos fundamentais para pensar a prática docente do ponto de vista do conhecer, agir e sentir. Experiência e experiência estética são dois recortes necessários para a constituição da compreensão do tema proposto. A definição de uma e outra certamente demanda vários caminhos a serem percorridos

A definição do que venha a ser experiência nos coloca diante de um conceito polissêmico que vai do senso comum a definições mais sistematizadas, abrangendo diversas áreas do conhecimento. A palavra experiência vem do latim experiri, deve ser entendido como provar, experimentar. Segundo Larrosa (2002, p. 25), “a existência é em primeiro lugar um encontro, uma relação com algo que se experimenta, que se prova”. Ainda, segundo o mesmo autor, pelo seu radical periri evoca a ideia de perigo; e se tomado como referência o grego, remeteria a ideia de travessia, o percorrido, a passagem, até mesmo pirata, o que nos colocaria frente a ideia de que a experiência, supõe a exposição, o atravessar espaços indeterminados e perigosos, pondo-se a prova, em busca de oportunidade e ocasião, a exemplos dos piratas. E conclui Larrosa (2002, p. 26), “a experiência seria a passagem da existência, a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente “ex-iste” de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente”.

Geralmente, a experiência diz respeito ao experimentar algo, abrangendo diversas áreas de conhecimento, seja no aspecto positivo ou negativo, de dor e sofrimento. Constituiria a passagem de um estado ou condição à outra. Pode ainda traduzir a ideia de competência profissional e técnica, alguma habilidade adquirida ou aprofundada por meio de algum ofício. (ABBAGNANO, 2007)

Com o advento da ciência, a necessidade de comprovação acabou por impor um sentido de experiência que remete ao significado de prova, demonstração. Neste caso, a experiência se converteria em um método científico que exige observação de um fenômeno em determinadas condições por meio de instrumentos. Nas palavras de Agamben (2005, p. 26),

o aspecto tecnicista que se instaura na (e por meio da) ciência moderna, exige comprovação, exatidão e rigor quantitativos transferindo completamente, a experiência para fora do homem e confiando-a aos instrumentos e aos números. Mudando a conotação, experiência passa a ser sinônimo de experimento porque este sim é compatível com a certeza do cálculo e das leis científicas tão fundamentais ao método científico moderno

Depreende-se daí que a experiência conferiria uma “autoridade” e “validade” ao conhecimento. Assim, esta noção moderna de experiência remete a dimensão racional tecnicista com base no cálculo matemático e na quantificação. Para Kant, todos os juízos da experiência são sintéticos e a posteriori, assim a experiência seria o conhecimento geral de um objeto a partir da percepção sensível com base em uma regra geral ou categoria (KANT, 1979, p. 79).

No campo da filosofia, a experiência está relacionada a qualquer conhecimento obtido por meio dos sentidos, em outras palavras, a apreensão sensível da realidade externa de forma empírica, isto é, sem a necessidade de comprovação e de teorias e métodos científicos. Ainda, considerando Larrosa (2002, p. 2), na perspectiva filosófica, “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”. O que nos passa, considerando que o sujeito da experiência é sempre um território de passagem, mas que devido a sensibilidade, o que nos acontece tem poder de afetar, deixar marcas, vestígios e efeitos. Que nos toca, como lugar que recebe as coisas e que ao receber, lhe dá lugar (p. 21).

Em certos aspectos no uso geral há um ponto de tangência entre a concepção de experiência a partir do senso comum e as percepções filosóficas e tecnicista, quando a mesma é tomada como conhecimento que nos é transmitido pelos sentidos. A experiência não é uma vocação para algo, inclinação natural, dom e predestinação. Ainda que possa haver exceções e parece haver3, ela é sempre um processo, fruto de uma construção, como Carlos Drumond de Andrade afirmava e que nos inspira até hoje quando tratou da maior experiência do ser humano que é o amor, ao dizer que “amar se aprende amando”.

Dentre as diversas experiências que marcam a vida humana no mundo, a estética constitui uma possibilidade real de exercício de humanização. Quando nos referimos a estética,

3 Entre outros, podemos citar o caso de Mozart, inquestionável caso de dom para as artes e que ainda quando criança se revelou um genial compositor de peças clássicas que encantam a humanidade.

é preciso admitir que estamos também diante de um conceito que permite muitas abordagens e que pode ser tomado em vários sentidos. Mas nos referimos a um saber e experiência sensível, um conhecimento obtido pelos sentidos em relação direta com a faculdade do entendimento que permitem ao sujeito melhor observar e atuar no cotidiano de sua existência.

A estética pode ser a princípio, compreendida como a “faculdade humana de percepção sensorial, onde cultura e individualidade se articulam de modo a criar ou potencializar representações, imagens, emoções, sentidos, ressignificações que são próprios do ser humano” (FERREIRA, 2016, p. 85). Pela estética, tornada experiência, é aguçada a percepção, o esclarecimento, a ação do sujeito, permitindo um rompimento com um existir e um agir notavelmente racionalista, permitindo romper com a lógica materialista, utilitarista e pragmatista das coisas impostas pela sociedade.

Para Nietzsche, a estética enquanto fenômeno humano é que dá sentido à existência frente as misérias do não ser impostado por uma sociedade materialista e racionalista. Dizia o filósofo, “só como fenômeno estético a existência e o mundo aparecem eternamente justificáveis” (NIETZSCHE, 2006, p. 121). Mario Ferreira dos Santos, no prefácio da obra “Vontade de potência” de Nietzsche, ressalta que “ o conhecer não é a única maneira de glorificar a vida como desejaria Sócrates. É preciso vivê-la. É em todas as vivências que o homem irá encontrar quão digna é viver a vida, porque só o vivido tem suportado o tempo” (SANTOS, 2011, p. 30). Depreende-se desta afirmação que as vivências como experiências de caminhos para um ser humanizado, com olhar observador, tem capacidade estética, capacidade de sensibilidade de perceber o quão digno é o viver e existir. Dito por outras palavras, a experiência e a experiência estética caracterizam e constituem uma dimensão da existência humana.

Para além da polissemia, das reflexões e abordagens diversificadas dos conceitos e temas sobre experiência e estética, a base teórica, o escopo para a discussão nesta pesquisa, são as contribuições de Walter Benjamim, no que diz respeito a experiência e Theodor Adorno nas abordagens sobre experiência estética.