Seja V um espa¸co vetorial real com uma estrutura complexa J . O espa¸co dual V∗ tem uma estrutura complexa natural J∗ dada pelo dual de J . A complexifica¸c˜ao do espa¸co dual (V∗)C
portanto tem um decomposi¸c˜ao
(V∗)C= (V∗)+⊕ (V∗)−
nos autoespa¸cos de J∗ associados aos autovalores ±i de J∗. Sob a identifica¸c˜ao de(V∗)C com
3
´
Algebra (an´eis) de polinˆomios
Uma fun¸c˜ao da vari´avel real x ´e denominada polinˆomio se puder ser apresentada como f(x) = a0+ a1x+ ⋯ + anxn, ai∈ R, 1 ≤ i ≤ n.
⊳ Ex.88: Mostre que os coeficientes ai acima s˜ao ´unicos⊲
Os polinˆomios formam uma sub´algebra da ´algebra das fun¸c˜oes reais, denominada R[x]. Para o caso de polinˆomios sobre um corpo K arbitr´ario, usaremos uma defini¸c˜ao mais apropriada e geral.
⊳ Exemplo 14: Os polinˆomios p(x) = x e q(x) = x3 sobre o corpo Z
3 tomam os mesmos
valores, enquanto que os polinˆomios p(x) = x e q(x) = x2 sobre o corpo Z2 tamb´em tomam os
mesmos valores⊲
Tome o espa¸co vetorial K∞ das sequencias de elementos sobre um corpo K onde somente um n´umero finito de entradas s˜ao n˜ao nulas. Enumeramos os termos de tais sequencias de tal maneira que uma base{e0, e1, . . . , ek, . . .} para K∞pode ser obtida denotando por eka sequencia
cujo k-´esimo termo ´e igual a um e os demais termos s˜ao nulos. Tal espa¸co vetorial munido de um produto — denotado aqui por justaposi¸c˜ao — eiej= ei+j´e uma ´algebra, comutativa e associativa,
onde e0 faz o papel de identidade. Tal ´algebra ´e denotada por K[x].
Convencionamos agora identificar elementos do tipo be0 da ´algebra K[x], b ∈ K, com os
elementos de K. Denotamos tamb´em ek= xk e
(a0, a1, a2, . . . , an0, . . .) = n ∑ i=0 aiei= n ∑ i=0 aixi (3.1)
Os n´umeros a0, a1, a2, . . . , an s˜ao denominados coeficientes do polinˆomio, e o ´ultimo coeficiente
n˜ao nulo ´e chamado de coeficiente l´ıder, sendo que seu ´ındice ´e o grau do polinˆomio p, denotado por deg p. Um polinˆomio ´e denominado mˆonico se o coeficiente l´ıder associado ´e igual a um.
⊳ Ex.89: Mostre que deg (p + q) ≤ max{deg p, deg q} e que deg pq = deg p + deg q ⊲
O produto entre polinˆomios com coeficientes ai e bj ´e outro polinˆomio com coeficientes
ck= ∑ki=0aibk−i.
▸ Teorema 21: Considere p, q ∈ K[x] e q ≠ 0. Existem polinˆomios s e r tais que p = sq + r e, ou r= 0 ou deg r < deg q ◂
Demonstra¸c˜ao: (Dizemos que p ´e divis´ıvel por q se r= 0). Se deg q > deg p, tomamos s = 0 e r= p. Se deg q ≥ deg p, considere p = ∑ni=0aixn−i e q= ∑mi=0aixm−i, onde a0, b0≠ 0, e defina
p1= p −
a0
b0
que possue o grau menor do que o grau de p. Se o grau de p1 for menor do que o grau
de q, podemos tomar s = a0
b0x
n−m e r = p
1. Se n˜ao, podemos fazer o mesmo procedimento
sucessivamente, at´e obtermos um polinˆomio do tipo
s= c0xn−m+ c1xn−m−1+ ⋯ + cn−m.
tal que deg (p − sq) < deg (q). Esse ´e o quociente da divis˜ao de p por q e r = p − sq ´e o resto. Tais polinˆomios s˜ao ´unicos, pois dados
p= s1q+ r1− s2q+ r2, onde deg r1< deg q e deg r2< deg q.
