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A fórmula criativa da Netfl

o que as pessoas assistem na Netflix e somos capazes, com um alto grau de confiança, de compreender até que ponto a audiência de uma trama é baseada nos hábitos de visualização dos assinantes.” (SALON, 2013). Todas essas informações coletadas ajudam a Netflix compre- ender os hábitos e as preferências do público.

House Of Cards: uma série desenvolvida para um público endereçável

Lançada em fevereiro de 2013 a série House Of Cards impactou não só o sistema vigente de distribuição de conteúdo audiovisual, mas principalmente a forma de produção e financiamento das narrativas seriadas. En- quanto boa parte da imprensa especializada considera- va uma manobra arriscada, a Netflix tinha como grande pilar algo que nenhum canal possuía: os algoritmos. Cada clique do usuário, cada busca realizada, qualquer interação feita dentro da plataforma era transformada em informação. Posteriormente, esses dados serviram de guia para que o serviço produzisse sua segunda sé- rie original.

House Of Cards é protagonizada por Kevin Spacey que

interpreta Francis Underwood, líder do partido majoritário da câmara dos deputados e tem como principal arco narrativo os bastidores do Congresso estadunidense.

Além de apresentar as principais caraterísticas da Post-

-Network Television tais como: multiplicidade de linhas,

redes sociais e ausência de setas chamativas, a série representa a gênese de uma nova forma de produção audiovisual seriada. Fundamentada no Big Data-Dri-

ven, a atração é, em parte, resultado das escolhas dos

assinantes da Netflix. Os algoritmos analisados pela plataforma mostravam que os mesmos usuários que gostavam da produção original homônima da BBC – mi- nissérie britânica criada por Andrew Davies e exibida na década de 90 - eram os que acessavam os filmes protagonizados por Kevin Spacey. Outro ponto indicado pelos algoritmos era a predição do público por séries dramáticas e longas dirigidos por David Fincher. Todas essas informações sobre as preferências dos assinantes foram essenciais para que a Netflix estruturasse os ele- mentos que iriam compor House of Cards.

Enquanto os canais tentam presumiro que o público quer assistir se baseando em palpites dos executivos e restritos de grupos de discussão para produzir suas no- vas apostas para a fall season, a empresa de conteúdo

on demand investe com a certeza de que irá dar aos

assinantes o que eles querem. Conforme aponta Steve Swasey, vice-presidente corporativo da Neli , “Através de nossos algoritmos podemos determinar quem gosta

Era Transmídia

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REVISTA DA SET

| Abril/Maio 2015

do Kevin Spacey ou de drama político e lhe dizer: ‘Você

irá se interessar por essa série’” (SALON, 2013). A nova

lógica de produção da Netflix tem dado certo, ao cruzar os dados o serviço conseguiu atender prontamente as expectativas do público. A primeira temporada de House

of Cards bateu recorde de visualização atingindo o pos-

to de programa mais assistido na plataforma e arrancou elogios da critica especializada. O thriller político ganhou o Globo de Ouro de melhor atriz (Robin Wright) em 2014, em 2015 conquistou o de melhor ator, dado a Kevin Spa- cey, que interpreta o vingativo Frank Underwood.

Remédio ou Veneno?

Mesmo sendo um fenômeno recente e estando em ple- na rota de colisão, é importante lembrar que uso de algoritmos no desenvolvimento de narrativas deve ser aplicado com cautela, caso contrário poderá impactar seriamente o processo criativo das produções.

A partir do momento em que os dados moldam, ce- gamente, as séries, os roteiristas se tornam reféns dos hábitos dos assinantes e deixam de criar para transcrever os dados em imagens. É como se as produções fossem apenas um reflexo fiel do gosto do público e os showrun-

ners realizassem apenas a função mecânica de colocar o

produto no ar. Se antes as ideias passavam por julga- mentos subjetivos, os algoritmos se tornam grandes e implacáveis juízes que se baseiam pragmaticamente em dados. Outra questão que deve ser considerada neste novo ecossistema é até que ponto a segmentação mate- rializada pelos algoritmos é benéfica ao usuário. Ao colo- car no ar exatamente o que o público quer, a plataforma anula toda a diversidade da programação. Como defende Wolton (1996) o espectador não fica exposto ao novo, e acaba consumindo o mais do mesmo, reprimindo qual- quer oportunidade de assistir programas diferentes.

Não há como negar o impacto da Netflix no cenário do entretenimento mundial. Enquanto muitos canais re- lutam em disponibilizar suas séries online, o serviço de conteúdo on demand mostra que o ambiente digital pode oferece novas possibilidades a produção audiovi-

sual. House Of Cards é, em parte, a materialização das preferências do público da Netflix. Os dados coletados pela empresa fazem com que os assinantes se tornem, de certa forma, coautores das obras. Essa forma de criação baseada em algoritmos abre um espectro de caminhos neste novo ecossistema de conectividade. Entretanto, cabe a cada empresa determinar até que ponto os dados irão determinar qual será a próxima história a ser contada. n

Para saber mais:

ROSE, Frank. The Art of Immersion: How the Digital Generation

Is Remaking Hollywood, Madison Avenue, and the Way We Tell Stories. New York: W W Norton & Company, 2011.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008.

KIRKPATRICK, Marshall. Netflix’s Big Data Plans to Take Over the

World. Disponível em: http://readwrite.com/2011/07/26/netflixs_ big_data_plans_to_take_over_the_world#awesm=~oHM9BIIyV4T- Vc5

LIEBERMAN,DAVID. Netflix Unfazed By Growing Competition From Amazon, Exec Says. In: Deadline, 2012. Disponível em: http://www. deadline.com/2012/09/netflix-competition-amazon-ted-sarandos/

BALDWIN, Roberto. Netflix Gambles on Big Data to Become the

HBO of Streaming. Disponível em: http://www.wired.com/2012/11/ netflix-data-gamble/

LAWLER, Ryan. How Netflix Will Use Big Data to Push House of

Cards. Disponível em: <http://gigaom.com/2011/03/18/netflix-big- data/>

LEONARD, Andrew. How Netflix is turning viewers into puppets. Disponível em: http://www.salon.com/2013/02/01/how_netflix_is_ turning_viewers_into_puppets/

‘House of Cards’ is Netflix’s most-watched program’. In: Inside TV, 2013. Disponível em: http://insidetv.ew.com/2013/02/13/house-of- cards-is-netflixs-most-watched-program/ Acesso em 20 jun 2014. WOLTON, Dominique. Elogio do grande público - Uma teoria crítica

da televisão. São Paulo: Ed. Ática, 1996.

Daiana Sigiliano é jornalista, es-

pecialista em Jornalismo Multi- plataforma (UFJF), mestranda em Comunicação na Universidade Fe- deral de Juiz de Fora e pesquisa- dora do EraTransmídia. Contato: daianasigiliano@gmail.com Fon te N etflix

A série House of Cards já está em sua terceira temporada