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Capítulo 3 – Estudo epidemiológico de thelaziose bovina na região do Alentejo

4. Discussão

4.3 Factores de risco geo-climáticos

Actualmente existem várias metodologias que permitem estimar potenciais áreas de distribuição geográfica ou conjuntos de habitats favoráveis a uma determinada espécie, com

base no conhecimento da sua ocorrência em conjunto com variáveis ambientais ou espaciais. A Modelação de Nichos Ecológicos está incluída nestas metodologias e tem vindo a ser muito aplicada em estudos ecológicos nos últimos vintes anos (Soberón e Nakamura, 2009), pelo que poderia ser um método alternativo à abordagem utilizada neste trabalho. Contudo, permanece a possibilidade de os dados obtidos no presente trabalho não representarem todos os gradientes ambientais relevantes para a thelaziose bovina e por conseguinte não permitirem predizer a real distribuição da parasitose (Elith e Leathwick, 2009).

No contexto do presente trabalho, mostrou-se interessante traçar um retrato ambiental da parasitose e indirectamente dos seus vectores no âmbito das explorações estudadas na região Alentejana. Assim, foi analisado um perímetro de 5km em redor de cada exploração com o objectivo de representar a área de acção de vectores muscídeos existentes. A área estabelecida será provavelmente excessiva tendo em conta que, apesar de as moscas terem capacidade para voar distâncias consideráveis, estas tendem a permanecer na vizinhança dos bovinos até 10 metros de locais de repouso dos animais (Pickens e Nafus, 1982, citados por Kennedy, 1993, p. 868; Zurek, 2004). Contudo, a região em estudo é marcada pela predominância de grandes propriedades com uma média de 60,6 hectares, utilizando amplas parcelas vedadas que os rebanhos percorrem em busca de alimento (Fernandes et al., 2005; INE, 2006). Desta feita os vectores poderão ser obrigados a voar longas distâncias inter e intra-rebanhos, pelo que foi utilizado um valor verossímil da literatura consultada representativo da capacidade de voo das moscas e do habitat das explorações (Nazni et al., 2005).

A ocupação de solo apresentou comprovada associação com a presença de espécies de Thelazia. Ainda que seja tentador tirar conclusões directas dos dados obtidos, estes devem ser averiguados de forma crítica. Enquanto os dados podem ser utilizados na criação de novas hipóteses de investigação quanto à ecologia da Thelazia spp. em bovinos, estes não devem ser tomados por evidências conclusivas quanto à associação entre uma classe de ocupação de solo e a ocorrência da parasitose ocular. Sabe-se que de entre os factores topográficos, as planícies arborizadas com zonas de floresta e vegetação grosseira de arbustos são invariavelmente associadas a zonas de maior prevalência de thelaziose bovina (Kennedy, 1993; Zubairova e Ataev, 2010). Analogamente, charnecas ou matos, floresta de folhosas, coníferas e mistas na vizinhança de explorações positivas mostraram ser significativas na região em estudo. A floresta de folhosas representa uma variante de alta densidade arbórea do montado típico Alentejano (de sobro ou de azinho) em que o copado cobre mais de 30% da área ou as espécies ocupam mais de 75% da superfície. A floresta de coníferas, principalmente de pinheiros, e mista de folhosas e coníferas terão uma densidade arborescente similar, enquanto

Em comum, estas classes de ocupação de solo fornecem condições de sombra e humidade relativa favoráveis ao ciclo de vida da mosca nos trilhos de esterco dos bovinos (Campbell, 1994). Contudo, as zonas agrícolas com áreas naturais importantes parecem à primeira vista não se enquadrar nos dados bibliográficos consultados, os quais não referem zonas agrícolas de todo. A observação atenta da nomenclatura desta classe (em Anexo) demonstra, para além de terrenos aráveis, a presença de culturas permanentes (pomares, árvores de fruto, vinhas, plantas de baga), parcelas de floresta natural, pequenos planos de água e edifícios dispersos de aglomerados rurais ou explorações. Diante de fontes de sombra e água que hipoteticamente explicam a sua influência na população de vectores, há ainda a salientar a presença de frutos que poderá indiciar a intervenção de muscídeos comensais de fruta e secreções lacrimais na transmissão de thelaziose bovina, como aliás já foi relatado para espécies que parasitam canídeos (Campbell, 1994; Otranto e Traversa, 2005).

A distribuição geográfica da thelaziose bovina aparentemente não foi influênciada pela altitude das explorações e áreas circundantes. Tal situação parece contrariar o que vem sendo evidenciado nos últimos anos, visto que na Europa de Leste zonas de planície apresentam níveis de infecção superiores comparativamente a montanha (Világiová, citada por Kennedy, 1993; Zubairova e Ataev, 2010). Contudo, deve ser levado em conta que a região em estudo é caracterizada por peneplanícies apresentando dispersas massas montanhosas de baixa altitude. Assim, a altitude das explorações em estudo será tendencialmente uniforme não permitindo inferir quanto a altitudes associadas a um potencial risco superior de parasitose ocular.

De entre os factores climáticos em análise (precipitação e temperatura) apenas a temperatura revelou alguma associação estatística com o estatuto das explorações. Isoladamente, as quatro variáveis significativas apresentam uma variação de temperatura média entre explorações positivas e negativas inexpressiva, em que a variação de valores não foi superior a 1ºC. Todavia, denota-se uma homologia das variáveis temperatura máxima do mês mais quente, temperatura média do trimestre mais seco e temperatura média do trimestre mais quente, indicativo da influência de temperaturas elevadas na população de vectores e de Thelazia em bovinos. Torna-se assim aparente uma diminuta influência das variáveis isoladas, a favor de um efeito sinergético das mesmas com contribuição significativa para a parasitose. Aliás, a ocorrência de temperaturas elevadas foi evidenciada na análise como um factor protector contra a thelaziose bovina, apontando zonas de ambiente mais seco como desfavoráveis. A população de moscas será tendencialmente reduzida em tais zonas, devido à rápida secagem do esterco de animais antes das larvas de mosca conseguirem completar o seu desenvolvimento, reduzindo assim indirectamente a transmissão de Thelazia spp. a bovinos (Campbell, 1994).