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Exposição 6: A invenção de Limoeiro do Norte em Fotos e Fatos

Ao analisar os documentos oficiais da prefeitura, construídos por ocasião do centenário de aniversário da cidade de Limoeiro do Norte (1997), é possível perceber nos cabeçalhos a presença de duas logomarcas, a da prefeitura e a do centenário. Na primeira, aparece a representação da natureza, o verde das várzeas e das carnaúbas, o azul do céu, o amarelo do sol e o cinza da terra. Na segunda logomarca, que foi criada por uma aluna da Escola Normal Rural de Limoeiro do Norte, aparece a imagem do sol e de um ciclista. Essas imagens surgem de maneira sobreposta, formando o primeiro “O” da palavra Limoeiro. Abaixo delas, é possível perceber a expressão ano cem.

A logomarca é formada também pelas duas datas que delimitam o centenário (1887 e 1997) e por um texto menor na vertical (Um passeio na história), formando a frase Limoeiro: Um passeio na história. A montagem das imagens com as letras e os números criam a metáfora da bicicleta como uma espécie de máquina do tempo.

A produção de símbolos identitários (bicicletas, carnaúbas, rios, casarões, etc.) aconteceu ao longo de quase meio século. Mas, foi na época do centenário que instalou-se uma grande oficina de produção de sentidos de onde nasceram padres, coronéis, bispos,

fazendeiros, etc. Foi exatamente nessa época que a Colônia Limoeirense, radicada em Fortaleza, fez mais uma festa da amizade, dessa vez em homenagem ao cem anos de Limoeiro do Norte. Foi também nesse período que a Quadrilha Junina Cio da Terra escolheu o tema Centenário de Limoeiro do Norte, fazendo uma homenagem ao bispo Aureliano Matos.

O centenário, sempre ele. Uma arrumação temporal que, de tão repetida, aparece como se fosse da ordem da natureza, e não da dos homens, encadernar os anos às centenas. No clima do centenário, entre os muitos livros que foram lançados, Limoeiro em Fotos e Fatos, de Maria das Dores Vidal e Maria Lenira de Oliveira (1997) acabou se tornando um ponto de inflexão para se pensar as invenções da cidade. O livro, como dito anteriormente, nasceu de uma reunião com o Secretário de Ciência e Tecnologia, Francisco Ariosto Holanda, que lançou a proposta de construção de um livro e de um centro de Ensino Tecnológico (NIT).

A obra, como podemos perceber, foi construída no centenário e para o centenário. Não é resultado apenas do trabalho das autoras, foi construída de maneira coletiva, com a ajuda de várias famílias de Limoeiro do Norte, que cederam algumas fotografias. Essa proposta, de contar a História de Limoeiro do Norte através de fotos, era um projeto de Aécio de Castro88,

que já possuía um arquivo fotográfico de fôlego que foi aproveitado pelas organizadoras. O livro surgiu em poucos meses. Quatrocentos e setenta e sete páginas com parte da escrita em primeira pessoa do singular, como se o próprio aniversariante estivesse contando as suas memórias e mostrando as suas fotografias. Por que as autoras escolheram essa maneira de narrar? Primeiro, porque não se trata apenas de um livro, é uma mistura de livro, álbum e exposição. Segundo, para unificar todos em torno de um personagem comum, Limoeiro do Norte. Terceiro, para conquistar os leitores, criando um clima menos formal.

Os textos e as imagens falam, exatamente, sobre as dez décadas que antecedem as comemorações, entre 1897 e 1997. Como disseram as organizadoras, através do personagem/narrador (Limoeiro), Você está convidado a me conhecer melhor no meu passeio pela história. A fala da cidade, escrita na primeira pessoa do singular, convidando para fazer um passeio, lembra os guias de exposições dos museus tradicionais, que convidam para entrar nas instalações e fazer o percurso de maneira linear e passiva.

A primeira imagem que aparece, depois da capa, é de Aureliano Matos, seguido de Meton Maia e Silva (Jornalista) e Francisco Ariosto Holanda (patrocinador), que também receberam homenagens especiais. Há imagem seguinte é de Dr. Joaquim Sousa Andrade,

88 Aécio de Castro foi secretário de Cultura de Limoeiro do Norte, trabalhou na Rádio Educadora Jaguaribana e

foi um dos criadores das Olímpiadas Estudantis Jaguaribanas. Além de ser professor nas principais Escolas da cidade.

apresentado como médico, deputado geral, jornalista e cunhado de José de Alencar. A intenção das autoras era relacionar o personagem com a História Estadual e Nacional, tentando mostrar que Limoeiro, apesar de pequena, também era grande.

Na sequência, surgem vários retratos das famílias do século XIX, principalmente de coronéis, como Capitão José Rodrigues Pereira Chaves, que lutou na Guerra do Paraguai. Mais uma vez vemos a associação entre um personagem local, neste caso da família Chaves, e um acontecimento Internacional. Na maioria dos quadros os personagens centrais são os homens, as mulheres aparecem como anexo das suas biografias.

O livro é apresentando numa sequência cronológica, como se fossem sessões temáticas, como se fôssemos passando de sala em sala, de década em década, conhecendo as informações referentes a cada parte da exposição. A maneira de organizar é sempre a mesma, primeiro um texto, que as autoras chamaram de fatos, onde são narrados os acontecimentos de cada década. Ele é usado para explicar como a sessão está organizada e funciona como uma espécie de guia de cada década. Em seguida vem a parte das fotos, que assim como os objetos de um museu tradicional, são acompanhadas de uma legenda, descrevendo o que as pessoas estão vendo.

