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2 DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL E CIRCULAÇÃO

2.4 A Questão da Mobilidade e Circulação nas Cidades

2.4.1 A face da Circulação Urbana no Brasil

A Constituição de 1988 incluiu os municípios brasileiros como unidades efetivas do Sistema Nacional de Trânsito, o que significou avanço. Os municípios que municipalizaram o trânsito passaram, assim, a ter competência e responsabilidade diretas na gestão da circulação de pessoas, bens e veículos em seus espaços físicos, além do poder efetivo sobre as políticas de transporte e trânsito e desenvolvimento urbano. Percebe-se, porém, que a municipalização do trânsito ainda não se efetivou de fato em todo o país, o que tem trazido prejuízos para a sociedade (SILVA, 2007).

A ausência de uma política nacional eficiente de desenvolvimento urbano integrado acentua a realidade dramática da mobilidade urbana no Brasil. O modelo de desenvolvimento baseado no crescimento da indústria automobilística, desde os anos 60, impôs ao país uma “cultura rodoviária” (MENESES, 2001), com o quase total abandono dos demais modos de transporte. Isto se evidencia quando os poderes públicos municipais e estaduais buscam solucionar o problema do esgotamento da capacidade de suporte da malha viária urbana priorizando ampliações de ruas e avenidas, criando viadutos, vias expressas, no intuito de promover maior fluidez e segurança. Os meios de transporte motorizados se privilegiam desta escolha, enquanto que modalidades não motorizadas, pedestres e ciclistas, são marginalizadas

vez que tais equipamentos são inadequados para estes modais. O transporte particular motorizado teve, assim, maiores incentivos do que os coletivos, que com poucas adequações, vem perdendo a preferência da população, tornando-se pouco atraente como opção rápida, segura e viável.

A exceção de investimento financeiro significativo no transporte público foi na modalidade metrô. Apesar de ser um eficiente transporte de massa é opção onerosa para as cidades brasileiras; nos últimos anos houve investimentos para este modal e novos metrôs foram ampliados ou instalados, como, por exemplo, os de São Paulo, Recife, porém, Fortaleza, apesar dos recursos públicos já empregados, está há mais de dez anos em construção sem nenhuma linha concluída.

O Brasil está entre os países com maior número de mortes no trânsito do mundo segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS. Em 2009 ocupou 64˚ lugar dos países que mais atropelaram no mundo, sendo cerca de 4.600 fatais/ ano. Fortaleza está entre as capitais brasileiras mais perigosas do país, ocupando o quinto lugar em 2009, quando contabilizou 30% das mortes no trânsito por atropelamento, de acordo com dados do Denatran e IBGE.

Meneses (2001) afirma que as estatísticas de acidentes no trânsito no Brasil, apesar de críticas, poderiam estar subestimadas, pois os dados oficiais eram imprecisos e pouco confiáveis. Os motivos para isto seriam: (1) - os órgãos responsáveis por esta aferição sofrerem pela falta de verbas para aplicar tecnologias de precisão de contagem e contratar profissionais especializados; e (2) - o número de acidentes fatais era subdimensionado, visto que se contabilizava apenas a ocorrência de morte no local, não havendo um acompanhamento das vítimas nos hospitais (MENESES, 2001).

Segundo Meneses (2001), os trechos rodoviários de interface urbana são problemáticos comprometendo a segurança da população, pois as atividades exercidas pelos equipamentos que se instalam nas parcelas urbanas ao longo das vias, muitas vezes não estão em consonância com a rodovia. Tem-se numa mesma via competências distintas e antagônicas: como rodovia comporta alto volume de veículos e alta velocidade, como via urbana comporta volume moderado de veículos e média velocidade. Os equipamentos públicos e privados que se instalam ao longo desses trechos atraem dois tipos de tráfego: há pessoas que buscam os serviços ali dispostos e para isso necessitam de microacessibilidade; há pessoas que estão de passagem utilizando a via apenas como corredor e para isso buscam rapidez e macroacessibilidade. A instalação destes equipamentos é indesejável e isto se dá devido, em parte, a falhas de projeto, alterações ocorridas no uso do solo posteriormente à construção da via ou falta de fiscalização adequada. Estas práticas comprometem as condições

de segurança, significando fator de risco para pedestres, ciclistas, motoristas, usuários em geral, podendo induzir perdas materiais e de vidas.

Sob a ótica jurisdicional, outro problema das grandes cidades brasileiras e suas regiões metropolitanas é o choque de competências dos órgãos públicos: nem sempre ficam claros os limites entre a ação do estado e a das prefeituras municipais, sobretudo no caso dos trechos rodoviários com interseções urbanas: são de jurisdição dos estados, sendo que os solos lindeiros de jurisdição das prefeituras. Para exemplificar, pode-se citar na cidade de Fortaleza a Avenida Washington Soares/ CE-040; rodovia de intersecção urbana, principal acesso para os municípios e praias do litoral leste de Fortaleza. Com o fortalecimento do perfil turístico do estado, e uma melhoria da oferta de serviços na zona leste desta cidade, a região se tornou um dos principais vetores de crescimento urbano. Isto favoreceu a ocupação do solo ao longo da avenida por novos empreendimentos (equipamentos comerciais e institucionais), incluindo edificações de grande porte, caracterizados como Polos Geradores de Tráfego – PGTs. Isto atraiu crescente volume de veículos, comprometendo a segurança e a fluidez do tráfego local, transformando este trecho em um dos mais problemáticos da malha urbana da região metropolitana.

Segundo dados do DETRAN-CE, a Avenida Washington Soares foi projetada para uma capacidade de 25 mil veículos/ dia, porém, circulavam em torno de 80 mil veículos por dia, o que comprovou o esgotamento da via, apresentando completa saturação nos horários de pico, com frequentes engarrafamentos. Alguns problemas já fazem parte do cotidiano de milhares de usuários que nela trafegam ou que têm seus empreendimentos no seu solo lindeiro e adjacências. O poder público municipal como responsável pela avaliação e licitação dos empreendimentos em Fortaleza, ao regular o uso e ocupação do solo neste trecho, não conseguiu conter a instalação concentrada destes PGTs, polos geradores de trânsito. Isto comprometeu a fluidez e capacidade da via, não conseguindo evitar o acúmulo desordenado dos equipamentos, públicos e privados, no solo, o que impediu a criação de possíveis vias transversais contínuas, que muito favoreceriam o trânsito local.

Holanda (2006), em sua pesquisa sobre acessibilidade e segurança das escolas públicas quanto à localização na cidade de Fortaleza, deixa claro o conflito da circulação e acessibilidade dado os altos índices de acidentes de trânsito no entorno das escolas. Os acidentes decorrem por vários fatores como: características das crianças (são desatentas e mais vulneráveis a acidentes); sinalização deficiente (ausência de faixas e infraestrutura para segurança dos transeuntes); modos de deslocamento (em geral a pé); comportamento dos motoristas (desrespeito à velocidade adequada). Contudo, o que ficou mais evidente, foi a

localização inadequada das escolas em relação à natureza da via. Ou seja, as áreas escolhidas para estes equipamentos na maior parte das vezes foram classificadas como incompatíveis para este uso. Isto revela uso e ocupação do solo deficiente e ausência de planejamento urbano integrado.