Isso implica que r1− r2= (s2− s1)q e supondo que s1≠ s2, ent˜ao deg (r1− r2) = deg (q2− q1) +
deg q ≥ deg q, o que ´e uma contradi¸c˜ao. Portanto s1= s2 e r1 = r2 ∎
A divis˜ao de um polinˆomio pelo monˆomio(x − a) com resto, significa que o resto tem grau menor que um, ou seja, o resto ´e um elemento de K. Portanto, p(x) = (x − a)s(x) + r, o que implica que p(a) = r, e este ´e o chamado teorema de Bezout. Dizemos agora que um elemento a∈ K ´e uma raiz do polinˆomio p ∈ K[x] se p(a) = 0.
O teorema de Bezout implica que
▸ Teorema 22: O elemento a ∈ K ´e uma raiz do polinˆomio p ∈ K[x] se e somente se p ´e divis´ıvel por x− a ◂
que usaremos para provar o seguinte:
▸ Teorema 23: O n´umero de ra´ızes de um polinˆomio n˜ao nulo nunca excede o grau do polinˆomio ◂
Demonstra¸c˜ao: Considere a1 uma raiz de p∈ K[x]. Ent˜ao
p= (x − a1)p1, p1∈ K[x].
Considere agora a2 uma raiz de p1∈ K[x]. Ent˜ao
p1= (x − a2)p2, p2∈ K[x],
e portanto p= (x − a1)(x − a2)p2. Sucessivamente, encontramos finalmente
p= (x − a1)(x − a2)⋯(x − am)q, onde q∈ K[x] n˜ao possui ra´ızes do polinˆomio p. (3.2)
Os elementos ai s˜ao todos ra´ızes de p, pois para qualquer a∈ K, p(a) = (a − a1)(a − a2)⋯(a −
am)q(a) e j´a que g(a) ≠ 0, p(a) = 0 se e somente se a = aj para algum j entre 1 e m. Portanto o
n´umero de ra´ızes nunca excede m. Al´em disso, m = deg p− deg q ≤ deg p ∎
▸ Obs.17: Uma raiz a do polinˆomio p ´e denominada raiz simples se p n˜ao for divis´ıvel por (x − a)2. A multiplicidade da raiz a ´e o m´aximo k∈ N tal que p seja divis´ıvel (x − a)k. Uma raiz
simples possui portanto multiplicidade igual a um◂
Podemos agora enunciar o teorema anterior de uma forma mais completa.
▸ Teorema 24: (⋆′) O n´umero de ra´ızes de um polinˆomio levando-se em conta suas multipli-
cidades nunca excede o grau do polinˆomio. Tal n´umero ´e igual se e somente se o polinˆomio for um produto de fatores lineares ◂
3. ´Algebra (an´eis) de polinˆomios Prof. Rold˜ao da Rocha - CMCC - UFABC (2012) 36
Demonstra¸c˜ao: Podemos reescrever (3.2) agrupando os mesmos fatores, como p= (x − a1)k1(x − a2)k2⋯(x − ac)kc, onde as ra´ızes a1, a2, . . . , acs˜ao distintos.
Podemos da´ı escrever
p= (x − aj)kjgi, onde gj(aj) ≠ 0,
o que significa que aj ´e uma raiz de multiplicidade kj. Assim, o n´umero de ra´ızes contadas
juntamente com suas multiplicidades ´e igual a
k1+ k2+ ⋯ + kc= deg p − deg q.
∎
⊳ Ex.90: Considere o polinˆomio p = b0xn+b1xn−1+⋯+bn−1x+bnque cinde em fatores lineares,
ou seja, p = b0(x − a1)(x − a2)⋯(x − an), onde a1, a2, . . . , an s˜ao ra´ızes de p. Comparando os
coeficientes de xp em ambas as express˜oes para p, mostre as f´ormulas de Vi`ete: a1+ a2+ ⋯ + an= −bb1 0 a1a2+ a2a3+ ⋯ + an−1an=bb20 ⋯⋯ ∑j1<j2<⋯<jkaj1aj2⋯ajk= (−1) k bk b0 ⋯⋯ a1a2⋯an= (−1)n bbn0 (3.3) ⊲
⊳ Exemplo 15: (Vinberg) O polinˆomio p = x4+ a
1x3+ a2x2+ a3x+ a4 que tem a raiz x= 1 com
multiplicidade dois e raizes simples x= 2 e x = 3, pode ser escrito pelas f´ormulas de Vi`ete como p= x4− 7x3+ 17x2− 17x + 6
⊲
Nosso objetivo agora ´e demonstrar o teorema fundamental da ´algebra de C. Para tanto necessitaremos de uma s´erie de lemas e corol´arios.
