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Factores de risco individual de AVC em crianças e adultos jovens

1. Introdução e contexto

1.6 Determinantes do Acidente Vascular Cerebral

1.6.2 Factores de risco individual de AVC em crianças e adultos jovens

Tendo em conta que a investigação desenvolvida no capítulo 2 desta tese incide sobre a faixa etária que engloba os indivíduos abaixo de 65 anos de idade, é importante também entender a contribuição destes factores de risco do tipo clínico em indivíduos mais jovens, no sentido de ganhar sensibilidade para as semelhanças e diferenças entre estes

Introdução e contexto

casos e os ocorridos em idades mais avançadas. Outras das razões prende-se com o impacto, já anteriormente referido, que esta doença também tem nas faixas etárias mais jovens. De facto, não só a doença cerebrovascular se encontra entre as 10 mais importantes causas de morte durante a infância, como os casos ocorridos em crianças e adultos jovens representam, em países desenvolvidos, 5% a 10% de todos os episódios de AVC. Em países em desenvolvimento, estas proporções atingem valores ainda mais elevados, situando-se entre 19% e 30%. Mais ainda, o impacto do AVC neste grupo etário é devastador para as crianças e adultos jovens, para as suas famílias e para a sociedade (Biller, 2009).

Sendo assim, este autor fornece um ponto de partida para esta discussão, referindo a existência de diferenças na incidência, na apresentação, nos factores de risco e no prognóstico de AVC em indivíduos com menos de 45 anos de idade por comparação com os de mais de 45 anos, e também entre os grandes grupos etários que vão desde neonatais a crianças e destas aos adultos jovens. Alguns destes aspectos serão aqui abordados, dada a sua relevância para esta discussão. Assim, começando pela incidência, embora se verifiquem variações na distribuição mundial destas taxas de incidência em indivíduos jovens, é importante referir que os valores mais elevados se verificam no período perinatal, durante o qual ocorrem 26,4 episódios por cada 100000 nados-vivos em crianças com menos de 30 dias, dos quais 6,7 representam casos de AVC hemorrágico e 17,8 de AVC isquémico. A ocorrência de óbitos segue um padrão similar, na medida em que um dos picos de valores se verifica em crianças com menos de 1 ano, mas já difere um pouco no segundo pico, atingido em adultos dos 35 aos 44 anos (figura 40).

Figura 40 – Óbitos por doença cerebrovascular em crianças e adultos jovens em 2005. Fonte: Adaptado de Biller (2009).

Tal como se verifica para todas as idades, também nestas faixas etárias o AVC isquémico é mais comum do que o hemorrágico. Todavia, embora esta proporção se mantenha, os casos do tipo hemorrágico assumem uma importância superior em pacientes jovens. Enquanto em adultos o AVC isquémico ocorre em 80% dos casos e o hemorrágico em 20%, já em crianças os casos de AVC isquémico representam 55% das ocorrências e os de AVC hemorrágico 45%. Mais ainda, em pessoas com menos de 45 anos, as ocorrências de hemorragia subaracnóidea e intracerebral representam 42,7% dos casos (enquanto nos pacientes mais idosos representam apenas 15,7% dos casos), estando muitas vezes relacionados com aneurismas e malformações arteriovenosas (Biller, 2009).

Esta diferença de importância relativa nos tipos de AVC pode estar relacionada com a importância relativa dos factores de risco individuais. A este respeito, só para AVC isquémico, existe uma multiplicidade de factores de risco em crianças e adultos jovens, contando-se mais de 100 apenas em crianças, sendo que se referem aqui apenas os mais comuns. Entretanto, no que diz respeito ao AVC em perinatais, esta constitui uma situação distinta, na medida em que têm de ser tidos em conta factores de risco relacionados com a mãe e com o feto, sendo exemplos a infertilidade materna ou as anomalias verificadas ao nível do cordão umbilical, respectivamente, entre muito outros exemplos.

