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Para compreendermos as condutas e a prática do extensionista, buscamos as concepções de campo, espaço social e habitus em Bourdieu, devido ao fato de a EMATER-MG ser uma instituição do Estado, que conduz seu trabalho orientado pela Política Nacional de ATER (PNATER). A ATER internaliza informações para uma atuação efetiva, orientada através de normas em consonância com a missão e a visão da empresa, ressaltando que as instituições de ATER, em geral, executam as suas ações no espaço rural. Desse modo, a noção de espaço social refere-se a um

Conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores às outras, definidas umas em relação às outras, por sua exterioridade mútua e por relações de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento e, também, por relações de ordem, como acima e entre (BOURDIEU, 1996, p. 18-19).

Bourdieu (1996) caracteriza um espaço social como um campo de forças cujas propriedades dependem da posição onde os agentes se encontram, distribuídos em função da posição que ocupam, dentro de uma hierarquia, de acordo com o capital (social, cultural, simbólico) e se enfrentam com meios e fins diferenciados de acordo com a estrutura do campo, colaborando para a conservação ou a transformação de sua estrutura. Estes agentes, portadores de distintas quantidade e qualidade de capital, lutam para estabelecer seus princípios de visões de mundo. Para Sardan (1995), é o espaço social onde ocorrem conflitos e confrontos e que qualquer política de desenvolvimento é como um jogo, em que os atores sociais se enfrentam e competem por oportunidades em que cada um tenta se apropriar a seu modo. Cada campo é delimitado pelos valores e interesses específicos, regido pelas lutas e processos de diferenciação.

Bourdieu (1996, p. 48) afirma que os indivíduos, enquanto grupos, “existem e subsistem pela diferença, isto é, enquanto ocupam posições relativas em um espaço de

105 relações”, que se dão em um campo de forças, sendo determinada pelos agentes que o constituem por um arranjo social, mobilizado para e pelos interesses.

Conforme a análise de Thiry-Cherques (2006), o que determina a existência de um campo são os interesses e os investimentos que ele solicita a seus agentes dotados de um habitus e suas instituições, assim, o campo estrutura o habitus e o habitus constitui o campo.

Os serviços de ATER estão, normalmente, vinculados ao campo dos programas de desenvolvimento, objetos de trabalho de assistência técnica e extensão rural. As instituições executoras dos programas, através da ação do extensionista, com suas competências e habilidades, têm influência direta com os agricultores, parceiros e sociedade em geral. Neste contexto, Velho (2001, p. 27) considera os extensionistas como mediadores dos programas, que estabelecem

[...] comunicação entre grupos e categorias sociais distintos, são muitas vezes, agentes de transformação, acentuando a importância de seu estudo. A atuação tem o potencial de alterar fronteiras, com o seu ir e vir, transitando com informações e valores.

Em um continuo processo de negociação e escolhas, suas ações são orientadas por sistemas simbólicos, crenças e valores em volta dos interesses dos mais diversos, presentes em variadas categorias.

Acerca da importância dos mediadores, em situações específicas de negociações entre esferas distintas de poder, Velho (2001) menciona que um dos problemas, neste contexto, é o da representatividade e da complexidade do papel do mediador, dadas as adversidades de se assegurar as regras e valores de sua inserção em um sistema.

Em outras situações, o desempenho do mediador está relacionado a valores, normas e princípios controversos de compreensão de uma realidade, exercendo o papel de intérprete nas diferentes culturas mediadas, ou de mediador na solução de conflitos dos grupos das mais distintas naturezas.

Empreendendo tarefas, supervisionando atividades de contato e caracterizando

pela facilidade de “falar” muitas línguas, manipulando com habilidade os

múltiplos códigos político-culturais dos grupos que acionam a sua atuação. [...] o modelo básico é o de dois indivíduos assumindo um contrato pessoal (nem sempre explícito) de troca e ajuda mútuas (FRIEDMAN apud Velho, 1996, p. 100).

