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Presença de modificador: exigência para a boa formação das médias?

4 ANÁLISE DAS PROPRIEDADES DITAS DIFERENCIADORAS ENTRE

4.4 Presença de modificador: exigência para a boa formação das médias?

Conforme o que se apresenta no item 2.1.2 deste trabalho, Roberts (1987, apud Rodrigues (1998, p.11)) destaca que há casos ((30a-d) repetidos abaixo) em que se pode formar médias em inglês sem a exigência de realização sintática do modificador. Esses casos envolvem, na formação: um do enfático, por exemplo, um acento sobre o tema ou sobre o verbo, um modal epistêmico como could, uma negação ou tema quantificado negativamente.

(112a) This book could sell. / (Esse livro pode vender.) (112b) ?Bureaucrats BRIBE. / (*Burocratas SUBORNAM.) (112c) ?CHICKENS kill. / (*GALINHAS abatem.)

(112d) ?This bread DOES cut. / (?Esse pão corta.) (112e) This bread doesn’t cut. / (Esse pão não corta.)

(112f) Any bureaucrats bribe. / (*Nenhum burocrata suborna.)

Da mesma forma, Fellbaum & Zribi-Hertz (1989) avaliam que a exigência de modificador é restrição para a formação de médias do francês, mas há casos, classificados pelas autoras como um subconjunto das médias, que não exigem realização sintática do modificador.

(113b) Cette chaise se plie. / Aquela tinta se apaga.

As autoras consideram que, nos dois exemplos de (113), subentende-se uma divisão binária entre coisas comestíveis e coisas não-comestíveis, entre coisas pintáveis e coisas não- pintáveis. Assim, (113a) pode ser enunciada em um contexto no qual se faça uma classificação binária entre aquelas raízes que são comestíveis e aquelas que não o são; da mesma maneira, (113b) serviria a um contexto em que se diferencie binariamente tintas que apagam daquelas que não apagam. Fellbaum & Zribi-Hertz (1989) afirmam, ainda, que para o inglês a mesma análise é possível em casos como Does this wall paint?, nos quais se subentende uma divisão entre a classe das paredes pintáveis e a classe das não-pintáveis

Com tantas possibilidades de se realizarem construções médias sem a presença sintática de modificador, questiona-se se realmente a modificação é condição para a gramaticalidade dessas construções. Em se tratando do português, é possível que construções médias sejam realizadas sem modificação: tanto com acento sobre o tema, com acento sobre o verbo, com negação, com tema quantificado negativamente, quanto com a divisão binária entre duas classes, conforme o que levam em conta, para o francês, Fellbaum & Zribi-Hertz (1989) e, para o inglês, Roberts (1987, apud Rodrigues (1998)).

(114a) Esse piso LIMPA. (114b) ESSE PISO limpa. (114c) Esse piso não limpa. (114d) Nenhum piso limpa. (115a) Batata doce assa. (115b) Essa batata doce assa?

Em todos os exemplos acima, características de construções médias como a leitura de genericidade para agente implícito e a interpretação de propriedade intrínseca para o tema são mantidas, o que os diferenciaria de construções ergativas que não possuem nenhuma dessas características. A ênfase sobre o verbo em (114a) sugere que o piso referenciado limpa bem, independentemente de quem o limpe; já a ênfase sobre o tema em (114b) sugere que esse piso, não outro, possui a propriedade limpa; (114c) destaca a negação da propriedade, ou melhor, a ausência de uma propriedade que costuma ser intrínseca à classe piso; (114d) é similar à anterior, com ausência de propriedade marcada na quantificação negativa do tema; (115a-b) encaixam-se na classificação binária (proposta por Fellbaum & Zribi-Hertz (1989)) entre aquelas batatas que assam e aquelas que não assam.

