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A física quântica e a sincronicidade

No documento Rascunho digital: diálogos com Felippe Serpa (páginas 123-129)

Luiz Felippe Perret Serpa, FACED/ UFBA Aderval Barros da Silva, IF/ UFBA

Resumo

Neste trabalho, a partir da experiência EPR, cujo resultado demonstra a não-localidade da realidade física, desenvolvemos uma correspondência com a sincronicidade, e, conseqüentemente, um isomorfismo entre o inconscien- te e o vácuo quântico, concluindo pela dimensão da Física Quântica como uma teoria psicanalítica do universo.

As construções humanas são norteadas pelas percepções inconscien- tes do mundo, acumuladas ao longo da evolução da espécie, devido às constantes modificações nas capacidades mentais. As contribuições incons- cientes de criação nas elaborações artísticas e científicas estão imbricadas nas novas idéias e sensações que nos são incutidas e acumuladas no in- consciente. É a partir dessas percepções inconscientes que se evidenciam e racionalizam os fenômenos e os processos físicos, perceptíveis pela consci- ência humana, transformando, de forma contínua, as leituras, interpretações e traduções do mundo macroscópico, objeto da Física Clássica. Ainda por um fator inconsciente, somos levados a construções de modelos mediado- res de comunicação, que são transmitidos por meio de uma determinada linguagem.

De acordo com Lacan, toda investigação humana está vinculada irreversivelmente no interior do espaço criado pela linguagem. Essa certeza converge para o conceito de inconsciente, introduzido na psicanálise por Freud, e reelaborado por Jung posteriormente.

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Os diferentes desdobramentos da inventividade humana, embora muito diversificados, têm uma mesma origem, a mente humana e as percepções inconscientes; daí o fato de construções distintas eventualmente conduzi- rem os pensamentos a uma mesma referência. Há uma sincronicidade nas construções humanas decorrente deste fundo comum a todos os seres hu- manos.

Pode-se, assim, pensar o inconsciente como um universo virtual de pos- sibilidades, o vazio, onde o contexto é atemporal e a-espacial, o que nos pos- sibilita uma analogia com o vácuo quântico. Os colapsos ocorridos nesse uni- verso virtual, construtor das realidades humanas, são provocados pelos acon- tecimentos e pelas variadas formas de linguagem. São os acontecimentos que geram as temporalidades e as espacialidades, enquanto esse contexto tempo-espacial, juntamente com as linguagens, constroem o sentido.

Por exemplo, algumas teorias foram elaboradas, em alguns casos no mesmo período, por pessoas que não se conheciam e moravam em diferen- tes países, e não tinham conhecimento racional, consciente, do trabalho do outro (o trabalho do outro é um evento físico, a construção da teoria é um evento psíquico, e este fato é um evento sincrônico).

Alguns filósofos fazem distinção entre crear e criar; devemos esclarecer que se entende por crear a potencial e virtual manifestação da essência em forma de existência, e por criar, a transmissão de uma forma de existência em outra forma de existência. A história nos leva a afirmar que, em potência, um matemático compartilha com um poeta, pintor, músico ou escritor do mesmo princípio creador, embora suas criatividades precipitem diferentes construtos do real. Essas evidências constróem, de forma autônoma, uma ponte entre a psique e as nossas interpretações para os fenômenos físicos, pois as teorias que as definem são construções humanas. Resta-nos locali- zar essa ponte e caminhar sobre suas bases, explorando todo o panorama em volta, construindo, de maneira mais sólida, a realidade humana.

Entendemos como verdades humanas elementos e fatos do mundo ou do universo, que possuem uma forma repetitiva de se manifestar diante da consciência humana.

E se hoje se busca encontrar uma ponte entre a Física Quântica e a Sincronicidade, é porque essas transformações na visão de mundo, segui- das de suas respectivas construções mentais, não mudam o fato de as mentes creadoras possuírem as mesmas propriedades mentais, comuns a todos, fazendo com que, em algum lugar, mentes conscientes percorram os caminhos apontados pelo conjunto de transformações envolvendo mente, consciência e psique humana.

