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Explicações possíveis para a associação entre déficits de habilidades sociais e

3. Questões conceituais e metodológicas sobre a associação entre déficits de habilidades

3.2. Explicações possíveis para a associação entre déficits de habilidades sociais e

A freqüente co-ocorrência entre dificuldades de aprendizagem e déficits de habilidades sociais tem gerado tentativas de explicação e com implicações importantes na definição e nos critérios de triagem das dificuldades de aprendizagem. Tais explicações consideram possíveis implicações dos déficits de habilidades sociais e do baixo rendimento acadêmico sobre o processo de ensino-aprendizagem.

Nessa direção, Del Prette e Del Prette (1999; 2001; 2003a; 2003b) expõem duas possíveis explicações para a associação entre déficits de habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem: 1) déficits no repertório de habilidades sociais levariam a dificuldades de aprendizagem porque prejudicariam a qualidade da relação com colegas de classe e professores, reduzindo o acesso à informação e à construção social de conhecimentos; 2) dificuldades de aprendizagem e/ou baixa competência social gerariam percepções e emoções negativas no aluno que, por sua vez, afetariam a motivação para o envolvimento na tarefa e funções cognitivas importantes para a apreensão dos conteúdos e a construção social de conhecimentos.

Na primeira possibilidade, com base no que expõem os referidos autores sobre as condições de construção de conhecimentos em contexto escolar, é possível defender que as habilidades sociais podem facilitar o envolvimento da criança com seu entorno social, contribuindo para a qualidade das relações do aluno com colegas de classe e professores, os quais constituem fontes importantes de informações acadêmicas. Assim, alunos competentes socialmente teriam mais acesso a informações e conhecimentos acadêmicos que dependem de relações interpessoais para serem adquiridos e construídos.

Existem evidências que reforçam essa mesma visão, em que déficits no repertório de habilidades sociais do aluno levariam a dificuldades de aprendizagem, especialmente quando são enfocadas as habilidades sociais requeridas em situações acadêmicas. É o caso do estudo de McClelland, Morrison e Holmes (2000) com 540 crianças de aproximadamente cinco anos de idade, no qual foi possível predizer desempenhos rebaixados de alunos em testes acadêmicos a partir de baixos escores em

suas habilidades sociais voltadas para as situações acadêmicas. Em uma pesquisa muito semelhante, Malecki e Elliott (2002) encontraram resultados também similares.

Ainda nessa mesma direção, conduzindo uma pesquisa com 26 crianças sem dificuldades de aprendizagem e 21 crianças com dificuldades de aprendizagem, entre sete e oito anos de idade, Feitosa (2003) constatou, por meio de avaliações de professoras, que o segundo grupo de alunos tendia a apresentar com menor freqüência em sala de aula habilidades como “pedir ajuda ao professor ou colega quando não sabe fazer a lição”, “fazer perguntas para esclarecer dúvidas” e “ignorar distrações para prestar atenção na explicação da professora”. A emissão mais freqüente de tais comportamentos socialmente habilidosos pareceu, dessa forma, ter favorecido a aquisição de um bom desempenho acadêmico por parte dos alunos sem dificuldades de aprendizagem do referido estudo.

Em pesquisa com 16 estudantes com dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita, sendo seis meninas e dez meninos entre sete e treze anos, os quais receberam assistência para o desenvolvimento de habilidades sociais, Molina (2003) encontrou que os ganhos no repertório social desses alunos foram acompanhados de ganhos acadêmicos. Apesar do pequeno número de participantes, a autora defende que os resultados favorecem a idéia de relação funcional entre habilidades sociais e desempenho acadêmico.

Além disso, segundo Del Prette e Del Prette (1999; 2001; 2003b), como o processo de ensino-aprendizagem ocorre em uma situação interpessoal, ele depende de habilidades sociais tanto dos alunos como dos professores, de maneira que um professor socialmente habilidoso apresentaria comportamentos mais eficientes para manter a

atenção da classe e a motivação dos alunos para os estudos. Como exemplo de tais comportamentos, vale destacar as habilidades de coordenar grupo, dar feedback, elogiar, mediar conflitos e automonitoramento. E esse aspecto se associa à possibilidade do professor prestar uma assistência de melhor qualidade aos alunos socialmente habilidosos por ser a relação com eles mais reforçadora ou gratificante (Goleman, 1996). Em resumo, o repertório social do professor influenciaria diretamente as condições interpessoais de ensino e aprendizagem, favorecendo ou prejudicando o desempenho social-acadêmico de cada aluno com quem interage. E, inversamente, o repertório social do aluno pode induzir melhores condições de ensino que, no caso de professores habilidosos, estabelecem um saudável circuito de reciprocidade e retroalimentação positiva.

