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Fonte: Arquivo pessoal de Maria Theresa de Medeiros Pacheco

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Ela foi noiva duas vezes com Teixeira e com Zacharias Pithon Barreto, eram médicos, excelentes profissionais, Zacharias morreu há muito tempo e Teixeira é casado, com filhos e netos, mas sempre teve muito carinho por ela até sua morte. Ela não tinha muito jeito de esposa não, porque ela era inquieta, numa casa ela não gostava de nada disso, ela não conseguia nem dar um jeito na casa dela. Chegou a ter 3 a 4 apartamentos, muito bons e móveis também, mas ela não conseguia dar um estilo, uma coisa, porque saia cedo sete horas da manhã e onze horas da noite ela chegava. Meu Deus tadinha de Theresa, ela ia muito ao Nina e solicitavam ela lá também [...] Não teve a sorte de ter uma boa secretária e não sabia dizer não, ia pra todos os eventos, enchiam ela de trabalho, ela não podia escrever, tudo era via oral, ela fez uma quantidade imensa de conferências e essas não eram gravadas, não eram taquigrafadas coisas que não ficou, poderia ter publicado muitíssimo mais do que publicou, porque ela não se negava a nada, era solicitada para todos os congressos do Brasil inteiro.82

A unanimidade na fala dos(as) entrevistados(as) a respeito da sua desorganização na vida pessoal e nos assuntos domésticos é constante:

As sobrinhas Tereza Cristina e Carolina foram muito boas com ela, porque tomaram conta, porque Maria Theresa [risos], na casa ela não tomava conta de nada, não gostava de nada da casa, não sabia cozinhar um ovo, me perguntava: ‘Carminha, como é que eu cozinho um ovo?’ Aí eu dizia: ‘Teka vai pra droga’ [risos], trazia a roupa dela e dizia: ‘Carminha conserta aqui’, porque ela não sabia fazer coisa nenhuma, as meninas eram assim maravilhosas com ela.83

As falas do Dr. Lamartine e de Dra. Carminha exibe críticas veladas e explicitadas em forma de comédia sobre a falta de habilidades domésticas de Maria Theresa, como se as tarefas e cuidados do lar fossem inerentes ao sexo feminino. Na fala deste(a) entrevistado(a), acredito que não há a percepção da normalidade que se tem no ato de Maria Theresa não saber fritar um ovo, decorar a casa ou ter “jeito de esposa”, pois, com certeza, se ela fosse um homem, estas questões passariam despercebidas, ou melhor, ignoradas, porque os estereótipos do que é ser um homem e ser uma mulher já vêm impregnados a partir do momento em que se descobre o sexo do bebê e, daí por diante, estes corpos e mentes serão depositórios dos papéis de gênero.

Incômodo recorrente na pesquisa, foi sempre ler em jornais ou ouvir em depoimentos a imagem de Maria Theresa associada à austeridade, mas, ao mesmo tempo de uma lady, como se ela pelo fato de ser mulher e ter alcançado cargos importantes na medicina tivesse o direito de exercer a autoridade masculina, mas, sem perder a ternura feminina:

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Entrevista Maria Del Carmen Vilas Martins Moreira, em 23 de maio de 2013.

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O seu relacionamento social e profissional com os seus colegas era o melhor possível, agradabilíssima e sem perder a sua autoridade, não era uma mulher autoritária, era uma mulher que tinha e mantinha a sua autoridade que é diferente, não era uma ditadora e nem uma tirana, era uma mulher que tinha compostura, absolutamente condigna e que no exercício da profissão, tanto quanto na vida profissional era muito afável.84

A fala do Dr. Lamartine a respeito do comportamento da Dra. Maria Theresa não é diferente daquelas das demais pessoas entrevistadas e até mesmo daquelas que transitaram pela minha pesquisa sem serem entrevistadas. Por exemplo, ao entrar na biblioteca do Instituto Médico Legal e dizer que a minha pesquisa era sobre a trajetória dela, a atendente informou que a conhecera e a descreveu como uma pessoa muito benquista naquela instituição, desde o mais alto cargo até o vendedor de lanches da Kombi, no estacionamento do Nina.

Dra. Maria Theresa não escondia seu posicionamento político e segundo os/as entrevistados(as) ela nunca foi de subir no palanque por ninguém, mas não escondia que era carlista e expressava isto publicamente. Quando da morte de Luís Eduardo Magalhães, filho de Antonio Carlos Magalhães, escreve a Estácio contando sobre o contexto brasileiro:

O Brasil, às portas de uma eleição presidencial. Recandidata-se o atual chefe do país. A globalização generalizada em quase todo mundo. Seria correto o método adotado no Brasil? Aguardemos. A organização Mundial de Saúde com os seus projetos ‘ideais’ para o ano 2000. Serão os mesmos para todos? De que maneira adaptá-las às populações incapazes, justo por ignorância, impossível de compreender o que significa aquele requisito indispensável para o desenvolvimento de um povo, aceitar seus planos e exigir a execução dos mesmos! Assim, a saúde, em alguns países do mundo, e, no Brasil, continua como deixou Vosmecê, e olhe lá!A nossa gente vivendo a terrível crise da seca do nordeste que até parece brincadeira, pois, melhor do que eu sabe o mestre que desde D. Pedro e seu império a calamidade já existia! Nossos Rios, nossos lençóis de água ai, estão a clamar por serem utilizados com o exemplo que nos apresentam a China, o Egito e Israel. O Brasil e a Bahia perderam, mestre, uma grande personalidade pensante e política, apesar de tão jovem constituía, realmente, uma organização com todas as características cognitivas, volitivas e físicas do indivíduo, o qual, seguramente, iria atender à necessidade maior do Brasil em seu desenvolvimento global, porque a ele interessava, sofregamente, o social; porém, Deus convocou Luís Eduardo Magalhães aos Céus e os desígnios divinos são imperscrutáveis! A Bahia e o Brasil perderam o presidente da República do ano 2002! O seu e nosso Bahia campeão este ano! E o Brasil em festas juninas e futebolísticas todo vestido de verde e amarelo! Fazendo preces para conseguir o penta, lá na França da sua eterna admiração.85

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Entrevista do Dr. Lamartine de Andrade Lima, em 5 de maio de 2011.

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Em julho de 2003, Dra. Maria Theresa foi citada no jornal A Tarde por sua passagem competente pela Presidência da Academia de Medicina da Bahia (Foto 13), mas este periódico, novamente, não perde o discurso sexista:

Maria Theresa Pacheco passou a presidência da Academia de Medicina da Bahia ao professor Thomaz Cruz, registrando nos anais da instituição, uma gestão de sucesso [...] Primeira mulher a ocupar a presidência da Academia de Medicina da Bahia, a acadêmica Maria Theresa Pacheco foi além das ações científicas, imprimindo o toque feminino ao cargo: providenciou publicação dos anais da instituição, criou os diplomas dos acadêmicos e doou à Academia a bandeira da instituição, com emblema bordado em fios de ouro. Por outro lado, para as reuniões, buscou espaços alternativos, driblando a deterioração do prédio da Faculdade de Medicina, sede da Academia, e comandou o ingresso dos novos confrades: professores Roberto Santos, Lipe Goldenstein, Bernardo Galvão de Castro Filho e Roberto Badaró. Representou a instituição no Congresso da Federação Brasileira das Academias de Medicina, quando foi eleita vice-presidente nacional. Passando o cargo para o acadêmico Thomaz Cruz, Maria Theresa marcou sua passagem pela presidência, com eficiência, competência e delicadeza. Como sabe às grandes damas.86