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CAPÍTULO 9 DISCUSSÕES

9.3.5 Expressões comportamentais

Com referência à categoria “Expressões Comportamentais do Agressor”, sob a perspectiva das mulheres, observaram-se comportamentos ambivalentes, nos quais as representações são objetivadas pela ameaça, dosada pelo arrependimento e reincidência, apontando o “ciclo vicioso” da violência de gênero (Okada, 2007). Observam-se abaixo os recortes:

Ele me ameaça (10)/ Ele sempre/disse que ia me matar (4)ameaçava tirar meu filho de mim/ diz que vai matar a outra pessoa e que vai me deixar aleijada/ Se eu denunciasse ele me matava (3)/ se você contar pra sua família que eu to dando em você eu mato tudinho/ e se um dia você sair daqui/ se eu encontrar um dia você no caminho/ eu só dou uma facada em você/ disse que se eu fosse na policia ele me matava (2).

Os discursos desta categoria expressam conteúdos ameaçadores, muitas vezes ameaças de morte, gerando medo e submissão. Algumas das motivações que fazem a mulher não denunciar a violência é o medo dessas ameaças se cumprirem, e conforme observado na mídia, alguns agressores as cumprem. Logo, surge no imaginário popular destas mulheres, as RS de um homem violento e assassino, que cumpre as ameaças, tirando a vida de mulheres que não aceitam seu domínio. Provavelmente, esta veiculação na mídia

pode gerar ainda mais medo nas mulheres, ao passo que, por outro lado, também pode as encorajar a sair, denunciar e quebrar este ciclo violento.

Apesar das ameaças verificadas acima, surge também no discurso das mulheres, o arrependimento de seus companheiros, conforme a subcategoria abaixo:

Depois ele pede desculpa e volta atrás de mim (3)/ele tá querendo que eu volte para ele/ Ai ele soltou a faca/ o que foi que fiz, nega, contigo?/ Fui eu quem fiz isso?/ ele dizia que gostava de mim/ Não, eu gosto de você/ eu num to dando muito em você não/ é mentira/ eu num dou em você não/

Observa-se, nos recortes acima, a contradição do discurso do agressor, além de haver o arrependimento, eles parecem “negar” seus atos de violência. Muitas vezes após este arrependimento a mulher volta à relação, provavelmente na iminência de uma mudança, porém, em pouco tempo, a violência volta a acontecer.

O conteúdo desta sub categoria confirma o ciclo da violência postulado por Okada (2007), não obstante, ainda segundo o autor, a medida que o tempo passa, este ciclo encurta-se cada vez mais, perpetuando a situação violenta. Estes achados apontam a compreensão do fenômeno da violência no contexto familiar contra a mulher, emergindo como um fenômeno crônico e, portanto, cíclico.

E conforme citado, o ciclo da violência faz emergir novamente, após um breve período de “lua de mel”, novos episódios de violência, conforme se verifica nos relatos das mulheres que evidenciam a reincidência da violência após períodos de arrependimento do agressor:

A demora era só eu ficar boa/ com dois ou três dias vinha de novo/ Ele jurava na frente de mamãe / Eu voltava pra casa, com dois ou três dias começava tudo de novo/ Ele já chegou a entrar na igreja a viver bem/ não chegou a bater em mim durante 6 meses/ Quando a gente começou a estudar no pro –jovem/ ele começou a ter aquelas amizades dele que ele tinha antes.

A partir destes achados questiona-se: o que faz a mulher permanecer neste ciclo, mesmo em situações de extrema violência? Certamente encontram-se várias motivações. Provavelmente por uma idealização de um amor romântico, na qual a

esperança de mudança do companheiro reforça a vivência de uma família ideal, valorizada pela mulher ao longo dos tempos.

Por outro lado, Thurler (2007) afirma que elas voltam, por temer não conseguir dinheiro para viverem sós e/ou com seus filhos, e muitas vezes sentem-se culpadas por isso. Verificam-se, também, valores sociais (não querer ser mãe solteira), medo da violência e pena do parceiro (Day et al, 2003; Saffioti, 1999). São justamente nestas reincidências que o pior acontece, ressaltando mais uma vez o que aponta Manso (2010), que a cada dia, morrem 7 mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil.

A seguir, através dos recortes da subcategoria denominada “mentira”, pode-se verificar também uma das manifestações comportamentais do agressor, que é a de negar e mentir perante a sociedade a condição de violência em que vive com sua companheira.

Ele começou a ficar desesperado/agora que eu fiz isso contigo tu vai ter que ir pro hospital/ e quando chegar la vão descobri que fui eu que fiz isso contigo/ quando chegar la eu digo outra coisa/ digo que foi uma queda no banheiro/Ai como eu tava perto dele ai não dava pra falar mais,/ ai disse que eu não ia pro trabalho/ porque eu tava doente/ Ele tinha medo de que eu ia dar parte dele/ tem que mentir lá.

Nesta subcategoria, surge a preocupação do agressor em esconder a violência praticada. Fica evidente sua mobilização em esconder dos órgãos públicos, como hospitais, delegacias, e até mesmo dos demais membros da família a violência exercida contra a companheira. Provavelmente estes já elaboraram RS advindas na Lei Maria da Penha, a qual preconiza punições mais severas ao homem agressor. Contudo, este fato impede as denúncias, muitas vezes observa-se aí a violência simbólica (Bourdieu, 1989), velada, na qual implicitamente existe a conivência da mulher no ciclo violento, impossibilitando os órgãos responsáveis a construírem estratégias de combate à violência e, o que é pior, impede as próprias mulheres de criarem estratégias internas e externas para a quebra do ciclo da violência