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Joana loBo antunes; antónio Granado & ana m. sanChez joanala@itqb.unl.pt; agranado@fsch.unl.pt; asanchez@itqb.unl.pt

Universidade Nova de Lisboa Resumo

São muitas as etapas em que a comunicação afecta o sucesso de um cientista. Neste projecto, promovemos o desenvolvimento da escrita e da oralidade, com o pressuposto de que comunicar em ciência, seja para pares seja para leigos, é saber comunicar.

A subvalorização da comunicação em ciência no meio académico tem-se reflectido em poucas oportunidades de formação. No entanto as necessidades dos cientistas são cada vez maiores: para publicar resultados nas revistas com maior impacto, na competição entre pares para obter financiamento, e na demonstração do impacto que a sua investigação tem na sociedade, que tem sido uma exigência crescente das agências de financiamento. Torna- se assim necessário que os investigadores aprendam a dirigir-se a diferentes públicos e que a mensagem seja transmitida com a maior eficácia.

Para preencher esta lacuna, criámos um curso intensivo de três dias, dirigido a doutorandos da Universidade Nova de Lisboa, que inclui escrita de artigos científicos, improvisação teatral e storytelling, e media training. O objectivo é levar os participantes a descodificar e estruturar a sua mensagem científica para pares e leigos. Em vez de se centrar na listagem de factos, o curso promove a capacidade de diálogo e de ir ao encontro do público-alvo.

Após seis edições, os resultados apontam para uma elevada satisfação por parte dos alunos levando-nos a pensar que este é um modelo que deve ser explorado no futuro.

Palavras-Chave: Comunicação de ciência; formação em comunicação; formação de cientistas; media training

para cientistas

A comunicação e divulgação da ciência têm sido encaradas pela comunidade científica de um modo parcial, centrando-se quase exclusivamente na descodifica- ção de temas científicos para leigos. No entanto, são muitas as etapas em que uma comunicação eficaz pode determinar o sucesso das actividades do cientista.

Ao longo do seu percurso profissional os cientistas têm de comunicar o seu trabalho para diferentes tipos de audiência. Antes de mais para os seus pares, com quem partilham o terreno e a linguagem mais técnica e codificada e com quem podem falar sobre os resultados e partilhar experiências. Ao terem resultados pertinentes para figurar em congressos ou artigos científicos, devem ser capazes de escrever de forma inteligível para os seus pares de outros países e grupos de investigação. A comunicação oral, ainda que para pares, tem especificidades dife- rentes das requeridas para uma boa comunicação por escrito – o tom de voz, a postura perante a audiência, os slides que se mostram e a maneira como se monta a

narrativa seguem regras diferentes. Mas ainda assim, as regras da boa comunicação são as mesmas – incluindo a capacidade de contar “a história”.

Há ainda momentos em que se escrevem projectos para obtenção de finan- ciamento nacional ou internacional. Ainda que a linguagem técnica continue a ser não apenas admissível como desejável, já que o leitor alvo é alguém da área e com competências técnicas idênticas à do investigador que submete o projecto, é neces- sário sensibilizar e convencer os avaliadores da pertinência, inovação e importância da proposta que se apresenta face aos seus prováveis concorrentes. É necessário então ser capaz de um marketing pessoal e profissional, que implica uma boa capa- cidade de exposição e distanciamento de si mesmo.

A clareza do discurso e a capacidade de diálogo são a chave para conseguir iniciar um processo colaborativo com colegas investigadores mas de outras áreas do saber. Os projectos interdisciplinares permitem uma abordagem a problemas que cruzem diferentes competências, mas se não se conseguir fazer pontes de descodi- ficação com colegas que não partilham a linguagem e conceitos mais específicos de uma área essas oportunidades acabam por ser desperdiçadas.