106 O mediador é um facilitador para um entendimento entre grupos e indivíduos, para ajudar as pessoas a mudar as suas percepções acerca de um problema e conduzi-las a uma solução. Partindo da diversidade e complexidade das relações, Barbosa (2003, p. 54) define a mediação como

um método fundamentado, teórica e tecnicamente, por meio do qual uma terceira pessoa, neutra e especialmente treinada, ensina os mediandos a despertarem seus recursos pessoais para que consigam transformar o conflito em oportunidade de construção de outras alternativas, para o enfretamento ou a prevenção de conflitos. O mediador não decide pelos mediandos, já que a essência dessa dinâmica é permitir que as partes envolvidas em conflito ou impasse resgatem a responsabilidade por suas próprias escolhas.

Barbosa (2003) afirma, ainda, que o conflito pode ser uma oportunidade de outras opções poderem olhar o problema de outro ângulo, quer dizer, que pode ser um momento adequado de transformar o atual estado de uma pessoa, em uma nova situação, com alternativas de melhoria das condições de vida, através das possibilidades dos recursos para a saída do conflito.

O mediador deve possibilitar a construção da autonomia dos envolvidos para as suas escolhas, para a interpretação do conflito quanto às suas origens e às razões que o ocasionaram. Os envolvidos no conflito têm seus discursos considerados competentes para uma decisão, com habilidade para o diálogo. O mediador ocupa uma posição importante, pois contribui para que os envolvidos possam ver, no conflito, um espaço propício para reconstrução de relações de aprendizado e mesmo de autonomia. É uma relação de mão dupla, da harmonização de conflitos entre interesses opostos.

Para Sales (2007), a mediação é um mecanismo de solução de conflitos, motivada pelo dialogo, encontra alternativas satisfatórias. É o mediador a pessoa responsável pela construção desse diálogo de acordo com as crenças e valores com o propósito da construção de um novo posicionamento. Desse modo, a mediação é estruturada no conhecimento de um saber fazer por parte dos mediados e de conhecimentos e saberes técnico científico com os mediadores, permitindo uma troca de conhecimentos e saberes.

Desse modo, a mediação passa a ser um espaço de conhecimento uma vez que os agentes de extensão forem:

Zelosos das diferenças que devem administrar, com vista à produção de diálogo e de reordenações sobre sentidos nem sempre convergentes. Enfim, sua objetivação implica a produção de crenças comuns que orientem os modos diferenciados de participação no projeto de mudança das relações de forças

107 que, desse modo, estão a merecer condenação e/ou superação (NEVES, 2008, p. 35).

No caso da microrregião do Serro, a ação dos extensionistas, como mediadores no processo de formalização das queijarias, ocorreu a partir da ação do Estado, quando impediu a comercialização dos queijos artesanais. Conforme Dias (2012, p. 1), o extensionista, em sua ação, “está cumprindo uma determinada missão, e o agricultor tem certas necessidades que podem ser supridas pelo profissional”. Desse modo, Dias (2012, p. 2) define a ação extensionista como:

Uma atividade essencialmente humana, portanto, imersa em complexas redes de inter-relações que lhe possibilita e condiciona. O contexto de sua complexidade é condição essencial para a compreensão dos significados que esta ação pode assumir. Entendemos também que esta jamais pode ser simplificada ou reduzida a uma atividade meramente técnica, na qual um profissional cumpriria suas intenções e alcançaria resultados de maneira objetiva, desde que dispusesse de recursos e colaboração para tal. Por isso, entendemos que a ação extensionista é caracterizada pela complexidade da condição humana dos dois ou mais sujeitos sociais que se encontram para juntos realizarem determinadas atividades.

É neste sentido que a ação extensionista com diferentes experiências acontece, com um processo de articulação entre os diversos atores das instituições e sociedade, envolvidos direta e indiretamente na produção artesanal do queijo do Serro.

Usando a prevenção de riscos de contaminação, em maio de 2001, o Ministério Público requereu o enquadramento da produção do queijo minas artesanal aos padrões sanitários oficiais. Através da Secretaria de Agricultura Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais, em 31 de janeiro de 2002, foi criado o Programa Queijo Minas Artesanal, estabelecendo uma rede institucional entre o IMA e a EMATER-MG.