▸ Defini¸c˜ao 5: Uma sequencia de n´umeros complexos zk onde k ∈ N converge a um n´umero
complexo z (denotaremos zk→ z) se ∣zk− z∣ → 0 ◂
▸ Lema 2: Suponha que zk→ z e seja p ∈ C[z]. Ent˜ao p(zk) → p(z) ◂
Demonstra¸c˜ao: Isso vem do fato de que se zk→ z e wk→ w, ent˜ao zkwk→ zw. ∎
▸ Lema 3: (⋆) Se ∣zk∣ → ∞ e p ∈ C[z] ´e um polinˆomio de grau positivo, ent˜ao ∣f(zk)∣ → ∞ ◂
Demonstra¸c˜ao: Considere o polinˆomio p= b0xn+ b1xn−1+ ⋯ + bn−1x+ bn, com bn≠ 0. Ent˜ao
∣f(zk)∣ = ∣zk∣n∣b0+ b1 zk + ⋯ + bn−1 zkn−1+ bn zkn∣ ≥ ∣b0∣ − ( ∣ b1∣ ∣zk∣− ⋯ − ∣ bn−1∣ ∣zn−1∣ k − ∣ bn∣ ∣zk∣n)
▸ Lema 4: (d’Alembert) Seja p ∈ C[x] um polinˆomio de grau positivo e z0 ∈ C tal que
p(z0) ≠ 0. Ent˜ao em qualquer vizinhan¸ca de z0 existe z∈ C tal que ∣p(z)∣ < ∣p(z0)∣ ◂
Demonstra¸c˜ao: Em geral, p(z)
p(z0) = 1 + d
j(z − z0)j+ dj+1(z − z0)j+1+ ⋯ + dn(z − z0)n, dj≠ 0. (3.4)
Provaremos agora que o m´odulo da express˜ao acima ´e menor que um. Escolha z = z0+ tz1,
t∈ (0, 1) e z1∈ C tal que djz1j= −1. A Eq.(3.4) implica que
p(z)
p(z0) = 1 − t
j+ tj+1q(t),
onde deg q = n− j − 1. Se A ´e o valor m´aximo dos coeficientes de q, ent˜ao ∣q(t)∣ ≤ (n − j)A, o que implica em
∣pp(z(z)
0)∣ ≤ 1 − t
j+ (n − j)Atp+1= 1 − tj(1 − (n − j)At) < 1, para t < 1
(n − j)A. ∎
De posse desses resultados podemos ent˜ao provar o teorema fundamental da ´algebra: ▸ Teorema 25: Todo polinˆomio de grau positivo sobre o corpo dos complexos possui raiz ◂
Demonstra¸c˜ao: Considere p ∈ C[z] um polinˆomio de grau positivo. Seja M = inf
z ∣p(z)∣.
Pela defini¸c˜ao de ´ıfimo, existe uma sequencia de n´umeros complexos zk tal que∣p(zk) → M. Se
a sequencia zk for ilimitada, ela cont´em uma subsequencia que tende ao infinito. Isso contradiz
o Lema (⋆), e portanto existe B > 0 tal que ∣zk∣ ≤ B, ∀k ∈ N. Escrevendo zk = xk+ iyk, ent˜ao
∣xk∣ ≤ ∣zk∣ ≤ B e ∣yk∣ ≤ ∣zk∣ ≤ B. Pelo teorema de Bolzano-Weierstrass, a sequencia (xk) possui
uma subsequencia (xk`) convergente e portanto (xk`) → x0. Da mesma maneira (yk`) → y0 e portanto (zk) → z0, o que implica em∣p(zk)∣ → ∣p(z0)∣ = M. Se M > 0 isso contradiz o lema de
d’Alembert, pois se p(z0) ≠ 0, tal lema nos diz que ∣p(z)∣ < ∣p(z0)∣ em uma vizinhan¸ca pr´oxima
de z0. Portanto M = 0 e da´ıp(z0) = 0 ∎
⊳ Corol´ario 3: Em C[x] qualquer polinˆomio cinde em fatores lineares ⊲
Demonstra¸c˜ao: Na Eq.(3.2) o polinˆomio q deve ter grau zero, pois ele pode cindir em polinˆomios de grau menor e assim sucessivamente, at´e que p seja o produto de fatores lineares e portanto q∈ C ∎
Pelo teorema (⋆′), segue-se o
⊳ Corol´ario 4: Todo polinˆomio de grau n sobre C possui n ra´ızes, contadas juntamente com suas multiplicidades ⊲
4
Operadores Lineares e Dualidade
4.1
Preliminares
Uma aplica¸c˜ao linear φ ∶ W → V ´e unicamente determinada pelas imagens dos vetores da base de U . Com efeito, dada uma base {ei} de W, para todo vetor v = ∑iaiei temos
φ(v) = ∑
i
aiφ(ei)
Se vi∈ V s˜ao vetores arbitr´arios, ent˜ao φ ∶ W → V definido como φ(v) = aivi´e linear, e φ(ei) = vi.
