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Fonte: <http://salvadorhistoriacidadebaixa.blogspot.com.br/2011/02/terreiro-de-jesus- faculdade-de-medicina.html>. Acesso em: 24 abr. 2013

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Jornal A Tarde, 12 mar. 1997.

70 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA  FAMEB. Restauração da Ala Nobre da Faculdade

de Medicina da Bahia no Terreiro de Jesus. Disponível em:

<http://www.fameb.ufba.br/index.php?option=com_content&view=article&id=226&Itemid=157>. Acesso em: 5 set. 2013.

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Diante de toda a trajetória da Medicina Legal que enveredou, em muitos momentos, em um racismo institucionalizado, não seria de se estranhar as cobranças feitas pelo Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) com relação às relíquias da cultura negra que eram abrigadas no Museu Estácio de Lima com o qual a Dra. Maria Theresa acabou por se desentender, não só por este motivo como também pelo fato de o espaço que abrigava suas instalações pertencer à Faculdade de Medicina da Bahia.

Médicos da Bahia e de todo Brasil  graduados pela Faculdade de Medicina no Terreiro de Jesus, temos vivido, nos últimos 12 meses e meio, procurando solução adequada para recuperar o prédio da nossa Casa-Mater da medicina baiana e brasileira. Reuniões têm sido constantes em nossa luta para reaver o espaço da medicina, então ocupada pelo Museu Afro-Brasileiro ali instalado. Ao contrário dos demais órgãos que ocuparam aquele prédio e compreenderam o apelo feito, há seis anos, pela direção da Faculdade de Medicina, solicitando a desocupação da área para os cursos e atividades médicas, o que é de justiça. As outras entidades encontraram os seus destinos certos, porém o CEAO não consegue ou não quer se afastar de um local que não lhe pertence.71

Dra. Theresa não media esforços para defender a Faculdade de Medicina e, como escrevia para o Jornal A Tarde, não deixou de expressar sua indignação:

As ‘estórias da carochinha’ nos recontam existir no Museu Estácio de Lima material de apreensão policial em cultos de candomblés, ou qualquer coisa que desrespeita as culturas negras de origem ou assimiladas. Todo o acervo ali existente, o Dr. Lamartine Lima e a signatária já disseram aos dirigentes deste estado e a quem interessar possa. Foi relíquia de um passado de homens respeitáveis, já nominados, e ninguém pôde, até hoje, comprovar as assertivas malévolas que em nome de uma pretensa demonstração de coesão racial e étnica tentam exibir a grandessíssima desinformação sobre a origem das peças do Museu Estácio de Lima. Pessoas que conosco convivem, pessoas que vivem e conhecem o assunto, gente culta de nossa sociedade, em bom estado físico e mental, podem comprovar o que aqui refiro, daí acreditar-se que revelações tais são ‘contos da carochinha’. Para bem informar a Bahia, cujo assunto interessa, e, a todos afinal, algumas peças do Museu Estácio de Lima foram tomadas de empréstimo pelo tal Museu Afro, em tal documento que temos, firmado por um de seus diretores, quando da exposição de inauguração, e, até hoje não foram devolvidas. Pergunto eu, agora, à Bahia, que me ouve, e ao Brasil: ‘de quem o comportamento execrado e execrável’?72

Esse problema com o CEAO era antigo, pois, analisando os jornais da década de 1970, encontrei uma nota onde já se percebia os problemas de instalação deste Centro de

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Jornal A Tarde, 2 jul. 1999.

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Estudos que já se encontrava nas dependências da Faculdade de Medicina da Bahia e se estendeu ao longo das décadas seguintes.73 Finalmente, em 2010, leu-se no jornal A Tarde:

Peças que integravam um museu instalado nas dependências do Departamento de Polícia Técnica (DPT) estão, agora, sob a guarda de um espaço considerado mais adequado: O Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia (Mafro/Ufba). [...]

As peças contam a história da época em que o candomblé era uma contravenção e, portanto, caso de polícia. Ele também era tratado como patológico, principalmente, por meio dos estudos de Nina Rodrigues [...] Constrangimento  As peças da coleção Estácio de Lima ficavam no DPT e integravam uma mostra com roteiro considerado constrangedor por especialistas em cultura afro-brasileira e espaços de memória, como os museus. [...]