De acordo com o IMA, o queijo, por ser fabricado a partir de leite cru, pode apresentar risco à saúde do consumidor. Assim, seu processamento deve seguir com rigor os cuidados higiênico-sanitários exigidos pela legislação. No entanto, a EMATER-MG, executa o Programa de Qualidade de Melhoria do Queijo Minas Artesanal priorizando a organização dos produtores, a padronização dos produtores, a normatização de processos de produtos e de produção, além de ter como principais objetivos garantir a segurança alimentar através do controle sanitário no processo de produção, cadastrar os produtores e buscar certificação de origem e definir a cadeia produtiva. Compete ao IMA fiscalizar todas as etapas do processo e orientar o produtor, deixando-o apto a receber o certificado.

108 Desse modo, para o produtor de queijo se cadastrar no IMA, é necessário que ele procure a EMATER-MG de seu município.

A assistência técnica ao produtor de queijo minas artesanal é realizada através do extensionista da instituição quando o produtor requer auxílio para formalizar a sua produção. Como mediador do processo, o extensionista assume um papel de destaque com relação à construção das queijarias. Cabe a ele conduzir o produtor ao cadastramento através da reforma da queijaria, ou da construção de uma nova instalação, orientando-o na documentação necessária ao cadastramento junto ao IMA. Enquanto agente, o extensionista acumulou, durante anos, um poder simbólico e possui a capacidade de definir como serão as instalações físicas da nova queijaria, confeccionando um layout mediante as normas preconizadas na legislação.

Ao se debruçar sobre esta relação, podemos utilizar o estudo de Woortmann e Woortmann (1997) sobre o modo de vida dos sitiantes sergipanos, que trata o trabalho como sendo “a articulação das forças produtivas com relações sociais de produção [...] o processo de trabalho possui dimensões simbólicas que o fazem construir não apenas espaços agrícolas, mas também espaços sociais” (p. 7-10). Os autores relatam as contradições entre um saber técnico, por parte do extensionista, e um saber fazer do produtor no processo de produção. Concomitantemente, não é diferente com o que aconteceu nas primeiras construções das queijarias na região do Serro.

Diante disso, o conceito de habitus, de Bourdieu (1996), entendido como modos de perceber, sentir, fazer, pensar e agir de uma determinada forma, nos ajuda a compreender que as ações extensionistas são executadas por interpretações previamente estruturadas, internalizadas em disposições para atuar conforme as práticas e modelos de comportamento em uma dada circunstância.

Conforme Dias (2012), as concepções de extensão rural nos conduzem a uma imagem de um encontro entre um agricultor e um técnico, em busca de uma solução com potencial para gerar uma transformação. Assim, os extensionistas atuantes no Programa Queijo Minas Artesanal, nas ações executadas, cumprem a missão de prestar assistência técnica aos produtores e estimular o cadastramento no órgão de inspeção.

Os produtores de queijo artesanal possuem certas necessidades que serão supridas pela ação extensionista com capacidade para provocar as mudanças necessárias. No entanto, existem condicionantes no processo da formalização dos produtores de queijo que implicam na reflexão a respeito dos papéis representados pelo extensionista na

109 condução do processo de cadastramento. As orientações que são transmitidas nas visitas técnicas às propriedades envolvem

um conjunto de concepções e práticas, mobilizadas e utilizadas pelo extensionista, para conferir um determinado sentido ao seu modo de agir no processo de interação, buscando com isso, na reciprocidade do ambiente interativo, obter uma resposta do agricultor e, quem sabe, influenciar seu comportamento, tornando-o coerente com a mudança que busca favorecer ou provocar (DIAS, 2012, p. 2).

Desta forma, percebe-se que a ação extensionista é uma prática profissional, institucionalizada, com significados e sentidos que vão além de um encontro. Nas ações preliminares, é necessário que o extensionista conheça a realidade dos municípios caracterizados e as propriedades produtoras de queijo do Serro. No caso da presente pesquisa, as ações iniciais aconteceram nos municípios pertencentes à regional da EMATER-MG de Guanhães, envolvendo quatro municípios da microrregião do Serro, ressaltando que a EMATER-MG, no território do queijo, é representada por duas regionais. Uma pertencente à Diamantina e a outra pertencente à Guanhães. Nesta pesquisa, o extensionista, membro da equipe de apoio QMA relata que, por não compreender o modo de fazer o queijo do Serro, a cultura e a tradição da região, foi necessário um outro extensionista da equipe, filho de um produtor de queijo do Serro, acompanhar as visitas, que orientava e ensinava como deveria ser o processo artesanal do queijo do Serro.