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No extrato 76, a professora C, depois de ter dito que haviam apenas três caminhos, ao ver um caminho novo apresentado pela entrevistadora, se dá conta que há outros mais ainda. Segundo Piaget (1985, p. 7), a atualização de uma ideia, ou seja, quando a professora entende que o novo caminho é possível, geralmente abre novas possibilidades a esta ideia, como quando a professora C diz, “agora que

eu vi isso, consigo ver que tem outras formas [..]”. Queremos dizer que, ao

compreender que havia outro caminho, a professora C compreende que há vários caminhos na verdade. A professora entende que existem várias maneiras de o boneco vermelho chegar até a casa, e ao ser questionada sobre quantos caminhos eram possíveis, a professora diz que são muitos e que não saberia dizer quantos. No final do extrato a professora traz novamente a questão da bagunça e do controle, quando diz “Mas fica difícil, né, porque eles são muitos e eu sou só uma e isso ia ser

uma bagunça, ah ia”. A professora C havia se manifestado no início da entrevista da

mesma forma, no extrato 70, em relação à bagunça, onde ela nos conta como é um dia de aula dela. Becker (2012, p. 99), fala sobre epistemologia centrada em disciplina e controle:

[...] a professora tem que passar o "saber" para o aluno e este tem que se "comportar", ficar quieto, atento para não perder a lição que a professora apresenta e que o aluno deve internalizar. Assim, legitima-se epistemologicamente uma pedagogia que, por sua vez, legitima todo comportamento policialesco da disciplina escolar. Em nome do progresso do conhecimento, exercer-se-á o controle do comportamento. Amaciar esses controles [...] não faz parte da lógica desse sistema educativo que acredita na eficiência dos controles disciplinares. (BECKER, 2012, p. 99) A entrevistadora mostra, então, a Figura 32 para a professora e diz: “aqui eu tenho dois quadrados, um azul e outro vermelho e sobre eles tenho quadradinhos pretos, todos do mesmo tamanho. Onde sobra mais espaço colorido, no quadrado vermelho, no quadrado azul, ou sobra a mesma coisa nos dois quadrados?”.

Figura 32 - Imagem nº 1 utilizada na questão sobre subtração de áreas

A professora responde: “acredito que o mesmo espaço, porque juntei os

quadrados menores formando um retângulo e fiz a mesma coisa com o outro”. Nesta

fala a professora explica que reúne os quadradinhos que estão sobre o quadrado azul e que faz o mesmo procedimento quanto aos quadradinhos que estão sobre o quadrado vermelho, e depois compara os dois retângulos que formou. A professora então nos mostra que a sua estratégia é a comparação, e deixa isso mais claro quando a entrevistadora mostra a imagem seguinte e repete a pergunta.

Figura 33 - Imagem nº 2 utilizada na questão sobre subtração de áreas

Respondendo a questão quanto à Figura 33, a professora C diz: “acho que o

espaço que sobra no vermelho é maior do que no azul. Sobra mais espaço porque, na minha mente, parece que falta algum espaço pra formar a forma do vermelho”.

Neste caso, percebemos que a professora tenta fazer o mesmo procedimento que utilizou na pergunta anterior, mas, talvez por o desenho ser mais complexo que o anterior, a professora não consegue concluir corretamente. Então a entrevistadora diz: “Eu entendi que tu reuniste mentalmente os quadradinhos pretos sobre cada quadrado e depois comparou os retângulos resultantes sobre cada quadrado colorido, estou certa?”. A professora C concorda e a entrevistadora prossegue: “tu achas que existe outra estratégia que pode ser utilizada para resolver esta questão?”. A professora diz que não sabe, que é possível que exista, mas que não consegue pensar em outra.

Na próxima questão da entrevista mostramos um geoplano e perguntamos se a professora C conhecia.

Figura 34 - Imagem nº1 utilizada na questão sobre áreas com geoplano

A professora C diz que já ouviu falar em geoplano, mas que nunca utilizou um. A entrevistadora explica, sempre indicando com o dedo de qual prego ou distância está falando: “este geoplano é feito de madeira, e tem vários pregos. A distância entre um prego e o próximo à sua direita ou à sua esquerda é a mesma. Da mesma forma, a distância entre um prego e o próximo acima ou abaixo deste também são iguais. O espaço entre quatro pregos (mostra com o dedo os quatro pregos a que está se referindo) tem uma unidade de área. Vou fazer uma figura com um elástico envolvendo alguns destes pregos do geoplano e eu gostaria que tu me dissesses quanto de área tem esta figura (Figura 35), ok?”.

Figura 35 - Imagem nº 2 utilizada na questão sobre áreas com geoplano

A professora C diz: “me pegou agora, não sei nada de área, deixa eu pensar,

antes tu me disse que quatro pregos valiam um de área, então agora deve ser três de área”. Perguntamos como a professora fez para pensar e responder, e ela

explica: “eu pensei assim, se antes tina quatro pregos e era um, agora que tem doze

pregos é três. Errei né? Eu nunca tive aula disso, aliás, nunca tive aula de nada disso de geometria, o que sei fui aprendendo sozinha, e área não sei mesmo. Na verdade eu não sabia o que fazer e inventei uma regra”. Mais uma vez uma

professora relata que não teve contato com geometria na escola e mais uma vez perguntamos, como a professora pode ensinar um conteúdo que ela desconhece?

Nesta entrevista inicial, a Professora C nos diz ter dificuldade em geometria, relata que não aprendeu geometria no seu percurso escolar, e a partir de suas falas inferimos que sua concepção epistemológica se aproxima de uma concepção empirista e seu modelo pedagógico parece ser diretivo. Ficamos então com esta ideia e procuraremos mais indícios em seus diálogos e propostas pedagógicas no Curso para confirmar.

4.3.2 Análise das reconstruções da professora C a partir do Curso

Os dados analisados a partir de agora são os registrados pela professora C durante o curso. Nosso objetivo foi o de encontrar indícios que nos levassem a compreender se houve alguma reconstrução em sua concepção epistemológica e nos seus conceitos matemáticos.

A professora posta no primeiro fórum do curso:

“Para mim, a criança constrói a noção de espaço, desde a vida intrauterina, pois a medida que este corpinho vai crescendo, vai ajustando-se lentamente dentro do mesmo. Após, ela irá interagir com os espaços externos de sua própria casa, ou fora dela... Tentando entrar e sair de caixas, tubos... com ou sem amigos... ou seja brincando. Tentando encaixar e tirar objetos um de dentro do outro. Após, penso que ela tentará reproduzir tudo que experimentou, desenhando em uma folha plana de papel. A criança aprende mais, na medida em que tiver mais experiências desafiadoras, sozinha ou com colegas, sendo incentivada por familiares ou professores!”