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História do MST e a luta pela terra

No documento AMARILDO DE SOUZA HORÁCIO (páginas 47-52)

1.4 MST e a Educação: entre lutas e conquistas na Reforma Agrária

1.4.1 História do MST e a luta pela terra

Desde o “achamento”42 do Brasil, uma questão que se encontra ainda não resolvida na constituição do nosso país é questão agrária, sendo essa sintetizada nas lutas pela posse da terra. A concentração de terra, conforme Prado Júnior (1979, p. 16), “constitui o obstáculo principal e mais profundamente implantado no organismo social brasileiro ao desenvolvimento econômico e cultural do País”. As lutas pela terra e Reforma Agrária43

42 Cf. Morissawa (2009).

43 Stédile In MST (1999, p. 30- 31) afirma que há três conceitos de políticas fundiárias que se confundem e que,

portanto geram entendimentos diferenciados. O Conceito “clássico” de Reforma Agrária datado até a II Guerra mundial é onde o Estado por meio de suas legislações promove uma política de distribuição massiva da propriedade da terra. Outro conceito é o de “política de assentamentos rurais” se faz quando o governo distribui lotes de terras em fazendas desapropriadas ou compradas às famílias que lutam para permanecer no meio rural. Essa política é pontual, localizada e parcial e não corrige a concentração de terra. O outro conceito é o de “colonização” nesse caso o Estado distribui parte das terras públicas ainda inexploradas, de propriedade do estado, para serem ocupadas por famílias de colonos.

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antecedem o MST, e misturam-se às lutas históricas de resistência dos trabalhadores44. Dessa forma:

O direito dos trabalhadores sobre a terra que nela trabalham, colocada na pauta da política nacional pelas Ligas Camponesas, ganhou simpatia dos trabalhadores do campo e da cidade e posteriormente foi encampada pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais- STRS que passaram à legalidade a partir de 1963, organizada agora na CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura. Todavia, mesmo com o custo da vida de dezenas de trabalhadores, a reforma agrária defendida pelas Ligas Camponesas e pela sociedade nas décadas de 1950 e 1960 foi apenas formalmente reconhecida como um direito pelos militares que tomaram o poder em 31 de março de 1964, e abortaram os avanços democráticos até então conquistados (LAUREANO e MOREIRA, 2009, p. 19).

A luta pela terra é luta dos trabalhadores rurais para sobreviverem no campo. A expansão e desenvolvimento da agricultura brasileira, incentivados pelas políticas de mecanização, favoreceram o êxodo rural no século XX. O MST, em sua trajetória histórica, afirma-se como herdeiro das várias lutas empreendidas ao longo dos séculos no país, sendo que “a gênese do MST foi determinada por vários fatores, o principal deles foi o aspecto socioeconômico das transformações que a agricultura brasileira sofreu na década de 1970. Esse foi o período mais rápido e mais intenso da mecanização da lavoura brasileira” (STÉDILE e FERNANDES, 2005, p. 15).

A primeira ocupação protagonizada pelo Movimento foi a da gleba da Encruzilhada Natalino, no estado do Rio Grande do Sul, em 1979. Desse marco até 1984, em consonância com diversas outras ocupações realizadas em vários estados do Brasil, configura- se o período de gestação ou criação do MST. No 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, realizado janeiro de 1984, na cidade de Cascavel, no estado do Paraná, onde estavam presentes trabalhadores de 12 estados brasileiros que já participavam de ocupações de terra, o Movimento é criado oficialmente. Nesse Encontro foi aprovada a proposta de organizar um movimento em nível nacional, sendo apontados os três objetivos que norteiam até hoje a organização: lutar pela terra, pela Reforma Agrária e por uma sociedade mais justa e igualitária (MOREIRA e LAUREANO, 2009).

44 Vieira, passim, 2014 Em Minas Gerais existem mais de 30 organizações (contando também movimentos de

povos indígenas e quilombola). Sendo as mais expressivas: Confederação dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (CONTAG); Movimento de Luta pela Terra (MLT) e Federação da Agricultura Familiar (FETRAF).

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A organização dos trabalhadores e trabalhadoras no MST ao longo da década de 1980 estabeleceu as “ocupações” de latifúndios como uma de suas principais formas de organização política. O termo e a ação das ocupações usados pelo Movimento para chamar atenção da sociedade e da opinião pública para as suas ações contrapõem-se ao significado de invasão que a grande mídia propaga. Para Morissawa (2001), “existem profundas diferenças entre invadir e ocupar. Invadir significa um ato de força para tomar alguma coisa de alguém em proveito particular. Ocupar significa, simplesmente, preencher um espaço vazio – no caso em questão, terras que não cumprem sua função social” (2001, p.132). Com o avanço das ocupações de terra, aliadas às marchas para a conquista de assentamentos, foram necessárias uma estrutura organizativa e uma organicidade 45que ajudassem a dar conta desse processo, que é sintetizada na criação de setores46 e equipes de trabalho.

O MST é um dos maiores movimentos sociais de camponeses da América Latina. Seu histórico mostra como os trabalhadores organizados em movimentos constroem estratégias de atuação que se contrapõem ao modelo hegemônico em um palco de constantes transformações e tensões, sintetizadas abaixo:

No Brasil, o trabalho no campo desenvolve-se num amplo e diversificado espaço e abrange um conjunto de atividades, entre elas, a agricultura, a pecuária, a pesca e o extrativismo. [...] diversas formas de ocupação do espaço, desde a produção para a subsistência até a produção intensiva de eucaliptos para a obtenção de celulose explicita a grande desigualdade social do país. (VENDRAMINI, 2007, p. 124).

