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Assim como a proximidade com os rios na Antiguidade favoreceu o surgimento dos primeiros núcleos urbanos no mundo, as praias e as áreas estuarinas sofreram primariamente o impacto do crescimento demográfico mundial (KOMAR, 1998). As praias são ambientes instáveis, submetidos a constantes mudanças na sua morfologia e processos hidrodinâmicos.

As praias são consideradas pela Lei Estadual nº 13.796, de 30 de junho de 2006, como:

áreas cobertas e descobertas periodicamente pelas águas, acrescidas das faixas subseqüentes de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.

A faixa praial do presente estudo está situada entre as praias do Caça e Pesca e da Boca da Barra da Sabiaguaba, no entorno da desembocadura fluvial. Apesar de a margem direita fluvial da foz ser popularmente conhecida como Boca da Barra da Sabiaguaba, este território está inserido de fato no bairro Edson Queiroz. O bairro Sabiaguaba não tem limite com a foz do rio Cocó. Entretanto assim é chamado popularmente.

Figura 16. Foz do rio Cocó e visão parcial da faixa praial. Nota-se o afloramento de beach rocks.

As principais feições componentes da faixa de praia, sentido oceano-continente são a antepraia, o estirâncio, o berma e o pós-praia. Conforme Santos (2011, 2016), a antepraia é onde fica situada a zona de arrebentação, normalmente submersa e a zona de surfe, normalmente indissociáveis. Após essa zona, ocorre o espraiamento das ondas formando a face da praia. Na antepraia da Sabiaguaba e Caça e Pesca é comum a presença de afloramentos de beach rocks (arenitos de praia).

Beachrocks ou arenitos de praia: são corpos rochosos alongados e estreitos, que se encontram dispostos paralelamente à linha de praia podendo se estender na direção do mar, constituídos por areias de praia cimentadas por carbonatos podendo apresentar seixos e restos de conchas. Sua espessura, em geral não ultrapassa dois metros e funcionam como anteparo natural para dissipação da energia das ondas, protegendo as praias da erosão (Lei Estadual nº 13.796, de 30 de junho de 2006).

O estirâncio é a faixa de terrenos situada entre a linha da maré mais baixa e a maré alta, sujeito a efeitos diários das amplitudes de maré (Santos, 2011). Nessa zona, os sedimentos são constantemente lavados pela maré. Após o estirâncio se encontra a feição de berma.

Esta apresenta uma superfície de topo horizontal ou em suave mergulho em direção ao continente e a superfície frontal com mergulho mais acentuado em direção ao mar. Segundo Santos (2011, p. 201), esta “feição morfologicamente é identificada como

um ressalto (declive) em direção ao mar ao passo que em seu reverso apresenta, por vezes, aclives suavizados”. O berma é funciona como divisão entre o estirâncio e o setor pós praia. Já o setor pós praia, para o autor supracitado, é definido genericamente como terras de transição entre a praia propriamente dita e os terraços marinhos.

Segundo a Lei Estadual nº 13.796, de 30 de junho de 2006, berma é uma “porção horizontal do pós-praia constituído por material arenoso e formado pela ação

das ondas e em condições do nível do mar atual”. Em geral, no Estado do Ceará

apresenta-se bastante estreita e margeando toda a faixa de praia.

O Glossário de termos geológicos e ambientais aplicados às geociências, elaborado por Barros (2006), a define como “porção horizontalizada da praia ou pós-

praia formada pela sedimentação por ação de ondas acima da linha de preamar média”.

As praias geralmente são compostas de terrenos desnudos, caracterizados pela ausência de cobertura vegetal, exceto em trechos do berma e pós-praia, que é onde se pode encontrar a vegetação pioneira herbácea adaptada à salinidade e aos componentes climáticos locais (ARCADIS LOGOS, 2015).

Em termos de geologia, está localizada sobre os Depósitos Sedimentares Cenozóicos, compostos “por sedimentos de origem continental e marinha que foram

depositados ao longo do tempo geológico através dos processos deposicionais”

(SANTOS, 2006, p. 55).

Na faixa de praia há uma predominância de Neossolos Quartzarênicos. Os Neossolos Quartzarênicos possuem solos profundos a muito profundos, excessivamente drenados, arenosos, de relevo plano a suavemente ondulado e ondulado, e estão sujeitos a intensos processos de lixiviação, são distróficos, com baixa fertilidade natural, relativa acidez e alta salinidade (Souza et al, 2011).

As principais fontes de sedimentos desta faixa praial são a dinâmica estuariana (Cocó), deriva litorânea (transporte marítimo) e dinâmica eólica (ventos com direção dominante de leste a sudeste), estando sobre contínuas influências destas forças.

Em termos de biodiversidade, a formação vegetacional encontrada nesta geofácie corresponde à Vegetação Pioneira Psamófila (restinga), do tipo rasteira (herbáceas e gramíneas), encontrada nos ambientes de pós-praia, na feição de berma.

Em virtude da ação das marés e ondas, a vegetação não consegue se desenvolver fixamente na zona de estirâncio (ante praia) e na faixa de praia (durante as marés de sizígia conjugada com ondas swell).

