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Expetativas – Complexidade e influência sobre o outro / Modelos

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4. Expetativas – Complexidade e influência sobre o outro / Modelos

As expetativas associadas às representações que temos do outro e do seu estatuto influenciam as suas ações e reações, porque num contexto de análise psicossocial as interações são dinâmicas, múltiplas e permanentes, e nenhum indivíduo ou fenómeno pode ser analisado através do seu isolamento.

O trabalho de Rosenthal, R. & Jacobson, L. realizado em 1968 e referido por Díaz- Aguado, M. J. (2000), pretendeu demonstrar que a simples expetativa que um professor tem em relação a um aluno, que advém da representação que o professor tem deste, pode por si só condicionar o desempenho do aluno. Foi comunicado a um grupo de professores que na sequência da aplicação de um teste de avaliação do seu Q.I. alguns dos seus alunos apresentaram resultados de excelência. Esta informação, que não correspondia à verdade, visava a criação pelos professores de expetativas positivas em relação a esses alunos. De acordo com estes investigadores, o desempenho escolar destes alunos melhorou devido à ação da expetativa positiva dos professores. Este efeito ficou conhecido como o efeito Pigmalião6 e apesar de ainda hoje ser de importância indiscutível foi questionado, complementado e desenvolvido, por outros investigadores, alguns dos quais defendendo que Rosenthal, R. & Jacobson, L. terão sido também influenciados pelas expetativas positivas que tinham em relação à sua investigação, pois a melhoria dos resultados dos alunos em questão não terá sido inequívoca.

6 Termo através do qual se faz referência ao mito grego do escultor que se apaixona por uma das suas obras, tratando-a como se, na verdade, estivesse viva, de tal forma que esta acaba por adquirir vida, transformando, assim, em realidade uma crença inicialmente falsa. (Díaz-Aguado, 2000).

66 (…) “Neste sentido, no estudo de Rosenthal e Jacobson (1968) comprovou-se experimentalmente que a criação de falsas expetativas positivas permitiu ao professor fazer de Pigmalião com o quociente intelectual dos seus alunos; e que o efeito dessas expetativas dependia de determinadas características das próprias crianças, uma vez que foi maior nos primeiros anos, cujos alunos tinham sido previamente classificados como tendo um rendimento médio, bem como dos alunos pertencentes a minorias étnicas facilmente identificáveis dentro desse paradigma (provavelmente devido à existência de estereótipos negativos que a informação transmitida teve oportunidade de contrariar).”

(…) “Os estudos científicos realizados posteriormente mostram que quando o professor faz de Pigmalião, moldando os seus alunos como se fossem uma escultura, para que estes se adaptem à sua ideia de aluno-modelo, estes são impedidos de desenvolverem a sua própria identidade, tornando-se, assim, num obstáculo para os principais objetivos da educação intercultural.”

(Díaz-Aguado, 2000, p. 33)

De uma forma ou de outra, quer nos concentremos na análise da investigação de Rosenthal, R. & Jacobson, L. quer nos concentremos na sua metanálise, temos aquilo a que podemos chamar de ‘profecia de auto-realização’, que não é mais do que algo que se concretiza não por estarem reunidas as condições para que aconteça mas porque o ato de o termos previsto leva a que essas condições se reunam, condições que de outra forma não se teriam reunido. Ou seja, se não tivesse sido previsto não aconteceria e só acontece porque foi previsto.

Depois do trabalho de Rosenthal, R. & Jacobson, L., em que se pretendeu demonstrar a influência que as expetativas dos professores têm no desempenho dos seus alunos, Gilly, M., em 1968, demonstrou que essa influência se concretiza através de mecanismos bem mais complexos do que os considerados por Rosenthal, R. & Jacobson, L. Os professores não manterão expetativas positivas em relação aos alunos sinalizados se a representação que estes têm dos alunos não for compatível com o observado. A informação que lhes é transmitida tem de parecer credível e para isso há que ter em atenção a forma, o conteúdo e a fonte e, uma vez mais, as representações iniciais dos professores em relação aos alunos sinalizados. Para que haja um efeito proveniente da mudança de expetativas em relação ao alunos é necessário que se associe a esta mudança de expetativas uma mudança das práticas pedagógicas (Postic, 2008).

67 “M. Gilly (1968) demonstrou até que ponto o estatuto escolar de uma criança pode influenciar a tomada de consciência de si mesma. O aluno atribui a si próprio certas qualidades, insuficiências ou defeitos em função da maneira como é percebido pelos adultos e pelas crianças que o rodeiam e em função das atitudes de uns e outras a seu respeito. Os alunos têm uma representação desta ou daquela criança formada pelo reconhecimento que têm do seu estatuto escolar. Esta influência pode levar o ‘mau aluno’ a subestimar-se e o ‘bom aluno’ a sobrevalorizar-se.