Por fim, existem os momentos que muitos cientistas anseiam e a grande maioria teme – o contacto de um jornalista interessado na sua investigação ou nos seus resultados mais recentes. O reconhecimento que a sociedade em geral faz do trabalho do cientista é um momento de grande satisfação profissional, provocando sentimento de pertença e de real contributo para o bem comum. No entanto, para que o contacto com um jornalista seja bem sucedido os investigadores têm de ser capazes de identificar antecipadamente os pontos de interesse do seu trabalho e conseguir sublinhar os pontos mais importantes de forma clara.

A comunicação desempenha um papel central, transversal a toda a prática cientí- fica e é por isso cada vez mais importante desenvolver competências de comunicação. Em qualquer das situações, de pares a leigos, o cientista tem a difícil tarefa de conseguir demonstrar de forma eficaz para cada um desses públicos a importância dos estudos que pretende realizar, da lógica dos seus argumentos, da relevância das suas descobertas, ou da pertinência das suas conclusões. São muitos os que se sentem perdidos quando é necessário usar um código de linguagem que não o do seu jargão quotidiano, que apenas é familiar aos seus pares mais próximos. Adquirir competências que permitam dominar a comunicação de uma forma transversal é neste momento central e indispensável a todos que pretendem ter uma prática cien- tifica bem-sucedida e com capacidade de auto-análise.

Embora nem todos os cientistas sejam naturalmente dotados para comunicar, há competências que se podem adquirir. Mesmo tratando-se de ferramentas dirigi- das a áreas específicas, os resultados fazem-se sentir a vários níveis. Por exemplo, ao escrever um artigo científico apercebemo-nos que explicar uma ideia de forma clara e concisa nos obriga a focar no essencial, distinguindo-o do que é acessório, o que por sua vez torna mais fácil simplificá-lo para um público leigo. Por outro lado, ao treinar falar para não especialistas, cria-se um certo distanciamento das próprias

ideias, o que traz novas perspectivas sobre o trabalho que se desenvolve e permite antecipar críticas dos pares.

A subvalorização da comunicação em ciência tem-se reflectido numa fraca disponibilidade de oportunidades para desenvolver competências nesta área nos meios científicos. Neste projecto, abordamos a comunicação de um modo abran- gente, promovendo não apenas o aumento de oportunidades de formação em comu- nicação para cientistas como o desenvolvimento de competências tanto ao nível de escrita como da oralidade, com o pressuposto de que comunicar em ciência, seja para pares seja para leigos, é saber comunicar.

É fundamental que os cientistas se envolvam na comunicação da sua investigação, não apenas porque isso é eficaz do ponto de vista das expectativas do público que considera que a informação científica deve ser veiculada por jornalistas e cientistas em estreita colaboração (Directorate-General for Communication, 2007), como porque as agências financiadoras requerem um maior envolvimento dos investigadores na sociedade em que se inserem.

Sabemos também que a maioria dos cientistas envolvidos nalguma actividade de divulgação de ciência fá-lo por motivação intrínseca e está interessada em repe- tir a experiência e explorar novos formatos (Poliakoff , 2007, Bauer, 2011, Kyvik, 2005, Bentley, 2011). Dos estudos disponíveis sobre a comunidade científica em Portugal, os investigadores que têm colaborado neste tipo de acções têm referido sentir apoio e incentivo dos seus colegas de trabalho, e não apenas estão interes- sados em continuar a contribuir no futuro como em estimular mais colaboradores para que também o façam. Têm reportado sentir-se recompensados a vários níveis: pessoalmente, profissionalmente e pela interacção com os seus co-cidadãos. No entanto, têm também referido vontade e necessidade de formação específica nesta área (Godinho, 2012; Guedes Vaz, 2012).

Estudos sobre os efeitos de formação em comunicação de ciência para cientis- tas em Portugal revelam que com a aquisição de competências comunicacionais os investigadores se sentem de facto mais confiantes para enfrentar novas audiências, mais motivados para empreenderem actividades de disseminação da sua ciência e com vontade de aprofundar estes conhecimentos (Bettencourt-Dias, 2004).

