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Fagan (1988): Por um tratamento semântico das construções médias

Contrariamente ao que propõem Keyser & Roeper (1984), Fagan (1988) argumenta que tanto construções médias quanto ergativas são lexicalmente derivadas; o que diferencia uma estrutura de outra, para a autora, é o argumento semântico de que aquelas são estativas, enquanto ergativas são eventivas. O tratamento de médias e de ergativas como sendo ambas

sintaticamente intransitivas está em desacordo com os argumentos de Keyser & Roeper (1984) apresentados anteriormente. A autora propõe operações distintas para a formação das duas estruturas: médias apresentam atribuição de arb ao argumento externo e externalização do tema (realização sintática do tema na posição de argumento externo); ergativas apresentam apagamento do argumento externo e externalização do tema.

O termo arb, citado acima, é a abreviação de arbitrary e representa as características que identificam o grupo de propriedades referidas como interpretação arbitrária para um determinado objeto. Quando se afirma, por exemplo, que um argumento é [+humano] ou [+genérico], faz-se atribuição de arb a ele. Ao se reconhecer a aplicação de arb ao argumento externo de verbos formadores de construções médias, reconhece-se que o argumento possui uma característica que é imanente a ele, a saber, a característica [+genérico], que autoriza a saturação desse argumento. Por essa razão, segundo Fagan (1988), através da regra Assign arb to the external θ–role (Atribuição de arb ao papel

temático externo), o agente de médias é lexicalmente saturado, não sintaticamente, daí advém a não realização sintática do agente na posição de argumento externo de verbos envolvidos em construções médias.

Segundo as operações definidas por Fagan para a formação das construções médias e das ergativas, a formação daquela embutiria uma interpretação genérica e agente implícito, por outro lado, a formação das ergativas não embutiria agente implícito e a interpretação seria não-genérica. Além disso, a autora elimina a noção de apagamento de papéis que Keyser & Roeper (1984) atribuem à formação das estruturas médias, mas a mantém para a formação das ergativas.

É justamente o tratamento estativo que Fagan dispensa às construções médias que justifica seu comportamento diante de restrições sintáticas como: formação de compostos verbais, prefixação com out, formação com partícula away como advérbio intransitivo (leitura de repetição) e apagamento de preposição ou preposition stranding. Para Fagan, é uma evidência a favor do caráter estativo de médias o fato de sofrerem as mesmas restrições sintáticas que verbos de estado.

Quanto à formação de compostos verbais, a argumentação de Keyser & Roeper (1984) para a agramaticalidade de (44a-b), repetidas em (57a-b), é o fato de o primeiro elemento à esquerda do verbo não ser o seu argumento interno que, segundo a grade temática, havia sido movido de sua direita. Para Fagan (1988, p.186), os exemplos em (57a- b) são construções com um advérbio modificando um adjetivo gerundivo e não compostos verbais. Já que médias são construções estativas, não podem ser compatíveis com adjetivos gerundivos e disso resulta a agramaticalidade de (57a-b), uma explicação semântica, portanto. Essa distinção é estabelecida com base no fato de verbos intransitivos de estado não estarem disponíveis para a formação de tais adjetivos, levando a uma incompatibilidade entre esses verbos e adjetivos gerundivos; logo, a construção em (58) também resulta agramatical. “What remains to be accounted for, then, is the fact that middle verbs cannot be used to form adjectives with the suffix –ing (…) only intransitives – not transitives – allow gerundive adjectives”.30

(57a) *easily-bribing bureaucrats / (burocratas facilmente subornáveis) (57b) *easily-painting wall / (parede facilmente pintável)

30 O que resta ser considerado, então, é o fato de que verbos médios não podem ser usados para formar

(58) *The sufficing-rations. (These rations will suffice.) / (Rações que bastam. (Essas rações bastarão.))