Na segunda possibilidade levantada, as dificuldades de aprendizagem gerariam percepções e emoções negativas no aluno, cujo desconforto seria intenso o suficiente para prejudicar funções cognitivas e motivacionais requeridas no processo da aprendizagem (Del Prette & Del Prette, 1999; 2001; 2003b). Dentre as percepções e emoções negativas, geralmente encontradas em alunos com dificuldades de aprendizagem, estão a baixa auto-estima (Bender, 1987; Beitchman & Young, 1997; Margalit & Zak, 1984; Stevanato, Loureiro, Linhares & Marturano, 2003), a ansiedade (Beitchman & Young, 1997; Cantwell & Baker, 1991; Epstein, Cullinan & Nieminen, 1984; Fisher, Allen & Kose, 1996; Margalit & Zak, 1984), a depressão (Beitchman & Young, 1997; Huntington & Bender, 1993), os transtornos emocionais severos (Handwerk & Marshall, 1998) e os transtornos de humor (Cantwell & Baker, 1991). Além disso, conforme expõem Marturano e Loureiro (2003), as emoções

predominantemente negativas podem gerar vieses de memória e atenção congruentes com o humor da criança, afetando seu desempenho acadêmico graças a preocupações sobre incompetência e investimento de recursos psicológicos para objetivos e esforços de autoproteção, ao invés de canalizá-los para objetivos de competência acadêmica e estratégias de aprendizagem. Além disso, como as interações sociais parecem favorecer o desenvolvimento cognitivo da criança (Matos, 1998), os déficits de habilidades sociais, prejudicando o desenvolvimento cognitivo, também afetariam o desempenho acadêmico.

As duas explicações destacam a possibilidade de um círculo vicioso entre déficits de habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem: os déficits de habilidades sociais, tanto em professores quanto em alunos, levariam a um processo empobrecido de ensino-aprendizagem e as dificuldades de aprendizagem, por sua vez, gerariam ansiedade, emoções e auto-avaliações negativas ou bloqueios cognitivos que contribuiriam, de um modo ou outro, para a ocorrência de dificuldades interpessoais e acadêmicas, perpetuando-se o ciclo.

Além dessas explicações, é possível aventar outras hipóteses, ainda não exploradas em pesquisas, que levam em consideração o papel de variáveis cognitivas, tanto sobre as habilidades sociais como sobre as dificuldades de aprendizagem. Essa é a posição de Gresham e Elliott (1989), quando propõem que a associação entre déficits de habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem deveria ser investigada, talvez com maior conveniência, como o resultado de outras variáveis que afetariam de forma semelhante o desempenho acadêmico e social do indivíduo. No caso dessas variáveis de associação serem encontradas, haveria a possibilidade de legitimar os déficits de

habilidades sociais como categoria específica de dificuldades de aprendizagem, dentro de um esquema proposto por associações americanas de dificuldades de aprendizagem, como o Interagency Comittee on Learning Disabilities-ICLD (Hammill,1990).

Diante do exposto, considerando, de um lado, que o desempenho socialmente competente depende de processamento cognitivo dos estímulos sociais (percepção social) e que o bom desempenho acadêmico depende do processamento cognitivo dos estímulos visuais e auditivos envolvidos na aprendizagem acadêmica, pode-se estabelecer, conforme as bases teóricas do Treinamento de Habilidades Sociais, a possibilidade de analogias entre a percepção social e o processamento cognitivo acadêmico, reunindo-os em um mesmo conjunto: o raciocínio geral (processos cognitivos de discriminação de estímulos, estabelecimento de analogias, identificação de padrões, formulação de regras etc.). A próxima seção apresenta as associações entre competência social e desempenho acadêmico levando-se em consideração a percepção social como um indicador do raciocínio geral, que poderia estar envolvido no estabelecimento de correlações entre déficits de habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem.