• Nenhum resultado encontrado

Na fisiologia humana, nas ciências da saúde e no treinamento desportivo, a fadiga é habitualmente definida como uma diminuição na força voluntária máxima exercida pelos músculos (Gandevia, 2001). Nessas áreas de conhecimento, a fadiga também é por vezes referida como uma incapacidade funcional de realizar exercício máximo ou submáximo (Ascensão, 2003). Tais conceitos conseguem pontuar o resultado da fadiga e, implicitamente, fazem associações do esgotamento muscular com grandezas físicas como força, velocidade, distância e tempo que são empregadas para quantificar a performance humana. No entanto, essas definições são reducionistas no sentido de que tratam a fadiga como fenômeno pontual: a fadiga não existe até determinado ponto e a partir de um instante ela está completamente instaurada (Merletti e Parker, 2004).

Quando o estudo da fadiga não se limita apenas à análise de grandezas físicas que quantificam a performance muscular, uma interpretação um tanto mais abrangente se faz necessária. Sob o ponto de vista fisiológico, a fadiga não deve ser encarada apenas como produto final da ação intensa ou prolongada. Na verdade, o fenômeno da fadiga deve ser entendido como o conjunto de alterações orgânicas que provoca redução na capacidade contrátil do músculo (Mertletti et al., 1991). Nesse contexto, a EMG-S apresenta vantagens em relação a muitos outros métodos de análise de fadiga, pois ela permite o acompanhamento longitudinal de todo o processo que conduz à falha mecânica nas ações musculares (Merletti e Parker, 2004). Por meio dos sinais eletromiográficos, é possível fazer inferências sobre aspectos como recrutamento de unidades motoras, taxa de disparo das unidades motoras ativas, acúmulo de metabólitos e tipo de fibras musculares utilizadas na contração (Farina et al., 2004a).

Piper (1912) foi provavelmente o primeiro autor a constatar que a fadiga altera o sinal eletromiográfico. Esse pesquisador verificou que, em contrações isométricas submáximas, o sinal eletromiográfico apresentava redução de frequência. Esse padrão foi reportado em diversas investigações posteriores que analisaram diferentes grupos musculares (Kogi e Hakamada, 1962; De Luca, 1984; Basmajian e De Luca, 1985; Moritani et al., 1986; Merletti e Roy, 1996; Mannion e Dolan, 1996; Georgakis et al., 2003, Beck et al., 2014).

A principal causa da diminuição da frequência do sinal eletromiográfico relatada por Piper (1912) e outros está associada ao acúmulo de metabólitos, como ácido lático e íons de hidrogênio (Cifrek et al., 2009). Esses subprodutos do metabolismo energético provocam

13 modificações na forma de ondas dos potenciais de ação e reduzem sua velocidade de propagação nas fibras musculares. A Figura 2.7 (Merletti e Parker, 2004) retrata as alterações no formato do potencial de ação com base no modelo de simulação da fadiga proposto por Merletti et al. (1999). Na figura, é possível verificar que há o alongamento na onda de despolarização e a diminuição em sua amplitude. Dimitrova e Dimitrov (2003) também registraram in vitro a dilatação do potencial de ação e a diminuição em magnitude com a fadiga.

O decréscimo na taxa de disparo das unidades motoras ativas também é apontado como causa da diminuição na frequência do sinal eletromiográfico em situações exaustivas. Bigland-Ritchie et al. (1983) avaliaram a frequência de disparo de unidades motoras individuais no extensor curto do dedo em contrações máximas fatigantes. Nesse estudo, eletrodos de agulha foram inseridos dentro do músculo. Os resultados obtidos apontaram decréscimo de até 50% na taxa de disparo dos potenciais de ação. Adam e De Luca (2005) relatam que, em contrações submáximas, o padrão de decréscimo na taxa de disparo pode Figura 2.7 - Forma de onda do potencial de ação (sinal simulado) durante o processo de fadiga

(A) e gráfico da relação duração / amplitude dos potenciais intracelulares (B). Adaptado de Merletti et al. (1999) e Dimitrova e Dimitrov (2003).

14 ser mascarado pelo recrutamento de unidades motoras adicionais para manutenção da atividade.

O terceiro fenômeno associado à diminuição das frequências do sinal elétrico dos músculos em ações estáticas sustentadas por longo período é a sincronização das unidades motoras. Yao et al. (2000) afirmam, baseados na simulação eletrofisiológica da atividade muscular, que a menor quantidade de impulsos aleatórios ocasionados pela sincronização das fibras reduz a energia nas faixas de alta frequência do sinal eletromiográfico.

Além da redução na frequência, outra característica amplamente observada em ações estáticas submáximas fatigantes é o aumento da amplitude do sinal eletromiográfico (De Luca, 1997; Merletti e Parker, 2004). Esse aumento é associado ao recrutamento de novas unidades motoras que são mobilizadas para compensar a perda na capacidade de trabalho das fibras fatigadas (Masuda et al., 1999; Potvin, 1997; Tesch et al., 1990, Lowery e O’Malley, 2003). Também se atribui o aumento da amplitude à maior sincronia na atividade das unidades motoras durante a fadiga (Tesch et al., 1990, Masuda et al., 1999). A sincronização dos potenciais de ação diminui o cancelamento entre as fases positivas e negativas da corrente elétrica que percorre diferentes fibras musculares (Yao et al., 2000). Ao contrário, as fases sincronizadas são sobrepostas e passam a ser somadas.

Outra característica fisiológica bastante afetada pela fadiga e que pode ser analisada com a EMG-S é a velocidade de propagação do potencial de ação ao longo das fibras, conhecida como velocidade de condução. A velocidade de condução é calculada a partir do sinal eletromiográfico registrado em diversos pontos de seu trajeto por meio de eletrodos dispostos na linha longitudinal do ventre muscular (Merletti e Parker, 2004; Farina e Merletti, 2004). Os valores de velocidade de condução em indivíduos saudáveis situam-se entre 2 e 7 m/s (Li e Sakamoto, 1996; Masuda et al., 2001). Essa variável tem sido investigada por diversos pesquisadores e tem se mostrado eficiente para quantificar a fadiga muscular (Farina et al., 2004b; Falla e Farina, 2005) e a força em exercícios isométricos e dinâmicos (Broman et al., 1985; Nielsen, 1987; Masuda et al., 2001). A velocidade de condução ainda guarda relação com a composição das fibras musculares (Broman et al., 1985; Kupa et al., 1995).

15