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A idéia das atualizações do inconsciente pode ser pensada como sendo o resultado do acúmulo de acontecimentos e excitações no nível quântico, pois o inconsciente é também um espaço virtual de possibilidades, o vazio,

algo que corresponde ao conceito de vácuo quântico presente na teoria quântica.

A mente humana tem o correspondente simbólico na consciência, pela atualização dos acontecimentos quânticos e suas respectivas excitações, pois essa atualização é a gênese do mundo macroscópico. A consciência relaciona os acontecimentos no mundo clássico, e as idéias da Física Quântica são estranhas perante a consciência, porém se realizam como aconteci- mentos e linguagens que geram a realidade clássica.

Estamos diante de um problema de escala, desde que a consciência está apta a analisar o mundo macro. Na verdade, consciência e inconscien- te fazem parte de uma mesma estrutura, a mente humana, e se inter-relaci- onam de forma complexa, condicionando nossas atividades e interpretações de eventos e fenômenos físicos e metafísicos.

Os paradigmas científicos puramente racionais não levarão a humani- dade à realidade última, absoluta, pois são edificados e trabalhados tendo os limites determinados pelo funcionamento cerebral e mental humano, alimen- tados por uma atividade inconsciente. Até aqui, pensamos na ciência como uma forma de padronização de percebermos o universo que nos cerca, o macro e o micro mundos, visando a uma melhor compreensão de onde nos encontramos imersos, e conseqüentemente, uma melhor interação com o meio em que habitamos, sem que isso implique um conhecimento onde paire a certeza. A percepção do micromundo ocorre no inconsciente de forma indizível, colapsando nos eventos resultantes da ação humana.

A maneira mecanicista e cartesiana com que as impressões do mundo apresentam-se à consciência nos leva a pôr em dúvida as coisas que afloram do inconsciente, mas suas manifestações apresentam-se cada vez mais intensas, levando os homens da ciência a inovações que resultam nas crises científicas, e, conseqüentemente, em mudanças de paradigmas. Assim, a consciência e o inconsciente auto-organizam-se, avolumam-se nas suas capacidades, modificando e acrescentando novas percepções de mundo que se manifestam na ação humana.

Chamaremos de atividade mental todas as transformações na matéria, pois qualquer movimento no espaço-tempo decorre de uma atividade men- tal. Certamente, a mente humana não define todas as atividades mentais no planeta, nem no universo, mas mantém sempre, em potência, a possibilida- de de atualizá-las. Há, no universo potencial e virtual das possibilidades, o

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inconsciente ou o vácuo quântico, a imanência da totalidade do universo. O conjunto de todas as mentes e suas conexões constituem o Unus Mundo.

Essas considerações podem justificar o fato de o paradoxo de Einstein, Rose e Podolsky (EPR) confirmar a validade do teorema de Bell, quando, em princípio, pretendia-se o efeito contrário, pois uma decorrência desse teorema é o caráter não local dos eventos físicos, implicando que a realidade quântica é sincronizada espacialmente.

A experiência EPR foi formulada por Einstein, com o objetivo de obter uma prova cabal da incompleticidade da teoria quântica, com o auxílio dos físicos Boris Podolsky, originário da Rússia, e Natan Rose, americano. Einstein não aceitava o fato de que a teoria quântica atribuía ao observador, e ainda é assim, a propriedade de criar a realidade.

Cabe aqui justificar essa consideração com o argumento de que a rea- lidade humana é verdadeiramente construída pelo observador, e isso é um fato que implica o não absolutismo dessa realidade.

Essa experiência originalmente refere-se a dois elétrons com momenta correlacionados. Essa experiência foi modificada, empregando-se dois fótons com polarizações correlacionadas. Experimentalmente, a polarização do fóton pode ser medida utilizando-se um cristal de calcita, que divida o raio luminoso em dois canais, um alto e um baixo, dependendo de os fótons estarem polarizados, respectivamente, ao longo do eixo ótico da calcita ou em ângulo reto com este eixo. Uma fonte de fótons que os emitam aos pares, de duas cores distintas, e que se desloquem em direções opostas rumo a dois detetores afastados convenientemente, poderá propiciar medidas de polari- zação desses fótons.