Em termos de factores não modificáveis, também em crianças e jovens adultos são referidas diferenças de carácter étnico no risco de AVC, sendo que nas crianças afrodescendentes o risco de ocorrência de AVC é mais elevado, com um risco relativo de 2.59 no AVC isquémico. Todavia, à semelhança do que foi discutido no subcapítulo anterior, grande parte dos estudos que referem esta disparidade foram realizados no contexto norte-americano, sendo controversa a sua generalização a outras regiões do mundo. Em termos de sexo, a ocorrência de AVC isquémico é mais comum em rapazes do que em raparigas, sendo a probabilidade de sofrer um episódio deste tipo 50% superior em rapazes. No que diz respeito ao historial familiar, não obstante este ser um factor de risco de AVC isquémico na população em geral, a sua contribuição para o risco em indivíduos jovens permanece incerta (Biller, 2009).

Em termos de factores modificáveis relacionados com estilos de vida, o tabagismo representa um factor de risco significativo em indivíduos jovens, sendo que o hábito de

Introdução e contexto

fumar cigarros duplica o risco em jovens adultos. Mais ainda, a presença deste hábito em conjunto com outros factores de risco pode actuar sinergicamente para aumentar o risco de AVC em adultos jovens.

Também o consumo de álcool assume aqui alguma importância. Hillbom et al. (1995) reportam a existência de uma associação entre o AVC isquémico e o consumo de álcool muito recente e em grandes quantidades em adultos jovens entre os 16 e os 40 anos, em casos sem outra etiologia para AVC.

Outro factor de risco relevante para esta discussão é sem dúvida o consumo de drogas estupefacientes, sendo que este hábito representa um aumento de 6.5 vezes no risco de AVC face aos não-consumidores. Entre pacientes com menos de 35 anos, o consumo abusivo destas substâncias representou o factor de risco mais frequente, detectado em 47% dos casos, representando um aumento do risco relativo de 11.7 (Barlow, 1984). Outro estudo mais recente indica que 14% dos episódios de AVC hemorrágico e 14% dos episódios de AVC isquémico tiveram origem no consumo abusivo de drogas tais como anfetaminas e cocaína. O mesmo estudo associa o consumo de anfetaminas com um risco 5 vezes maior de AVC hemorrágico em indivíduos entre os 18 e os 44 anos e refere igualmente que o consumo de cocaína duplica o risco de AVC, tanto isquémico como hemorrágico (Westover et al., 2007).

Finalmente, a obesidade assume aqui um papel muito relevante entre os factores de risco associados a estilos de vida, por constituir presentemente a doença mais prevalente em crianças e jovens adultos. Assim, crianças com excesso de peso encontram-se na eminência de se tornarem igualmente adultos com excesso, e consequentemente com risco mais elevado de desenvolvimento de hipercolesterolemia, hipertensão, diabetes, doença coronária e doenças cerebrovasculares (Biller, 2009).

A ideia de que o risco destes últimos factores se manifestará mais tarde, na passagem à idade adulta é confirmada por alguns estudos, sendo que o grau de risco que advém destas patologias diverge do que acontece nas faixas etárias mais idosas, particularmente nos factores de risco ateroscleróticos. Assim, a aterosclerose é em si invulgar como causa de AVC em indivíduos com idades inferiores a 30 anos (Bogousslavsky e Pierre, 1992); (Bendixen et al., 2001). Aliás, a aterosclerose como causa de AVC apenas se verificou em 2% dos doentes entre 16 e 30 anos de idade, sendo que a maioria destes doentes possuía, não obstante, factores de risco clássicos

como hipertensão arterial, diabetes, hábitos de fumo e hiperlipidémia. Todavia, a importância de factores de risco como a hipertensão e a diabetes não deve ser minimizada, sendo que, num estudo de caso-controle, a hipertensão foi detectada em 31% dos pacientes abaixo de 50 anos de idade (Matias-Guiu et al., 1990). Acerca da diabetes, alguns investigadores colocam esta doença em segundo lugar em termos de risco logo a seguir à hipertensão, embora nesta faixa etária das crianças e adultos jovens, o aumento substancial do risco de AVC devido a esta patologia derive da sua combinação com outros factores de risco como a hipertensão, hiperlipidémia, abuso de álcool e consumo de tabaco.

É ainda de referir que existem outras patologias que podem aumentar o risco de aterosclerose em crianças e adultos jovens, tais como alguns distúrbios metabólicos de origem genética (Biller, 2009).