O espaço era identificado como um ‘museu’ de Medicina Legal, Antropologia, Cultura e Etnologia.

Em 1997, um movimento articulado por representantes de terreiros conseguiu que as peças fossem retiradas do DPT e levadas para o Museu da Cidade, pertencente à Fundação Gregório de Matos (FGM), órgão da prefeitura [...]

Em 2010, A TARDE apurou que as peças tinham retornado ao DPT. O retorno foi por força de uma liminar conseguida pela ex-diretora do DPT, Maria Theresa Pacheco [...]

O MPE abriu procedimento para investigar as razões do retorno e o governador Jaques Wagner determinou que as peças fossem retiradas do DPT [...].

Estigma  Ideias deste tipo criaram estereótipos e serviram de base para a escola de medicina legal baiana. Para a polícia, em contato com essas ideias, negros eram potencialmente criminosos e tinham práticas culturais, como a religião, com desvios patológicos [...]

Desse ponto de vista, peças de candomblé, inclusive apreendidas em batidas policiais durante o período em que esta religião era considerada contravenção, ficavam ao lado de artefatos de crime.74

Maria Theresa tinha suas convicções e ser contrariada não era algo bem digerido por ela, mas esta batalha com o CEAO ela não pode mais presenciar e nem saiu vitoriosa, pois faleceu meses antes da ordenação do Governador Jacques Wagner da retirada das peças do DPT. Mesmo com esta atitude do Governador, cabe ressaltar uma análise interessante de sua sobrinha Tereza Cristina: “É no governo de Jacques Wagner, no governo do PT que o nome

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SERRA, Ordep. A tenacidade do racismo: relatório apresentado à Koinonia Presença Ecumênica e Serviço a respeito do caso do Museu Estácio de Lima e de outras agressões à memória dos cultos Afro-Brasileiros. Disponível em: <http://www.koinonia.org.br/tpdigital/uploads/24 _A_TENACIDADE_DORACISMO_ORDEP_Rev.pdf>.

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RAMOS, Cleidiana. Bahia: conjunto de peças sobre o candomblé é retirado do DPT. 1 set. 2013. Disponível em: <http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/materias/1530334-bahia-conjunto-de- pecas-sobre-o-candomble-e-retirado-do-dpt>.

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dela é colocado no DPT; quando que a gente poderia imaginar?”.75

Portanto, quem passar pelos Barris poderá perceber que, logo na entrada do IMLNR, está escrito: “Complexo Policial Dra. Maria Theresa de Medeiros Pacheco”.

3.5 OUTRA FACE DE MARIA THERESA: PROFESSORA E AMIGA

Ao longo da pesquisa buscava traçar um perfil da Dra. Maria Theresa de forma a criar um painel da sua atuação e personalidade. Como professora de Medicina Legal, atuou em várias instituições de ensino superior da Bahia, lecionando a referida disciplina. Muitos foram seus alunos e estes se lembram de suas aulas que reuniam os conteúdos teóricos com exemplos práticos, muitos deles saídos de sua experiência como médica-legista. Seja na sala de aula seja nas dependências do IML, a professora Maria Theresa marcou presença com sua docência.

Em entrevista, sua ex-aluna do Curso de Direito da UCSAL, Silmária Brandão, relatou seu contato com a docente.

Conheci Profa Maria Theresa quando cursava direito na UCSAL, fui aluna dela na matéria de Medicina Legal. Apesar do assunto ser pesado, as aulas transcorriam de maneira calma e descontraída. Pela composição mesma da matéria haviam aulas teóricas em sala de aula e práticas através de visitas ao IML (embora essas visitas não fossem obrigatórias). A postura da professora em sala de aula era de uma profissional competente e que dominava o conhecimento da matéria que ministrava, não havia atrasos e nem faltas por parte dela. A aula era dinâmica, ao contrário de outras matérias ministradas consideradas chatas, em que a frequência era baixa. A professora era bem quista pelos alunos e bem relacionada na Faculdade, cobrava o seu conteúdo dentro do que era esperado pelos alunos, era organizada em suas aulas e levava slides e transparência para exemplificar o assunto abordado. Lembro que em uma das aulas ela abordou um caso de estupro e os slides eram do estupro de uma menina entre 5 e 8 anos em que o estuprador atraiu para um local ermo, oferecendo-lhe uma moeda a estória chocou a gente e lembro do slide da menina morta mas com a mão fechada segurando a moeda.76

