• Nenhum resultado encontrado

Funcionais Bilineares

No documento Livro Roldao (páginas 44-48)

Os axiomas de espa¸co vetorial n˜ao incorporam a geometria dos vetores no espa¸co euclidiano pois n˜ao h´a como se definir comprimento e ˆangulo entre vetores sem introduzir o conceito de m´etrica no seu espa¸co. Consideramos nesta Se¸c˜ao fun¸c˜oes que generalizam o produto interno.

▸ Defini¸c˜ao 7: Um funcional bilinear (ou forma bilinear) em um K-espa¸co vetorial V ´e uma fun¸c˜ao B ∶ V × V → K que ´e linear em cada argumento ◂

Por bilinearidade entendemos a linearidade em cada um dos argumentos da aplica¸c˜ao, ou seja, dados a, b ∈ K e u, v, w ∈ V , ent˜ao B(av + bu, w) = aB(v, w) + bB(u, w) e B(v, au + bw) = aB(v, u) + bB(v, w).

▸ Obs.18: Adotaremos de agora em diante a nota¸c˜ao B para uma forma a princ´ıpio arbitr´aria, g para uma forma bilinear sim´etrica e σ para uma forma bilinear alternada◂

⊳ Exemplo 18: O produto interno em R3 ´e uma fun¸ao bilinear em R3. A fun¸ao g(f 1, f2) =

∫abf1(x)f2(x)dx ´e uma fun¸c˜ao bilinear em C[a, b]. J´a a fun¸c˜ao g(X, Y ) = Tr(XY ) ´e uma fun¸c˜ao

bilinear no espa¸co M(n, K)⊲

O n´ucleo de uma fun¸c˜ao bilinear B ´e o subespa¸co ker g = {v ∈ V ∣ B(u, v) = 0, ∀u ∈ V }. Dizemos que B ´e n˜ao-degenerada se ker B = {0}.

Pode-se mostrar que o funcional bilinear g ´e n˜ao-degenerado se e somente se para cada vetor v≠ 0 existir um vetor u ≠ 0 tal que B(v, u) ≠ 0.

O espa¸co vetorial equipado com um funcional bilinear g∶ V × V → K ´e dito um espa¸co com produto escalar. A quantidade sim´etrica g(v, u) ´e muitas vezes chamada produto escalar entre os vetores v e u se al´em das propriedades acima citadas, g satisfizer g(v, v) ≥ 0. Se g(v, u) = 0 dizemos que os vetores v e u s˜ao ortogonais em rela¸c˜ao a g. Num caso arbitr´ario um vetor n˜ao- nulo v pode ser ortogonal a si pr´oprio, ou seja, g(v, v) = 0. Tais vetores s˜ao ditos isotr´opicos.

Um funcional bilinear g ´e dito sim´etrico se g(v, u) = g(u, v). Um espa¸co vetorial equipado com um funcional bilinear sim´etrico ´e dito um espa¸co quadr´atico. Um funcional bilinear sim´etrico ´

e completamente determinado pela forma quadr´atica Q(v) = g(v, v) atrav´es do processo de polariza¸c˜ao. De fato, usando a propriedade de bilinearidade para calcularmos Q(v + u) = g(v + u, v+ u), podemos escrever

g(v, u) = 1

Formalmente, dizemos que uma forma quadr´atica ´e um par (V, Q) onde V ´e um K-espa¸co vetorial de dimens˜ao finita e Q∶ V → K ´e a aplica¸c˜ao que satisfaz as seguintes propriedades: a) Q(av) = a2Q(v), ∀a ∈ K, v ∈ V

b) O mapa g(v, u) = 12(Q(v + u) − Q(v) − Q(u)) ´e bilinear.

Um funcional bilinear ´e dito anti-sim´etrico quando o denotaremos por σ, se σ(v, u) = −σ(u, v). Um espa¸co vetorial equipado com um funcional bilinear anti-sim´etrico (n˜ao-degenerado) ´

e dito um espa¸co simpl´etico. ´E imediato que em um espa¸co simpl´etico todos os vetores s˜ao isotr´opicos.

