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1. INTRODUÇÃO À CRÍTICA DA FACULDADE DO JUÍZO

1.5. A faculdade do

Os conceitos de natureza, que contêm a priori o fundamento para todo o conhecimento teórico, assentavam na legislação do entendimento. O conceito de liberdade, que continha a priori o fundamento para todas as prescrições

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práticas sensivelmente incondicionadas, assentava na legislação da razão. Por isso ambas as faculdades, para além do fato de, segundo a forma lógica, poderem ser aplicadas a princípios, qualquer que possa ser a origem destes, possuem cada uma a sua própria legislação segundo o conteúdo, sobre a qual nenhuma outra (a priori) existe e por isso justifica a divisão da filosofia em teórica e prática. (AA V 176-177).

A passagem acima é da III seção da segunda introdução à terceira Crítica intitulada “Da crítica da faculdade do juízo como meio de ligação das duas partes da Filosofia num todo” (AA V 176), ou seja, o meio de ligação entre as partes da filosofia ou entre os domínios teórico e prático da mesma se dá por meio da terceira Crítica.

As faculdades do entendimento e da razão contêm princípios próprios e fundamentam as partes da filosofia na medida em que podem aplicar esses princípios segundo sua forma lógica. Se para a terceira parte for possível encontrar algum parentesco por analogia com as outras duas partes, será possível fundamentar seu exercício sob princípios que não servem nem ao uso teórico e nem ao uso prático. Por isso, à faculdade do juízo – sendo a terceira faculdade e intermediária entre essas outras duas – deve ser possível, pelo menos, fundamentar seu exercício sob princípios próprios, diferentes do uso teórico e prático da razão, mesmo sem fundamentar um domínio próprio de leis e sem estabelecer uma doutrina. A faculdade do juízo completa o quadro da divisão das faculdades de conhecimentos superiores ao ser o termo médio entre as outras duas faculdades, o entendimento e a razão.

Na família das faculdades de conhecimento superiores existe ainda um termo médio entre o entendimento e a razão. Este é a faculdade do juízo, da qual se tem razões para supor, segundo a analogia, que também poderia precisamente conter em si a priori, se bem que não uma legislação própria, todavia um princípio próprio para procurar leis; em todo caso um princípio simplesmente subjetivo, o qual, mesmo que não lhe convenha um campo de objetos como seu domínio, pode todavia possuir um território próprio e uma certa característica deste, para o que precisamente só este princípio poderia ser válido. (AA V 177).

Na Primeira Introdução, Kant mostra que a representação sistemática de nossas faculdades de conhecimento a priori por conceitos se encontra tripartida: primeiro, há a faculdade do conhecimento do universal, a do conhecimento das regras universais, a qual é regida pelo entendimento; como um termo médio entre essa e a terceira, há a faculdade da subsunção do particular sob o universal, tarefa realizada pelo juízo; e, por último, a faculdade de determinação do particular pelo universal através da derivação de princípios, a razão prática. Assim sendo, Kant pretende estabelecer o princípio a priori

34 da faculdade do juízo que possibilite tais articulações entre as faculdades. Para isso, na seção IV da segunda introdução, “Da faculdade do juízo como uma faculdade legislante a priori” (AA V 179), Kant começa definindo a faculdade do juízo, “A faculdade do juízo em geral é a faculdade de pensar o particular como contido no universal” (AA V 179) e, na Primeira Introdução, a faculdade do juízo “não é meramente uma faculdade de subsumir o particular sob o universal (cujo conceito está dado), mas também, inversamente, de encontrar, para o particular, o universal” (AA XX 209-210). Uma característica importante da faculdade do juízo é, ao contrário do entendimento e da razão, respectivamente, a ausência de conceitos e ideias. O juízo é uma faculdade de conhecimento muito particular que, diferente das outras duas, não tem um domínio próprio, pois recebe conceitos de outra procedência que não ela mesma e apenas subsume tais conceitos. A faculdade do juízo tem a função de subsumir o particular sob o universal e é uma faculdade intermediária entre as outras duas.

Há duas formas de juízo, como faculdade de julgar determinante e como faculdade de julgar reflexiva e o critério de distinção se encontra no modo como o particular e o universal se relacionam entre si. A primeira subordina o particular ao universal, a uma regra, a uma lei ou a um princípio, atua segundo leis do entendimento e ao subsumir o particular sob o universal encontra conceito. A faculdade de juízo determinante, sob leis transcendentais dadas pelo entendimento, não tem necessidade de buscar uma lei pra si mesma, ela somente subsume. “Se só o particular for dado, para o qual ela deve encontrar o universal, então a faculdade do juízo é simplesmente reflexiva” (AA V 179). A segunda não parte de conceitos e deve encontrar o universal quando apenas o particular for dado. Ao realizar essa tarefa, precisa pensar uma lei para si mesma; nisto consiste seu princípio subjetivo. Sendo sua condição não possuir um domínio de leis, seu princípio não é a aplicação de leis, mas o de procurar regras ou leis. Para exercer essa atividade, precisa pensar uma lei para si mesma para que seja sua regra de procedimento.

A faculdade de juízo reflexiva, que tem obrigação de elevar-se do particular na natureza ao universal, necessita por isso de um princípio que ela não pode retirar da experiência, porque este precisamente deve fundamentar a unidade de todos os princípios empíricos sob princípios igualmente empíricos, mas superiores e por isso fundamentar a possibilidade de subordinação sistemática dos mesmos entre si. Por isso só a faculdade de juízo reflexiva pode ser a si mesma um tal princípio como lei e não retirá-lo de outro lugar (porque então seria a faculdade de juízo determinante). (AA V 180).

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