Considerando φ∶ Kn→ Km um mapa linear, aplicando φ a e1, e2, . . . , en∈ Kn, temos que
φ(ej) = (a1j, a2j, . . . , amj)T ∈ Km, j= 1, 2, . . . , n.
A matrix do operador φ na base {ei} ´e a matriz (aij) determinada por φ(ei) = ∑iaijej.
▸ Defini¸c˜ao 6: Um subespa¸co vetorial U ⊂ V ´e invariante com respeito a um operador linear φ∈ End(V ) se φ(U) ⊂ U ◂
A restri¸c˜ao φ ∣U de φ ao subespa¸co invariante U ´e uma aplica¸c˜ao linear em U . Se escolhemos
uma base{e1, . . . , en} de V , tal que U = ⟨e1, . . . , ek⟩ — o que ´e sempre poss´ıvel — ent˜ao a matriz
de φ tem a forma
(A0 BC) (4.1)
onde A ´e a matriz do operador φ∣U na base {e1, . . . , ek}, C ´e uma matriz de ordem n − k e B ´e
uma matriz k× (n − k).
No caso em que V = U ⊕ W, onde U e W s˜ao dois subespa¸cos invariantes, se {e1, . . . , ek} ´e
base de U e{ek+1, . . . , en} ´e base de W, ent˜ao {e1, . . . , en} ´e base de V , e nessa base podemos
escrever a representa¸c˜ao matricial de φ como (A 0
0 C)
onde A ´e a matriz do operador φ∣U na base {e1, . . . , ek} e C ´e a matriz do operador φ∣W na
base{ek+1, . . . , en}. Mais geralmente, se pudermos cindir V como a soma direta de k subespa¸cos
invariantes V = V1⊕ V2⊕ ⋯ ⊕ Vk, ent˜ao na base de V , formada por bases dos subespa¸cos Vi, a
matriz de φ ´e da forma ⎛ ⎜⎜ ⎜⎜ ⎝ A1 0 ⋯ 0 0 A2 ⋯ 0 ⋮ ⋮ ⋱ ⋮ 0 0 ⋯ An ⎞ ⎟⎟ ⎟⎟ ⎠ onde Ai ´e a matriz do operador φ∣Vi.
⊳ Exemplo 16: A rota¸c˜ao de um vetor por um ˆangulo θ ´e um operador linear em R2. Em
uma base ortonormal sua matriz ´e dada por
Π(θ) = (cos θ − sin θ sin θ cos θ)
Em particular, uma rota¸c˜ao de π/2 nessa base corresponde `a matriz (0 −1
1 0). Encontremos a matriz de tal operador na base
e′1 = 2e2
e′2 = e1− e2
A matriz mudan¸ca de base B ´e dada por B= (0 1 2 −1) ⇒ B −1= (1/2 1/2 1 0 ) Portanto Π(θ)′= B−1Π(θ)B = (1/2 1/1 1 0 ) ( 0 −1 1 0) ( 0 1 2 −1) = (− 1 1 −2 1) ⊲
⊳ Ex.91: Seja φ ∶ K3 → K3 dada por φ(x, y, z) = (x + z, −2x + y, −x + 2y + 4z). A matriz de φ
em rela¸c˜ao `a base canˆonica de K3 ´e dada por ⎛ ⎜⎜ ⎝ 1 0 1 −2 1 0 −1 2 4 ⎞ ⎟⎟ ⎠
Seja uma outra base {f1, f2, f3} de K3 dada por f1 = (1, 0, 1), f2 = (−1, 2, 1) e f3 = (2, 1, 1).
Determine a matriz de φ na base {fi}⊲
⊳ Exemplo 17: Similarmente, a rota¸c˜ao em torno de um eixo por um ˆangulo θ ´e um operador linear em R3. Numa base ortonormal{e1, e2, e3} tal que e3 seja colinear com o eixo de rota¸c˜ao,
o operador tem a seguinte forma:
(Π(θ) 00 1)
Isso concorda com a maneira pela qual R3 ´e cindido na soma direta R3= ⟨e1, e2⟩ ⊕ ⟨e3⟩ ⊲