▸ Obs.19: ´E comum definirmos formas quadr´aticas somente para corpos K com char(K) ≠ 2 ◂ Um funcional bilinear σ∶ V × V → K ´e dito alternado quando σ(u, u) = 0, para todo u ∈ V . ⊳ Ex.92: Mostre que toda forma bilinear alternada ´e tamb´em anti-sim´etrica. Prove que quando char(K)= 2 toda forma bilinear anti-sim´etrica ´e tamb´em sim´etrica. ⊲

⊳ Exemplo 19: Em R2, C((x, y), (x, y)) = xx− yy´e sim´etrica. Tamb´em a forma bilinear

definida como B((x, y), (x′, y′)) = xy′+ yx′ ´e sim´etrica. Como B((x, y), (x, y)) = 2xy, ent˜ao B(ei, ei) = 0 para i = 1, 2, onde {e1, e2} ´e a base canˆonica de R2 ⊲

Como uma forma bilinear ´e a generaliza¸c˜ao do produto interno, dados vetores u, v ∈ V , a condi¸c˜ao B(v, w) = 0 poderia ser considerada como sendo uma generaliz¸c˜ao do conceito de perpendicularidade.

⊳ Exemplo 20: Em V = R2, considere B((x, y), (x, y)) = xx+ xy− xy − yy. Temos

(1, 0) ⊥ (1, −1), por´em (1, −1) ⊥̸ (1, 0): a rela¸c˜ao de perpendicularidade para B n˜ao ´e sim´etrica ⊲

J´a que pode acontecer o caso onde u ⊥ v mas v ⊥̸ u, dizemos que a propriedade de que u⊥ v e v ⊥ u nos diz que u e v s˜ao ortogonais em ambas as dire¸c˜oes. As formas bilineares mais importantes s˜ao aquelas em que ⊥ ´e uma rela¸c˜ao sim´etrica: u ⊥ v ↔ v ⊥ u. Saber quais s˜ao as formas bilineares em que isso acontece ´e de fundamental importˆancia:

▸ Teorema 26: A rela¸c˜ao de perpendicularidade em um espa¸co bilinear (V, B) ´e sim´etrica se e somente se B for sim´etrica ou alternada ◂

Demonstra¸c˜ao: Se B for sim´etrica ou alternada, dados v, w∈ V , ent˜ao B(v, w) = ±B(w, v), e portanto B(v, w) = 0 se e somente se B(w, v) se anula. Para provarmos a dire¸c˜ao rec´ıproca, assuma que ⊥ ´e uma rela¸c˜ao sim´etrica. Tome quaisquer vetores u, v, w ∈ V . Primeiramente iremos achar todas as conbina¸c˜oes lineares av+ bw tais que (av + bw) ⊥ u, o que ´e equivalente a

aB(v, u) + bB(w, u) = 0 (4.2)

pois B ´e linear em particular na sua primeira componente. Podemos por exemplo obter a rela¸c˜ao (4.2) usando a= B(w, u) e b = B(v, u). Defina agora z = B(w, u)v − B(v, u)w, e da´ı B(z, u) = 0 e segue-se que B(u, z) = 0 pela simetria da rela¸c˜ao ⊥. Calculando agora B(u, z) pela linearidade de B em sua segunda entrada e igualando a zero, obtemos

4. Operadores Lineares e Dualidade Prof. Rold˜ao da Rocha - CMCC - UFABC (2012) 42

Mostraremos que uma forma bilinear B que satisfa¸ca (4.3) ´e sim´etrica ou alternada. De fato, use w= u em (4.3):

B(u, u)B(u, v) = B(v, u)B(u, u). (4.4)

Note que B(u, u) aparece em ambos os lados de (4.4). Assim, para todo u, v ∈ V

B(u, v) ≠ B(v, u) ⇒ B(u, u) = 0 (e similarmente B(v, v) = 0). (4.5) Agora suponha que a rela¸c˜ao ⊥ seja sim´etrica e que B n˜ao seja uma forma bilinear sim´etrica. Mostraremos que B ´e alternada. Por hip´otese existem u1, u2∈ V tais que

B(u1, u2) ≠ B(u2, u1). (4.6)

A partir da´ı demonstraremos que B(w, w) = 0 para todo w ∈ V . Usando (4.5) e (4.6) segue-se que

B(u1, u1) = 0 = B(u2, u2). (4.7)