Esta perceção de si é, no entanto, influenciada pelo grupo ao qual o aluno pertence. Inquéritos realizados demonstram que os alunos de classes especializadas sobreavaliam as suas capacidades escolares, e têm um maior grau de estima por si do que aqueles das classes ‘normais’. (Pierrehumbert e col. 1988). O mesmo investigador (1991) acrescenta que estes alunos, em situação de insucesso escolar, beneficiando de uma pedagogia especializada, mantêm-se confiantes nas suas capacidades. ‘Se esses alunos se mantêm muito sensíveis à questão do sucesso escolar, eles só lhe serão mais vulneráveis, em particular ao sair da escola, sabendo que se vai cavar um afastamento entre o seu ideal e as suas oportunidades reaias de sucesso escolar e socioprofissional’.”

(Postic, 2008, p. 108)

Hargreaves, A. em 1977 complementou o trabalho de Gilly, M. sublinhando a forma interativa e dinâmica como se estabelecem as relações, acrescentando que a forma como as expetativas do professor influenciam o desempenho do aluno dependem também da representação que o aluno tem do professor, isto para além da representação que tem de si próprio. Alunos com uma representação de si mesmos caracterizada por uma subestima das suas capacidades apresentam um desempenho escolar mais condicionado pelas expetativas do professor.

Jussim, L. em 1986, não considerando o efeito das representações que os alunos têm dos professores, explicou o mecanismo através do qual as expetativas influenciam o desempenho dos alunos dividindo-o em três fases e identificou alguns fatores que influenciam a formação das expetativas dos professores (a reputação dos alunos, os esterótipos, etc.). As fases identificadas correspondem à construção pelos professores de expetativas em relação aos alunos, à transmissão dessas expetativas aos alunos e à reação destes em função das expetativas do professor, levando à eventual confirmação dessas mesmas expetativas.

É evidente o facto das expetativas condicionarem e influenciarem o outro, sendo este um processo interativo, dinâmico e não linear. O que não é de todo evidente e nada simples é a determinação antecipada da forma e dos mecanismos através dos quais essa influência se concretiza. Porém, quando os diversos fatores influenciam todos no mesmo sentido será possível afirmar que o efeito das expetativas no outro será muito forte. A consciência da importância das representações na sala de aula pelo professor pode ser um importante

68 instrumento no exercício da docência. Uma gestão de expetativas consciente e planeada pode ser um contributo eficaz para a otimização do processo de ensino-aprendizagem.

“Com o decorrer do tempo, a imagem que o docente dá do aluno vai-se reforçando e ver-se-á, no capítulo seguinte, que a sua perceção do aluno num dado momento, o seu modo de intervenção em relação a ele, são de tal maneira afetados que os outros alunos sabem de antemão quando o docente se vai dirigir a tal aluno, que género de intervenção vai ter e em que tom falará com ele.

Conhece-se bem, na educação especializada, a influência da ‘etiqueta’ colada num adolescente: que foge, é ladrão, etc. Não é possível nenhuma evolução se ele permanece fechado na personagem e se o educador não lhe oferece outra possibilidade de criar estatutos com base nos papéis assumidos nas situações. É ainda necessário que o educador tenha consciência dos obstáculos que provêm da representação que tem do seu parceiro.”

(Postic, 2008, p. 110) “Segundo M. Gilly, o papel profissional do docente leva-o a construir a sua representação do aluno a partir da expetativa dos resultados escolares, porque a instituição privilegia certos valores. Conforme o aluno corresponde ou não à sua expetativa profissional, isto é, conforme o grau de sucesso escolar, o docente julga-o bem ou mal.”

(Postic, 2008, p. 112)

O julgamento positivo pelo professor dos alunos que apresentam sucesso escolar e a consequente representação que o professor constrói desses alunos, advém também da projeção que o professor faz de si, do seu trabalho e desempenho, no aluno.

“Além disso, não será a si próprio que o docente procurará nas interações? Através da expetativa, situamo-nos a nós mesmos, por intermédio do outro refletimos uma imagem de nós. Estes aspetos narcísicos não são negligenciáveis na expetativa. A informação exterior deve ser aceite – em virtude de um sistema de referência em que se acredita – e interiorizada. Além disso, o docente experimenta a satisfação intelectual de obter com tal aluno resultados correspondentes às suas expetativas pessoais, resultados ‘objetivos’ que confirmam a sua convicção de ser um ‘bom’ professor, cujos juízos são seguros, cuja ação é eficaz. Pelo contrário, desvia-se do aluno que lhe dá um reflexo desfavorável de si mesmo.”

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