Os pares de fótons deixam a fonte num estado particular de embaralhamento de fases, denominado estado de polarização paralela. Dessa forma, a fase de cada fóton depende do que está fazendo o outro fóton. Consequentemente, nenhum desses fótons está representado por uma for- ma ondulatória definida, o que, de acordo com a teoria quântica, implica que nenhum desses fótons possui uma polarização definida; logo, nenhuma me- dida de polarização dará sempre o mesmo resultado. Para cada fóton, a medida de polarização dará meio a meio para os dois canais, alto e baixo.

Embora cada fóton por si só não possua uma onda mandatária definida —

entenda-se como onda mandatária um comportamento ondulatório associ- ado aos fótons, como entidades individuais, e que são ondas que não trans- portam energia — o estado dos dois fótons como um todo é representado

por uma onda definida, o que significa que certos atributos das duas partícu- las (pertinentes simultaneamente aos dois fótons) possuem valor definido.

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Para fótons no estado de polarização paralela, um destes atributos definidos é a polarização parelha dos fótons.

Essa experiência, sob a ótica da Sincronicidade, possibilita atribuir a esse tipo de evento algo semelhante à psique humana, isto é, uma virtualidade, coexistente nos fótons, e certamente em qualquer entidade quântica, e explicá-lo como sendo um evento sincrônico.

A implicação de que a realidade quântica é não-local impõe aos cientis- tas procurar novos caminhos: o universo auto-consciente, a idéia do Unus Mundo, a teoria da Sincronicidade.

Como afirma Jung:

Sincronicidade exprime uma coincidência significativa ou correspondên- cia: a) entre acontecimentos psíquicos e um acontecimento físico não ligado

por uma relação causal. Tais fenômenos de sincronicidade aparecem, por exemplo, quando fenômenos interiores (sonhos, visões, premonições) pare- cem ter uma correspondência na realidade exterior: a imagem interior ou a premonição mostrou-se “verdadeira”; b) entre sonhos, idéias análogas ou idênticas que ocorrem em lugares diferentes, sem que a causalidade possa explicar umas e outras manifestações. Ambas parecem ter relação com processos arquetípicos do inconsciente.

Portanto, os efeitos sincrônicos podem ser decorrência do ímpeto da

creação e manifestarem-se sem nenhuma correlação espacial, ao menos

aparente, em estruturas macro e microscópicas.

Concluímos, assim, que podemos imaginar um universo virtual de possi- bilidades, o qual consideramos como o vácuo quântico, no caso da nature- za, e como o inconsciente, no caso do homem. A precipitação dos aconte- cimentos, pela ação do homem ou da natureza, contextualiza o espaço- tempo e ganha sentido pela linguagem.

O Unus Mundo é imanente, virtual e possível. O real concretiza-se atra- vés do eterno retorno ao Unus Mundo.

Em síntese, a Física Quântica constitui-se em uma psicanálise do uni- verso, em que o vácuo quântico é o seu inconsciente.

(Texto produzido em 2000 com o estudante de Física Aderval Barros da Silva)

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ Rozane

ro.art@zipmail.com.br

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so inconsciente admite TODAS as possibilidades, ou estas estão restritas ao nosso contexto, à nossa vida? A virtualidade não têm limites e tudo é possí- vel, né? Ou virtualidade também tem fronteiras espaciais-temporais? Quan- do você fala do universo, imagino que ele é um humano gigante... É por aí? Será esse espaço/tempo que vivemos um outro ser, e nós apenas o compo- mos?

Jilvania Lima

jlimas@faced.ufba.br

Meus queridos escritores, quero compreender: “a Física Quântica cons- titui-se em uma psicanálise do universo, onde o vácuo quântico é o seu inconsciente”. Psicanálise?!! O que é isto? Psicanalizar o universo?!!

Serpa

serpa@ufba.br

Rosane, o inconsciente aqui está modificado, visto como ausência, mas pleno de potência. No universo virtual de possibilidades, não há espaço nem tempo, e a precipitação dos acontecimentos gera o espaço e o tempo. Jil, psicanalizar o universo é evidentemente uma metáfora, pois os cientistas, ao trabalharem para precipitar acontecimentos que estão, em potência, no universo primordial, procedem de forma análoga aos psicanalistas.

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No documento Rascunho digital: diálogos com Felippe Serpa (páginas 123-129)