Tome agora qualquer w ∈ V . Se B(u1, w) ≠ B(w, u1) ou se B(u2, w) ≠ B(w, u2), ent˜ao (4.5)

mostra que B(w, w) = 0. Portanto para provar a rela¸c˜ao B(w, w) = 0, supomos que

B(u1, w) = B(w, u1), B(u2, w) = B(w, u2). (4.8)

Agora fa¸ca u= u1 e v= u2 em (4.3), e as condi¸c˜oes (4.8) implicam que

B(w, u1)B(u1, u2) = B(u2, u1)B(u1, w) (4.9)

e por (4.8) que

B(u1, w)(B(u1, u2) − B(u2, u1)) = 0. (4.10)

Isso imediatamente implica por (4.6) e (4.8) que

B(u1, w) = B(w, u1) = 0. (4.11)

De maneira an´aloga, substituindo u= u2 e v= u1 em (4.3) implica novamente por (4.6) e (4.8)

que

B(u2, w) = B(w, u2) = 0. (4.12)

Por (4.11), B(u1, u2+ w) = B(u1, u2) e B(u2+ w, u1) = B(u2, u1). Estes s˜ao distintos por (4.6),

e portanto a rela¸c˜ao (4.5) com u= u2+w e v = u1 implica que B(u2+w, u2+w) = 0. Finalmente,

por (4.7) e (4.11), B(w, w) = 0.∎

▸ Defini¸c˜ao 8: O complemento ortogonal de um subespa¸co vetorial U ⊆ V (com respeito a B) ´

e o subespa¸co

U⊥= {v ∈ V ∣ B(u, v) = 0, ∀u ∈ U} = {v ∈ V ∣ B(v, u) = 0, ∀u ∈ U.} ◂

Em particular, ker B = V⊥. A nota¸c˜ao U⊥ para um subespa¸co U ⊆ (V, B) somente faz sentido quando B for sim´etrico ou alternado.

▸ Proposi¸c˜ao 7: Se g ´e n˜ao-degenerada e sim´etrica, e se n˜ao existem vetores isotr´opicos ent˜ao

dimU⊥= dim V − dim U e (U⊥)⊥= U ◂

Prova: Fixe uma base {e1, . . . , ek} de U. Ent˜ao

U⊥= {v ∈ V ∣ g(ei, v) = 0, i = 1, 2, . . . , k} Agora, k ∑ i=1 λig(ei, v) = g ( k ∑ i=1 λiei, v)

e portanto tal combina¸c˜ao linear ´e nula se e somente se λi= 0, pois g ´e n˜ao-degenerada. Portanto,

dim U⊥= n−k, onde n = dim V . Assim, dim (U⊥)⊥= n−(n−k) = k = dim U. Como g(u, v) = 0, se v∈ U e u ∈ U⊥, ent˜ao v∈ (U⊥)⊥, e portanto(U⊥)⊥= U ∎

Comparado com o produto escalar usual em Rn, o conceit de perpendicularidade para outras formas bilineares pode possuir novas caracter´ısticas. Possivelmente a mais anti-intuitiva delas ´e que podemos ter v⊥ v, com 0 ≠ v ∈ V , isto ´e, o fato de que v ⊥ v n˜ao for¸ca v ter que ser nulo. Isso ´e imposs´ıvel para o produto escalar usual em Rn.

⊳ Exemplo 21: No Exemplo (4.3), em R2 munido com uma forma bilinear sim´etrica temos

que (1, 1) ⊥ (1, 1), e o subespa¸co vetorial U, gerado pelo vetor de componentes (1, 1), tem a propriedade U⊥= U, e portanto U + U⊥≠ R2 ⊲

Duas constru¸c˜oes de novos espa¸cos vetoriais munidos de funcionais bilineares podem ser obtidas a partir de outros espa¸cos vetoriais. Uma delas ´e a constru¸c˜ao de subespa¸cos vetoriais: se (V, B) ´e um espa¸co vetorial munido de uma forma bilinear e U ⊆ V ´e um subespa¸co de V , ent˜ao B restringe a uma forma bilinear em U , ent˜ao temos um subespa¸co denotado (U, B∣U) ou

simplesmente (U, B). (Estritamente falando, devemos escrever B∣U×U, uma vez que B ´e uma

fun¸c˜ao de duas vari´aveis, mas o mais conciso B∣U n˜ao deve gerar confus˜ao.) ´E ´obvio que se

B ´e sim´etrica, alternada ou *skew*-sim´etrica em V que a propriedade ´e herdada por qualquer subespa¸co.