Para preencher a lacuna de formação em comunicação de ciência foi criado um módulo de formação dirigido a todos os estudantes de doutoramento da Universidade Nova de Lisboa, enquadrado na Escola Doutoral da Universidade. Este curso intensivo de três dias tem como objectivo ajudar os participantes a descodifi- car e estruturar a sua mensagem científica para pares, investigadores de outras áreas científicas e público leigo interessado. Ao longo dos três dias são abordadas verten- tes diferentes e complementares que a comunicação da ciência deve ter. No primeiro dia discutem-se as técnicas e estratégias para a escrita de um artigo científico, que será avaliado e lido por pares da mesma área. No segundo dia desenvolvem-se competências para a comunicação oral de resultados científicos, usando técnicas teatrais e de storytelling, tendo como público-alvo investigadores de outras áreas

científicas. No terceiro dia depura-se a transmissão da mesma mensagem mas para público generalista, através dos media: escrevendo um artigo para um jornal diário de grande tiragem e sendo entrevistado para televisão. Em cada um desses dias os alunos de doutoramento da Universidade Nova de Lisboa vão sendo guiados por especialistas em cada um desses temas; na primeira sessão por investigadores e comunicadores com currículo extenso em artigos científicos publicados, na segunda sessão por actor e comunicadora de ciência, no terceiro por jornalistas e professores de jornalismo. A base do trabalho assenta na capacidade de dialogar e ir ao encontro do público-alvo, em vez de se centrar apenas na listagem das suas experiências, resultados e conclusões.

Dos resultados preliminares da avaliação dos formandos em relação aos cursos e às suas aplicações futuras, concluímos que não apenas conseguimos dotá-los de ferramentas básicas que podem usar na sua prática científica regular, como também conseguimos sensibilizar os investigadores para a importância e a necessidade de se trabalhar a descodificação para diferentes públicos. Desta forma, estes inves- tigadores tornam-se melhores comunicadores, embaixadores do nosso projecto (entusiasmando outros a segui-lo), e mostrando-se disponíveis para aprofundar os seus conhecimentos nesta área e a colaborar com as unidades de comunicação na difusão do conhecimento científico para o público em geral.

Os resultados dos inquéritos aplicados aos 70 alunos do curso revelam uma elevada satisfação com os conteúdos programáticos e as competências adquiridas - 98.6% acharam clara a informação recebida e 100% declararam que recomendariam a formação aos seus colegas.

Em relação aos aspectos que segundo os alunos mais contribuíram para a sua aprendizagem, a grande maioria (95.7%) apontou as discussões em sala de aula como o mais marcante, logo seguido das apresentações dos estudantes (92,9%). Misturando estes cursos alunos de doutoramento de todas as unidades orgânicas da universidade, desde as ciências sociais, humanidades, ciências médicas, enge- nharias, passando pelas ciências exactas, verificar que estimular a descodificação da mensagem entre pares de profissão ainda que de áreas diferentes, que tinha sido identificada por nós como uma vantagem do curso, foi sentida dessa forma pelos participantes. A interdisciplinaridade dos alunos tem sido um factor determinante no salto qualitativo na capacidade de exposição dos temas de investigação ao longo da formação. A criação de um espaço de confiança entre formadores e formandos, o respeito pelo trabalho de todos e o interesse genuíno por compreender o alcance e relevância da investigação dos outros tem feito com que seja possível mostrar o espaço para melhoramento na forma e conteúdo que cada um escolheu para apre- sentar o seu trabalho. Desta forma, as críticas encontram eco e encaixe no receptor da mensagem, fazendo a diferença na sua evolução como comunicadores.

Quando questionados sobre o corpo docente do curso, as qualidades mais apontadas pelos alunos são as de “estimular o raciocínio e o interesse pela matéria” (82.9% concordo totalmente e 17.1% concordo), “estimulou a colocação de questões

e participação na aula (80% concordo totalmente e 20% concordo) e “respondeu às questões e respondeu de forma satisfatória” (80% concordo totalmente e 18.6% concordo). Esta avaliação suporta as conclusões acima sustentadas.

