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A Faculdade de Educação da UFMG

No documento AMARILDO DE SOUZA HORÁCIO (páginas 60-64)

2. LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NA UFMG: CONSTITUIÇÃO E

2.1 A Faculdade de Educação da UFMG

A Faculdade de Educação – FAE/UFMG, unidade onde se localiza o curso Lecampo, surge no período em que a Universidade passava por sua federalização. Ela foi criada a partir do desdobramento do Departamento de Pedagogia e Didática da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, na época responsável pelo Curso de Pedagogia e pelo Curso de Didática. Foi ainda instituída por meio da Reforma Universitária de 1968. Tal Reforma, orientada naquele contexto político pelos governos militares, foi orquestrada como numa perspectiva de intervenção de órgãos internacionais na educação brasileira. Conforme análise de Hilsdorf (2006, p. 126), essa reforma trouxe:

O aumento da produtividade com contenção de recursos implantados às bases de uma organização estrutural apoiada em: departamentos no lugar do regime de cátedras, cursos semestrais e sistema de créditos no lugar de cursos anuais, unidades profissionalizantes separadas das de pesquisa básica.

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Essa unidade possui histórico de inclusão e interlocução com movimentos sociais e de ações afirmativas ligadas, principalmente, ao público urbano. A UFMG tem como eixo de suas ações de inclusão o Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão Ações Afirmativas56, que visa garantir o acesso à Universidade, na graduação e pós-graduação, de grupos afrodescendentes e negros57 de baixa renda. Com uma atuação interdisciplinar, ele proporciona espaços de estudos e debates em torno de vários temas como, por exemplo: o pertencimento étnico-racial, os desafios da implementação da lei 10639/03, que versa sobre a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena no currículo das escolas brasileiras.

Com as políticas de ações afirmativas busca-se reduzir os efeitos antidemocráticos do processo de acesso e permanência desse público dentro da vida acadêmica. No caso de experiência envolvendo realidades do campo, citam-se os cursos de Graduação em Licenciatura em Educação do Campo e o da Formação Intercultural Indígena (FIEI), esse destinado à formação de professores indígenas para trabalharem em escolas de suas comunidades. Ambas as experiências foram gestadas a partir das lutas e das práticas pedagógicas de povos do campo historicamente marginalizados, como os trabalhadores rurais e povos indígenas.

O envolvimento da FaE/UFMG com essas questões sociais se deve ao perfil dos cursos que a mesma oferece58; ligados à educação, eles têm mais abertura e sensibilidade na construção de políticas que garantam o acesso de grupos historicamente discriminados. Essa característica se faz presente nas atitudes dos professores, contribuindo para que houvesse a discussão de uma proposta de parceria com o setor de educação do MST no campo da formação de professores:

56 Sediado na Faculdade de Educação, o Programa Ações Afirmativas na UFMG existe há doze anos e

congregam docentes e discentes de diferentes unidades acadêmicas e distintas áreas do conhecimento. Trata- se de um projeto que caminha em uma perspectiva interdepartamental, interunidade e interdisciplinar. Ver: http://www.acoesafirmativasufmg.org/p/historico.html >

57 MOEHLECKE (2002)

58 Cursos de Formação Intercultural Indígena (FIEI) e Licenciatura em Educação do Campo oferece Licenciatura

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A FAE tem essa tradição. A chegada do curso estranha, mas não estranha muito [...] já tem uma tradição, uma discussão mais política da educação, não só pedagógica. Então, já tinha professores, grupos de pesquisas e isso tudo ajuda na inserção de um curso e de um grupo diferenciado, mas isso não quer dizer que foi mais fácil, porque a presença da Educação do Campo e do MST desafia a Universidade em repensar sua prática (Sujeito Professor A).

Houve uma abertura sim. A proposta inicialmente do MST era formar professores para as séries iniciais. Em um segundo momento já foi colocado pela FaE: ‘por que não formar até a 8ª série?’ Quando chegou ao Conselho Universitário, o Conselho perguntou: ‘por que não habilitar até Ensino Médio com uma Licenciatura Plena, já que é raro, tem falta desse tipo de profissional no campo?’ A Universidade tem certo ‘peso’ na consciência por ser uma universidade pública; ela é muito cobrada também por não abrigar as classes populares. Um curso que trazia um Movimento bastante conhecido no Brasil, com um público popular, daria uma cara bem democrática, ampliaria essa visão democrática. Até hoje citam muito aqui o curso como uma ampliação democrática da universidade, um curso para educadores do campo, que não mexeu na estrutura da Universidade, mas que pode ter dado uma cara mais popular para uma universidade pública. (Sujeito Professor B).

A presença de grupos de profissionais engajados contribui no avanço desse processo em consonância com as lutas feitas por sujeitos que historicamente sofrem com ausências de políticas em geral, a exemplo dos sem-terra e dos povos indígenas. Consideramos nesse contexto uma relação à luz da categoria contradição, compreendida pelo fato de que:

Na sociedade, as mudanças se devem principalmente ao desenvolvimento das contradições que existem no seu seio, isto é, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção, as contradições entre as classes e a

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contradição entre o velho e o novo, é o desenvolvimento dessas contradições que faz avançar a sociedade e determina a substituição da velha sociedade por uma sociedade nova. (TSE TUNG, 1999, p.43)

Essas experiências implementadas na FaE/UFMG ajudaram na ampliação das oportunidades de acesso e “democratização” da Universidade. Mas todos esses processos foram constituídos com tensões e embates. Se por um lado o acolhimento de reivindicações históricas, por parte de grupos de professores, representa um avanço, valorizando e dando uma oportunidade a mais aos estudantes vindos principalmente de escolas públicas, camadas populares e estratos historicamente excluídos da sociedade, por outro isso é ainda pouco representativo, pois sob a égide de um modelo econômico capitalista, com uma tradição universitária elitista e excludente, dificilmente será possível chegar à condição em que o ensino superior será acessível a todos. O que haverá será mais acessos das classes populares e mesmo assim com a hierarquização e a estratificação do ensino (PETITAT, 1994), ou a formação de “ilhas de excelência” de melhores instituições e de cursos mais destacados socialmente na carreira profissional dentro dos parâmetros da sociedade brasileira.

A busca pela ampliação e democratização da universidade pública é fruto de experiências coletivas de entidades de classe dos professores universitários e organizações da sociedade por garantia do direito ao acesso e à permanência. Experiências essas que colocam em discussão a concepção elitista de ciência, a educação e o papel da universidade. É nesse âmbito que é demandada pelos movimentos sociais do campo, especialmente o MST e Via Campesina, e acolhida pela FaE/UFMG, a proposta para a formação de professores do campo através de uma Licenciatura específica, discorreremos a seguir.

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No documento AMARILDO DE SOUZA HORÁCIO (páginas 60-64)