Em 2014 o MST realizou o 6º Congresso Nacional47, momento de comemoração dos trinta anos de fundação e de reflexão acerca das diretrizes e linhas de ações para o próximo período. O evento teve como lema “Lutar, Construir, Reforma Agrária Popular”. Em um momento de esgarçamento da política de assentamentos rurais, em que o avanço do modelo de produção do agronegócio impera com o uso abusivo dos agrotóxicos, a

45 Conforme MST (2002, p. 27): A base da organicidade são os Núcleos de Base, que são instâncias de avaliação,

opinião, proposição e decisão que conseguem dar mais agilidade e coesão na participação nas tomadas de decisão e nas elaborações das propostas, quer seja num acampamento, assentamento ou outros espaços.

46 O MST conta com os setores: Educação, Formação, Produção, Saúde, Comunicação, Juventude, Cultura,

Relações Internacionais e Finanças. Esses coletivos compõem coordenações colegiadas locais, regionais, estaduais e nacionais.

47 Os Encontros Nacionais e os Congressos Nacionais são espaços de deliberações políticas do MST onde se

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necessidade de terras para o monocultivo em larga escala e a produção de commodities, num contexto em que a política estatal para a agricultura familiar tenta conciliar com esse modelo, é também o momento em que MST dialoga com a sociedade brasileira acerca da pauta da Reforma Agrária48 Popular como estratégia de transformação social:

A luta pela terra e a Reforma Agrária no Brasil está associada, ao mesmo tempo, ao tipo de estrutura fundiária implantada (ou seja, à concentração de terra) e, ao enfrentamento do modelo de desenvolvimento econômico adotado (que privilegia a exportação). Com isso passou do patamar somente de luta econômica e social para se tornar uma luta política, o que significa a disputa de projetos. (CONCRAB, 2004, p. 6).

Na figura 3 a seguir apresentamos os números da Reforma Agrária no Brasil:

Figura 3: Gráfico - Famílias assentadas no Brasil -1998/2012

Fonte: Organização a partir Reis (2014), Scarso (2014) e Teixeira. (2014).

48 Visa contribuir com as mudanças estruturais necessárias e, ao mesmo tempo, é dialeticamente dependente

dessas transformações. Um novo projeto de país que precisa ser construído com todas as forças populares [...]. E, buscamos assim, com a luta pela reforma agrária popular, acumular forças, obter conquistas para os camponeses e derrotar as oligarquias rurais. É dessa forma que iremos construir nossa participação nas lutas de toda a classe trabalhadora para construir um processo revolucionário, que organize a sociedade e um novo modo de produção, sob os ideais do socialismo (MST, 2014, p. 31).

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O discurso governamental corrente é o do desenvolvimento dos assentamentos rurais, com acento na qualidade em detrimento da realização de novas desapropriações de terra. Isso não é o suficiente para construir uma política agrária consolidada a partir dos pequenos agricultores. Os dados representam os altos e baixos da política fundiária no Brasil, que exibem contradições como, por exemplo, no financiamento. Os valores do orçamento do Governo Federal destinados ao agronegócio representam sete vezes mais do que os destinados aos agricultores familiares. Em 2014, esses valores chegaram a R$21 bilhões e R$156,1 bilhões respectivamente (BRASIL, 2014). O último Censo Agropecuário do ano de 2006 mostrou que a agricultura familiar, que compreende os assentamentos e os pequenos agricultores, foi responsável por grande parcela da oferta de alimentos para o abastecimento interno da população brasileira com a oferta de alimentos como mandioca, feijão e arroz49. Destacamos o fato de muitos assentamentos serem definidos apenas no papel, pois na prática, após assentadas, muitas famílias convivem até seis anos em situação de acampamentos, sem infraestrutura básica como casa, crédito, estrada e outros.

Por sua vez, o Agronegócio também tem números expressivos, principalmente na produção de commodities da soja, da celulose entre outras que servem para o mercado internacional, mas o preço dessa produção é muito caro à população camponesa. Segundo a cartilha “O problema dos alimentos: a agricultura camponesa é a solução!”, que denuncia os princípios da lógica do agronegócio:

Esse modelo de produção [...] tem como características principais explorar os trabalhadores, destruir o ambiente, aumentar a violência no campo, promover uma política intencional de esvaziamento do meio rural, através do fechamento de escolas, falta de postos de saúde e de lazer e conservação das estradas; e de forçar a prática de uma política agrícola voltada para as monoculturas de exportação, uso de sementes transgênicas e abuso de agrotóxicos (VIA CAMPESINA, 2008, p. 31).

Essa realidade de contradições é exposta frequentemente pela imprensa mediante a veiculação de imagens e reportagens de trabalhadores rurais sendo transportados em condições precárias para o trabalho, ou trabalhadores em situações de trabalho em condições

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análogas às de escravidão. São noticiados também com frequência os processos migratórios nas entressafras da cana de açúcar e do café, por exemplo, no sudeste brasileiro. Contradições de um suposto modelo conciliatório no campo, modelo em que o trabalhador ainda é o mais afetado. Pesquisar o curso de Licenciatura em Educação do Campo requer discutir essa questão porque os egressos e demais envolvidos na história desse curso são tessituras dessa realidade campesina.

No documento AMARILDO DE SOUZA HORÁCIO (páginas 47-52)