A soma direta de espa¸cos vetoriais — sobre o mesmo corpo K — munidos de formas bilineares (V1, B1) e (V2, B2), ent˜ao V1⊕ V2 ´e um espa¸co vetorial munido de uma forma bilinear B1⊕ B2

definida por

(B1⊕ B2)((v1, v2), (v1′, v2′)) ∶= B1(v1, v1′) + B2(v2, v2′)

Se B1 e B2 s˜ao ambos sim´etricos, alternada, ou ambos *skew*-sim´etrica, ent˜ao B1⊕ B2 herda

essa propriedade.

▸ Defini¸c˜ao 9: O espa¸co (V1⊕ V2, B1⊕ B2) constru´ıdo acima ´e denominado a soma direta

4. Operadores Lineares e Dualidade Prof. Rold˜ao da Rocha - CMCC - UFABC (2012) 44 ⊳ Exemplo 22: Tomando o corpo K visto como um espa¸co vetorial unidimensional sobre si mesmo, a multiplica¸c˜ao K× K → K ´e uma forma bilinear sim´etrica se char(K) ≠ 2. O espa¸co vetorial K⊥ K ´e K2 munido do produto escalar usual, e a soma direta ortogonal K⊥n= K ⊥ ⋯ ⊥ K ´

e Rnmunido do produto escalar usual ⊲

O espa¸co V1 pode ser imerso na soma direta ortogonal V1 ⊥ V2 de uma maneira natural:

v1 ↦ (v1, 0), e similarmente podemos tamb´em imergir V2 em V1 ⊥ V2 por v2 ↦ (0, v2). Se V1 e

V2 s˜ao subespa¸cos do espa¸co V , dizemos que eles s˜ao ortogonais e escrevemos V1⊥ V2, se v1 ⊥ v2

para todo v1∈ V1 e v2∈ V2.

4.3.1 Correla¸c˜ao

Uma correla¸c˜ao ´e uma aplica¸c˜ao linear τ ∶ V → V∗. Uma correla¸c˜ao define naturalmente um funcional bilinear g∶ V × V → K atrav´es de

g(v, u) = τ(v)(u)

Se ker τ = {0} a correla¸c˜ao ´e dita n˜ao-degenerada. Dizemos tamb´em que V e o funcional bilinear associado a τ s˜ao n˜ao-degenerados. Como dim V = dim V∗, se ker τ = {0} ent˜ao τ ´e um isomorfismo, ou seja, uma correla¸c˜ao n˜ao-degenerada estabelece um isomorfismo entre um espa¸co vetorial e o seu dual.

Em um espa¸co simpl´etico temos que σ(v, u) = −σ(u, v) e portanto a correla¸c˜ao τ nesse caso satisfaz a rela¸c˜ao τ(v)(u) = −τ(u)(v).

Ao longo deste texto iremos considerar apenas espa¸cos quadr´aticos e faremos uso consider´avel das correla¸c˜oes sim´etricas τ ∶ V → V∗e τ−1∶ V∗→ V . Nesse caso iremos usar uma outra nota¸c˜ao para essas correla¸c˜oes:

♭ ∶ V → V∗, ♯ ∶ V∗→ V

de modo que ♭ = ♯−1 e ♯ = ♭−1. Estes isomorfismos ser˜ao chamados isomorfismos musicais [7]. Escreveremos geralmente

v= ♭(v), α♯= ♯(α) Por defini¸c˜ao temos portanto

v♭(u) = g(v, u), g(α♯, v) = α(v)

Para v = ∑iviei e u= ∑iuiei podemos escrever g(v, u) = ∑ijgijviuj, onde gij = g(ei, ej) = gji.

Como v(u) = v♭ iui, onde v♭ i s˜ao as componentes do covetor v na base{ei}, ou seja, v♭= v♭ iei,

segue que v♭ i= ∑jgijvj. Equivalentemente temos ei= gijej. Nesse sentido,∑kgikgkj= δji.

No documento Livro Roldao (páginas 44-48)

Documentos relacionados