Ainda na primeira parte, intitulada Novo século – 1900, aparecem informações sobre a política e a religião, com destaque para a construção da casa de Padre Acelino Viana Arrais, que na época do centenário se transformaria no NIT. Mas, também podemos encontrar referência aos cata-ventos e aos jornais. Os textos e as imagens escolhidos para representar o começo do século XX apresentam os mesmos símbolos que foram repetidos ao longo das décadas, os casarões, representando as famílias tradicionais, os cata-ventos, símbolo da fertilidade, e os jornais, que servem para demonstrar o nível intelectual dos limoeirenses, supostamente propensos às letras e à cultura.

O crescimento da cidade é mostrado a partir de eventos como criação da estrada Limoeiro-Mossoró, a chegada energia elétrica. Na década de 1910, aparecem as primeiras referências, em forma de prosa, sobre a ilha. Mas, nesse caso específico, ela surge como algo ruim, a cidade de Limoeiro fazia parte de um município que possuía vários distritos e o isolamento era algo extremamente negativo. A ilha estava relacionada com a falta de estradas e as enchentes, que deixavam a cidade, literalmente, ilhada. Na década de 1920, o destaque é para Lampião, que chegou a Limoeiro em 1927. Mas, também podemos ver informações sobre o primeiro automóvel, o cinema, a educação, as cheias e as enchentes. A temática da modernização, que reaparece em outras décadas, sugere que a cidade estaria propensa ao crescimento em termos estruturais e educacionais. A proposta de construção de um dique

separando Limoeiro dos rios mostra que o encontro das águas, tão idealizado por Lauro de Oliveira Lima, não gerava apenas poesia, podendo causar, inclusive, medo e angustia.

A narrativa segue um ritmo acontecimental, sem surpresas. Ao fim, dez sessões funcionam como uma grande enciclopédia que as pessoas consultam para saber o que aconteceu em cada década. Ao ler as centenas de páginas, com tantos textos e imagens, temos a impressão que, pelo menos por alguns instantes, que o livro faz o que promete na introdução: resgatar o passado de Limoeiro do Norte.

Mas, essa impressão termina quando lemos a apresentação de Eugênio Leandro. Ele sabe o significado de um estúdio ou de uma ilha de edição (já que é músico e produtor de audiovisual). Ele entende como funcionam as fotografias. Apesar de falar sobre a suposta despretensão89 das autoras, ele sabe, que não existe arte neutra ou despretensiosa. Por mais

que fale sobre recomposição do passado, ele sabe o significado dessa palavra compor, ele conhece as técnicas de composição de músicas, de textos, de áudios ou de vídeos. Ele sabe que a arte é uma maneira de produzir e de apresentar sentidos.

Prender o tempo é uma tarefa árdua ― diz o próprio Eugênio Leandro ― Ninguém o prende numa gaiola. As fotografias, assim como os retratos de parede, fazem parte de um gênero artístico, dependem da época e do local. Eugênio Leandro sabia isso, não é por acaso que ele dedicou parte da apresentação aos fotógrafos, ele conhecia o potencial artístico desses profissionais.

Ave, Seu Conrado, Manelzinho e todos que aprenderam com vocês. Ave, Juraci, nossos lambe-lambes, Honorato, Aba Film, Sales, Chacan, Dedé – o nosso mudo (José Rodney), Pompílio Maia! Sem esquecer os estradeiros da imagem, de cidade em cidade, com seus fardos de belas roupas e cenários, a reter o tempo fugidio (LEANDRO, 1997, 11).

Uma das palavras que mais chama a atenção, ainda no início do livro, é resgate. Não existe a possibilidade de reter o tempo, apesar de Eugênio Leandro usar essa expressão, ele sabe que não passa de uma ilusão. Mas, a proposta de Maria das Dores Vidal e Maria Lenira de Oliveira era exatamente essa, reter o tempo através da publicação de um álbum com FOTOS E DOCUMENTOS, resgatando a memória de Limoeiro do Norte (OLIVEIRA; VIDAL, 1997, 08).

As fotos aparecem como instrumentos de resgate, elas são vistas como as provas dos fatos. Mas, quando olhamos essas provas de perto percebemos que existem outras

possibilidades de leitura, que ficam ocultas debaixo da superfície. As próprias autoras fazem isso quando questionam a Marcha da Família com Deus pela Liberdade que aparece numa foto da década de 1960.

Não basta perguntar o que tem nos quadros e fotos ou porque estas imagens e não outras estão dentro deles. É preciso fazer outras perguntas, que deveriam ser as primeiras: o que ficou de fora desses enquadramentos? Porque ficou de fora? O que se tornou indizível quando usaram as imagens para dizer algo? O que se tornou invisível quando se apropriaram das imagens para ver (ou fazer ver)? O que estavam velando (no sentido de ritualização da morte simbólica do que ficou de fora dos enquadramentos) ao revelar ou desvelar as imagens? O que estavam escondendo ou ignorando através do ato de mostrar?

Antes das comemorações do centenário e da organização do livro já existiam muitas fotografias, que foram feitas com objetivos variados, por pessoas diferentes, em épocas e lugares distintos, com interesses diversos. A primeira composição, portanto, é a das imagens, elas foram compostas pelos fotógrafos, que escolheram o tipo de máquina, de lente, de luz, de pose e de enquadramento; do mesmo modo como os escritores escolhem palavras. Limoeiro em fatos e fotos não resgata a história da cidade. Antes de simplesmente criticar o livro, no entanto, é preciso lembrar que nenhum livro poderia fazê-lo.

5.8. Exposição 7: A invenção de Limoeiro do Norte através do curta metragem de