As restingas são importantíssimas para o ambiente, pois ajudam a fixar as areias quartzosas e a evitar a erosão das praias. Portanto tem grande contribuição com a estabilização de ecossistemas costeiros, como os manguezais. Contribui nos processos de pedogênese (desenvolvendo solos ácidos), pelo aporte de matéria-orgânica e de retenção de umidades no substrato (SEMACE, 2016). Além disso, suas espécies vegetacionais são locais muito procurados para a desova das tartarugas34 (comum na Praia de Sabiaguaba), por se abrigarem da ação das ondas. Aves, inclusive migratórias utilizam a restinga para descanso e alimentação. São ainda consideradas APP, quando associadas às dunas ou mangues.

As restingas são consideradas ecossistemas associados ao bioma Mata Atlântica. Isso está descrito no artigo 2º da Lei Federal Nº 11.428, de 2006 e a previsão também está prevista no Decreto Federal Nº 6.660/2008, que regulamentou a referida lei. Esta previsão reforça a importância da conservação e recuperação ambiental deste ecossistema.

Segundo o artigo 2º, inciso VIII da Resolução do CONAMA Nº 303/2002, a restinga é um:

depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas restingas ocorrem em mosaico, e encontra- se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivos e abóreo, este último mais interiorizado.

O Código Florestal atual trouxe praticamente a mesma definição, conforme artigo 3º, inciso XVI:

depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes

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Existe um projeto denominado GTAR - Grupo de Estudos e Articulações sobre tartarugas marinhas (Instituto Verde Luz) que desenvolve ações em parceria na Casa Camboa (Sabiaguaba).

comunidades que recebem influência marinha, com cobertura vegetal em mosaico, encontrada em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado.

Existe uma discussão jurídica sobre a validade da Resolução do CONAMA Nº 303/2002 face à aprovação do novo Código Florestal (Lei Federal Nº 12.651/2012), pois alguns dispositivos desta nova Resolução do CONAMA foram incorporados ao Novo Código Florestal, o que alguns entendem como revogação tácita. De qualquer maneira, a forma de proteção defendida pela Resolução CONAMA Nº 303/2002 é bastante interessante para resguardar as restingas, onde se prevê a proteção:

a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima; b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues.

Ainda que exista uma abordagem da restinga do ponto de vista geomorfológico e outra do ponto de vista vegetacional, gerando confusão entre os conceitos, existem autores que consideram que existe restinga no estado do Ceará do Ceará, inclusive Fortaleza, na área do presente estudo, tal como o ZEE SEMACE (2016). Diante dessa abordagem ambígua, dentro da área de estudo adota-se a restinga (do ponto de vista como fixadora de dunas e mangues, conforme o Código Florestal) como abrangendo a faixa praial, terraços marinhos e campo de dunas. O Código Florestal inclui as restingas como estabilizadoras de mangue, além da própria fixação de dunas.

As espécies encontradas na faixa praial são a salsa (Ipomoea pes-caprae), oró (Phaseus pondeiratus), bredinho-da-praia (Iresine portulacoides), cipó-da-praia (Remirea maritima), entre outras (MEIRELES et al, 2001). Também é muito comum a

Figura 18. Espécies da flora encontradas na faixa praial. Imagem à esquerda Cyperus crassipes. Foto do Autor (2017). Identificada por Leonardo Jales. Imagem à direita Feijão-de-porco (Canavalia

rósea). Foto de Leonardo Jales e identificada por Cristiane Snak.

Considerando que a faixa de praia desta área de estudo está localizada junto ao oceano e ao estuário, esta apresenta forte atrativo populacional, demandando atividades econômicas associadas ao comércio e serviços, principalmente ligados ao turismo. A beleza paisagística do mar e do rio, a possibilidade de navegação fluvial por barcos na foz, esportes náuticos, gastronomia das barracas locais e a balneabilidade (razoável) são fatores que atraem ampla visitação nesta faixa praial. A balneabilidade melhora em virtude da salinidade, que ajuda na depuração de nutrientes. Entretanto nem todos os usos são ordenados e podem contribuir para a intensificação de impactos ambientais negativos. Em termos de feição praial, na margem esquerda e direita, tem ocupações na faixa de praia e pós-praia. Esta ocupação gera riscos aos próprios ocupantes, tendo em vista os procesos de erosão costeira, que são atenuados neste setor pela deposição de sedimentos eólicos, marinhos e fluviais. O fator de relativa conservação das Dunas da Sabiaguaba e do Cocó (bairro Dunas) atenua esse risco. Entretanto importante mencionar que a ocupação na zona de berma eleva o potencial erosivo da zona de praia, em virtude de que esta zona deixa de contribuir para o aporte de sedimento para a deriva litorânea. Marés de sizígia (cerca de 3 metros de altura) associados à entrada de ondas swell de norte (com direção primária de Norte-Nordeste) e ao baixo estoque de sedimentos para recomposição do perfil de praia são fatores potencializadores de índices erosivos.

As comunidades que ocupam parcialmente a faixa praial são Sabiaguaba e Caça e Pesca.