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“Nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeira instância, um problema da vida prática. Isto quer dizer que a escolha de um tema não emerge espontaneamente, da mesma forma que o conhecimento não é espontâneo”

Ao ingressarmos no mestrado, já estava impregnado em nós o desejo de conhecer de forma mais aprofundada o trabalho dos agentes comunitários de saúde, personagem novo e ainda incipiente dentro do sistema de saúde. Pelas vivências que tivemos, ainda durante o curso de graduação, com esses trabalhadores, desejávamos compartilhar suas dificuldades, suas dores e, quem sabe por meio da pesquisa, dar maior visibilidade às dificuldades encontradas na realização do seu trabalho. Desejo de tentar apreender o que tem se constituído a partir da sua prática e que relações têm sido estabelecidas com a comunidade e com os demais profissionais de saúde.

Não podemos afirmar que a escolha do objeto de pesquisa e do referencial teórico que norteou nossas análises tenha sido neutra e isenta de nossas afetações. A respeito dessa impossibilidade de neutralidade, Sato e Souza (2001, p. 40) afirmam que o processo de pesquisa requer “[...] do pesquisador que preste muita atenção nele mesmo, uma vez que é a sua relação com as pessoas do local e dele com as teorias que gerarão os achados”.

Segundo Minayo (1992), a fase exploratória de uma pesquisa é tão importante que pode por si só ser considerada uma pesquisa exploratória. É nesse momento que se define e delimita o tópico de investigação, que se propõem os objetivos, que se efetua a construção do arcabouço teórico que embasará o trabalho e, por fim, que se criam os instrumentos de coleta dos dados.

Assim, tendo nossa prática como fundamento de nossos questionamentos, efetuamos o levantamento bibliográfico da temática a fim de compor de maneira mais delimitada em que direção aconteceria nossa investigação. Após a construção do projeto de pesquisa e sua qualificação pela banca examinadora do Programa de Pós-graduação, entramos em contato com a Secretaria de saúde do município de Vitória (SEMUS), a fim de obtermos autorização para a coleta dos dados. Em função do grande número de instituições educacionais que têm desenvolvido algum trabalho

(como estágios, projetos de extensão, pesquisas) nas Unidades de Saúde do município, a Prefeitura adotou o procedimento de indicar aquelas onde é possível se desenvolver algum trabalho, como forma de se evitar a superlotação das instituições por pessoas alheias ao seu quadro profissional. No contato com os responsáveis por tal autorização, solicitamos que a Unidade de Saúde que nos fosse indicada se situasse em um bairro popular4 e que o PSF já estivesse em pleno funcionamento. Fomos encaminhada, então, para a Unidade de Saúde da Família do Bairro Consolação.

Nosso primeiro contato com a unidade se deu com a coordenadora, por quem fomos muito bem recebida. Na ocasião, apresentamos o resumo do projeto de pesquisa expondo seus principais objetivos e de que forma seria desenvolvido nosso trabalho. Foi a coordenadora, então, que nos apresentou aos agentes de saúde. Até esse momento, não havíamos definido com quantos agentes seria desenvolvida a pesquisa, pois não sabíamos quantas equipes havia na unidade para a qual seríamos enviada. Após os primeiros contatos, definimos como necessária a escolha de somente duas equipes a fim de conseguirmos estabelecer um vínculo mais estreito com elas, o que poderia não acontecer, caso trabalhássemos com todas as seis.

A escolha das equipes foi feita de forma diferenciada e bastante interessante. Podemos afirmar que a primeira delas é que nos escolheu e não o contrário. Quando nos apresentamos a uma das equipes (que estava em reunião) e dissemos o por que de estarmos ali, os agentes dessa equipe imediatamente disseram: “Ah! Então a gente já pegou você pra gente! Você vai acompanhar a gente, tá bom?”. Consideramos acolhedora a forma como a equipe nos recebeu, o que mais tarde se tornou ainda mais significativo pelo desejo manifestado de que alguém dirigisse o

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Essa solicitação se deu em função de nossa experiência anterior com os agentes. No estágio mencionado, a Unidade de Saúde situava-se em um bairro de classe média de Vitória e grande parte das dificuldades enfrentadas pelos agentes era em função de a população não reconhecê-los como trabalhadores da unidade e não aceitarem o seu trabalho, já que tinham um nível socioeconômico e cultural maior que o dos agentes.

olhar a eles. Em reunião com a coordenação, definimos, então, quais seriam as duas equipes acompanhadas: a que já havia manifestado o desejo de participar da pesquisa e uma outra que, na visão da coordenação, estava desenvolvendo um bom trabalho. Mesmo assim, achamos importante expor para as outras equipes a impossibilidade de acompanhar todas, explicando-lhes, entretanto, que nas reuniões gerais e nos treinamentos nós também estaríamos, o que tornaria possível algum nível de contato com eles.

As nossas primeiras atividades se constituíram, nessa fase, pelas conversas informais com esses agentes, pelo reconhecimento da unidade (espaço físico, fluxo de pacientes, programas desenvolvidos, etc.), suas principais dificuldades; pelo contato com os trabalhadores que nela atuavam; pelo reconhecimento de como está estruturado o PSF; além do levantamento de alguns dados sobre a população atendida (como número de famílias cadastradas, principais problemas relacionados com a saúde com que trabalham, etc.). Iniciamos também o acompanhamento de algumas das atividades que os agentes desenvolviam internamente na unidade (como preenchimento de fichas, atualização de prontuários, reuniões de equipe, etc.). Aproveitamos esses momentos para ratificar quais eram os objetivos da pesquisa, por que havíamos nos interessado em pesquisar o trabalho deles. Consideramos que, já a partir desse momento, estávamos realizando nossa coleta de dados.

4. 2 CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES DE SAÚDE

A Unidade de Saúde da Família na qual realizamos a investigação tem atualmente seis equipes de trabalho que contam com trinta agentes comunitários de saúde. Optamos por acompanhar o trabalho dos agentes de duas equipes, dez ao todo.

As duas equipes acompanhadas eram formadas unicamente por mulheres e, entre os trinta agentes da Unidade de Saúde, aproximadamente 10% são do sexo