Sobre as suas impressões acerca da Dra. Maria Theresa em relação ao seu comportamento em defesa das mulheres, a entrevistada afirmou:

Terminei o curso em 91, naquela época nem pensava que um dia estudaria feminismo, mas hoje me indago se ela era feminista naquele tempo ou se a indignação que ela demonstrou nesse caso do estupro decorreu de outros

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Entrevista de Tereza Cristina Pacheco, em 1 de outubro de 2013.

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fatores, ou do fato mesmo de ser ginecologista, mulher essas coisas. Ela parecia implacável no que se referia a valores e à ética.77

Durante todo o período em que realizei a pesquisa, em muitos momentos me indagava se Maria Theresa era feminista, mas ela nunca se declarou como tal, mas é fato que ela realmente se preocupava com a opressão e a violência sofrida pelas mulheres, fazia palestras neste sentido, organizava eventos, como em novembro de 2007, quando organizou através do DPT e do IMLNR a I Semana de Combate à Violência Contra a Mulher. Para Raul Barreto:

Ela sempre foi feminista, sempre defendeu os direitos da mulher, não de competição, mas de ter o espaço dela na sociedade, tanto é, que ela foi uma desbravadora, não aceitava essas imposições machistas, uma pessoa vir do interior de Alagoas pra vir pra Faculdade de Medicina da Bahia, morar aqui, conhecer vários preconceitos da época, entrar numa especialidade como a Medicina Legal, uma casta, bem masculinizada, ser diretora, comandar pessoas aparentemente rudes, nós tínhamos no nosso IML vários presidiários, pessoas que estavam na condicional, ex-presidiários, pessoas que você tinha que ter um trato mais de perto, mais firme e ela tinha e era respeitada, não tinha problema nenhum, nunca vi ninguém faltar com respeito a Dra. Maria Theresa, muito pelo contrário, aquela forma firme e carinhosa, ela conseguia moldar essas duas atitudes numa palavra, num gesto, interessante isso.78

Maria Theresa tinha uma relação intensa com seus/suas alunos(as). Ao longo da pesquisa encontrei-me, formal ou informalmente, com alguns/mas, pois ela foi professora da geração atuante no mercado de trabalho na área do Direito e da Medicina em Salvador, atualmente, então, foi muito comum ouvir histórias diversas, principalmente do apoio que ela dava dentro e fora da sala de aula: “ela ficava muito feliz quando um aluno ou ex aluno assumia funções no DPT ou no IMLNR e o Raul não foi o único, ela teve sucessivos alunos que ocuparam funções diretivas”.79

Tínhamos uma afinidade muito grande, a Dra. Maria Theresa muito ligada a parte de ensino, além de diretora do IMLNR era nossa catedrática na Federal na Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, aqui também na Católica, na Academia da Polícia Militar e eu sempre tive muita facilidade e contato com os estudantes, acho que ela notou isso e eu acabei sendo monitor de Medicina Legal no 5º e 6º ano no IMLNR, ela dava as aulas e me convidava para dar as aulas teóricas e isso foi me levando a Escola Baiana, para Academia e aqui pra Católica mesmo, antes de formar eu já tava dando aula

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Entrevista de Silmária Souza Brandão, em 28 de janeiro de 2014.

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Entrevista com Raul Coelho Barreto Filho em 09 de abril de 2012.

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e quando formei me entusiasmei por essa parte do ensino com o apoio dela ‘natoralmente’ como a gente brinca, ela foi me passando algumas aulas, me entusiasmando, me estimulando e eu acabei fazendo concurso lá na Federal, dei sorte passei, e fui convidado a trabalhar em todos os locais que ela trabalhava como docente.80