Desse modo, a realização sintática de modificador é exigência para a formação de um subtipo de construções médias do português, a saber, para a formação de médias que não se incluem nos casos de (114) e (115). Ainda que fosse a presença do modificador uma condição para as formações médias do português, tal realização sintática é muito semelhante à configuração estrutural de suas contrapartes ergativas e não serviria para diferenciar as duas construções, já que as construções ergativas: a) também admitem modificação; b) recebem modificador em mesma posição que construções médias o recebem; c) recebem modificadores idênticos aos que construções médias recebem. Observe-se:

(116a) Essa camisa seca rápido, as demais demoram a secar. (116b) Essa camisa seca rápido, enquanto eu lavo as outras. (116c) Esse livro vendia rápido, agora fica parado no estoque.

(116d) Esse livro vendeu rápido, não tem mais nenhum exemplar no estoque.

Com a proximidade entre construções médias e ergativas, sugerida pelo comportamento semelhante de ambas com a modificação, um certo cuidado é necessário para não confundi-las. As sentenças abaixo, podem parecer médias, mas são eventivas e essa é a primeira evidência em favor da ergatividade, pois elimina a interpretação de propriedade intrínseca do objeto à medida que as sentenças descrevem um evento episódico particular.

(117) Enquanto a mandioca cozinha, separe e pique os ingredientes pedidos na receita.70

(118) Enquanto o feijão cozinha, vamos continuar nossa conversa.71

(119) Há dias que já começam complicados, levantamos atrasados, o café sai fraquinho, o leite derrama sobre o fogão, o marido com aquele humor negro e os filhos... ah!, os filhos cobrando... cobrando... cobrando...72

Nos exemplos (117) e (118), a sentença subordinada com enquanto marca um período de tempo que serve de referência para a sentença principal e, em (119), um fato determinado, relacionado com outros, é referenciado pela ergativa. Keyser & Roeper (1984) consideram que a dificuldade encontrada pelos falantes para diferenciar médias de ergativas é resultado da maleabilidade de alguns verbos que servem a ambas as

70http://panelinha.ig.com.br/receita.phtml?cod_rec=460, acesso em 21/11/2006. 71http://www.sec.rj.gov.br/atabaquevirtual/culinaria.html, acesso em 21/11/2006. 72

construções. Essa possivelmente seja uma das dificuldades, entretanto, há outras razões relacionadas à formação sintática, em particular à presença/ausência de modificador.

Em alguns casos de construções médias, em que não se realiza sintaticamente o modificador, ele pode estar apagado e ser recuperado ou depreendido do contexto lingüístico que se apresenta e/ou do contexto pragmático de que se dispõe. Essa “recuperação” do modificador serve à necessidade pragmática de informatividade, já que falantes tendem a ser cooperativos e dar apenas informações relevantes. Em exemplos como os seguintes, a explicitação de um conhecimento comum (pelo menos para a cultura ocidental) só se justifica por meio de um modo, dessa maneira, o que é relevante informar não é o que o verbo expressa, mas seu conteúdo semântico associado à própria modificação implícita.

(120) Estou com pressa para sair agora, vou cozinhar o feijão quando voltar, se bem que esse feijão cozinha.

(121) Faça você as pipocas porque quando eu faço sobram muitos grãos na panela, se bem que essa pipoca estoura.

O que (120) diz é que o feijão em questão cozinha rápido, então, é possível cozinhá- lo em pouco tempo, sem atrasos, mesmo porque feijões em geral cozinham e, comunicativamente, seria irrelevante informar essa propriedade (assim como há contextos nos quais é irrelevante informar que pessoas falam, pessoas respiram, etc.). Em (121), o que se diz é que uma determinada pipoca estoura bem, até mesmo alguém que não saiba fazer pipocas com habilidade pode estourá-la. A exemplo de feijões cozinham, dizer que pipocas estouram parece ser irrelevante comunicativamente, aliás, é bem provável que, se

não estourasse, o milho não se transformaria em pipoca e dificilmente receberia esse nome pipoca ainda na forma de grão, o modo (implícito) como estoura o milho pipoca é que autoriza uma construção do tipo essa pipoca estoura.