Sobre as formações médias com o uso da partícula away com interpretação de repetição, Fagan (1988, p.190) as considera agramaticais por depender a interpretação de repetição da partícula de uma sucessão de eventos, como médias são estativas, não podem ocorrer com a leitura repetitiva: “we saw that middle verbs do not describe especific events. They do not describe actions, but states. The particle away, on the other hand, cannot be used in the repetitive or continuative sense with statives verbs.”31. Assim, essa incompatibilidade não está presente somente nas construções médias, mas também nas construções que envolvem verbos de estado, como ilustram (59) e (60):

(59) *He stank away. / (Ele fedia sempre.)

(60) *She belonged away. / (*Ela pertenceu sempre.)

O mesmo se constata no caso da prefixação com out, segundo Fagan (1988, p.191), essa prefixação é sensível a outras estruturas além das transitivas anunciadas por Keyser & Roeper (1984). Verbos estativos, por exemplo, rejeitam a prefixação ((61) e (62)). Como o caráter não-eventivo das construções médias as aproxima de construções com verbos estativos, é possível assumir como referência para verbos que formam médias o

31 (...) nós vimos que verbos médios não descrevem eventos específicos. Eles não descrevem ações, mas

estados. A partícula away, por outro lado, não pode ser usada no sentido repetitivo ou continuativo com verbos estativos.

comportamento da prefixação com out para verbos estativos, que é a seguinte: “not all intransitives permit out Prefixation. In particular, stative verbs cannot undergo this rule”32.

(61) *His advice outmattered ours. / (Seu aviso importou mais que os nossos.) (62) *Her car outcost mine. / (Seu carro custou mais que o meu.)

Com base também no fato de médias serem mais tolerantes a apagamento de preposição e a preposition stranding que construções ergativas, Keyser & Roeper (1984) afirmam que médias são sintáticas e ergativas são lexicais. Entretanto, Fagan avalia que este não é um argumento confiável para se opor processo sintático versus processo semântico.

A fim de rebater este último argumento de Keyser & Roeper (1984) para a transitividade das construções médias, Fagan considera, com fins comparativos, as construções passivas. A autora observa que construções passivas, que são sintaticamente transitivas, não apresentam qualquer restrição quanto a preposition stranding, conforme (63). Já construções médias, como constatado em (64), possuem restrição de aceitabilidade. Fagan afirma que se as construções médias fossem sintaticamente transitivas, deveriam tolerar preposition stranding com a mesma facilidade que as construções passivas; para a autora, essa é mais uma evidência de que médias são lexicais.

(63) John was laughed at. / (Riram do John.)

(64) ?The room breaks into easily. / (O quarto em que se entra facilmente.)

32 (...) nem todos os intransitivos permitem prefixação com out. Em particular, verbos estativos não podem

Ao concluir suas considerações, Fagan afirma ser crucial a caracterização de estruturas médias como genéricas, pois nela reside o entendimento das diferenças entre middles e ergatives. Segundo o que já se discutiu, médias não descrevem eventos, o que fazem é atribuir propriedades a objetos, as quais são mantidas indiferentemente ao tempo. Resumidamente, Fagan comprova que a característica não-eventiva de médias é que as torna pouco suscetíveis a certos processos lexicais, como a formação de adjetivos gerundivos e a prefixação com out. Isso decorre da incompatibilidade de tais processos com as propriedades aspectuais dos itens lexicais. Ergativos servem de input a esses processos por serem eventivos.

Fagan avalia que, como esses processos são sensíveis tanto a aspectos sintáticos quanto semânticos, não podem servir de suporte para que se assuma posições conclusivas acerca do status sintático de médias, como o fizeram Keyser & Roeper (1984); a autora acredita que as evidências encontram-se em outro lugar.

No que diz respeito ao processo de preposition stranding, é justamente a inabilidade de médias com preposições abandonadas que sugere que aquelas não envolvem movimento, são, sim, derivadas unicamente do léxico. A diferença que há entre tais construções e as ergativas está, ainda, na presença do modificador adverbial, mais uma explicação que pertence à semântica da construção. Aliás, o estudo das construções médias representa, para Fagan, mais uma demonstração de que se tem maiores chances de compreender os fenômenos lingüísticos quando não se ignora a complexa interação que há entre características sintáticas e semânticas.