Na avaliação geral os estudantes parecem ser unânimes em considerar que o conhecimento adquirido nesta formação será útil para o seu desenvolvimento profissional (88% concordo totalmente e 12% concordo) mais do que para o desen- volvimento pessoal (68% concordo totalmente e 28% concordo).

No geral, os estudantes manifestaram um elevado grau de satisfação com o curso, com as competências adquiridas e a experiencia de vida que partilharam nas salas de aula. O único aspecto negativo que foi indicado foi a duração e intensidade do curso, foi mencionado que seria útil dividir-se a formação por níveis de aprofundamento.

As várias edições do curso de comunicação de ciência da Escola Doutoral da Nova (6 edições em 2013, 3 já agendadas para 2014) têm sido livres de custos para os formandos, tendo até agora sido assegurados inteiramente pela Reitoria da Universidade Nova de Lisboa. Este é sem dúvida um dos factores de sucesso e adesão das várias edições esgotadas do curso, tal como verificou também a equipa da ESConet (European Science Communication Network) no relatório final das suas actividades. ESConet foi uma rede europeia que se constitui de 2005 a 2010, tendo sido durante esse tempo responsável pela administração de cursos em comunicação de ciência a cidadãos de 17 países europeus. No final de 2010, depois de mais de 400 investigadores formados e muitos mais em lista de espera para frequentar os seus cursos, tendo finalizado o financiamento europeu que permitia garantir as forma- ções verificaram que ao passar os custos para os cientistas estes declaravam não terem fontes de financiamento próprias para poderem suportar as acções (ESConet trainers 2011, Miller 2009).

Com o crescimento da comunidade científica, em número e em produtividade, é fundamental continuar a dotar os investigadores de ferramentas que permitam uma melhor comunicação do seu trabalho. Parece-nos também importante sensi- bilizar as instituições, universidades e institutos, para a importância de financiarem estas formações. Pelos nossos resultados preliminares, o retorno do investimento feito nestas competências será dado pela capacidade dos cientistas representarem as respectivas instituições com brio e clareza junto dos cidadãos.

referêncIAs BIBlIográfIcAs

Directorate-General for Communication (2007). Scientific research in the media – Special Eurobarometer

282. European Union.

Poliakoff , E. & Webb, T. L. (2007). What factors predict scientists intentions to participate in public engagement of science activities?. Science Communication, 29,242-63.

Bauer, M. & Jensen, P. (2011). The mobilization of scientists for public engagement. Public Understanding

of Science, 20 (1), 3-11.

Kyvik, S. (2005). Popular science publishing and contributions to public discourse among university faculty. Science communication, 26 (3), 288-311.

Bentley, P. & Kyvik, S.(2011). Academic staff and public communication: a survey of popular science publishing across 13 countries. Public Understanding of Science, 20 (1), 48-63.

Godinho, A.; Agostinho, M,; Mota, P.; Pereira, S.; Pires, F.; Sanchez, A. & Santos, J.(2012). Going beyond the ‘science fair’ approach: engaging scientists in reflective, long-term science communica- tion. In 12th International Public Communication of Science and Technology Conference Book of

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Guedes Vaz, S.; Pinto, B. & Marçal, D. (2012). Communicating Science through Laughter. A project on stand-up comedy on science. In 12th International Public Communication of Science and

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Bettencourt-Dias, M.; Godinho Coutinho, A. & Araújo, S. (2004). Strategies to promote science communication:organization and evaluation of a workshop to improve the communication between Portuguese researchers, the media and the public. Comunicação e Sociedade, 6, 89-112.

ESConet Trainers (2011). Workshops in science communication Final Report. Disponível em http:// esconet.files.wordpress.com/2012/09/esconet_trainers_final_report.pdf

Miller, S.; Fahy, D. & The ESConet Team (2009). Can Science Communication Workshops Train Scientists for Reflexive Public Engagement?: The ESConet Experience. Science Communication, 31, 116-126.