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Tal processo se passou na Europa. No Brasil colonial, a família era uma organização fundamental, a qual desempenhava duas funções primordiais: a função econômica e a função política. Com o domínio dos portugueses, as famílias foram perdendo suas próprias maneiras de viver para incorporar novos padrões culturais impostos por esses invasores, que trataram de “destruir” tudo que fosse contrário a sua cultura e religiosidade. E, gradativamente o trabalho dos índios foi substituído pela mão-de-obra escrava, devido às vantagens do africano no que se refere ao esforço agrário.

Assim, a formação social da família brasileira foi marcada pelos padrões culturais e religiosos dos portugueses, e nesse sentido, “perde o indígena a capacidade de desenvolver-se automaticamente tanto quanto a de elevar-se de repente, por imitação natural ou forçada, aos padrões que lhe propõe o imperialismo colonizador” (Freyre: 2006; 177).

De acordo com Gilberto Freyre, nos engenhos de cana-de-açúcar dos séculos XVI e XVII, havia uma estrutura doméstica patriarcal, fundada na autoridade do homem, que era, ao mesmo tempo, dono do poder econômico e do poder político. Os casamentos eram realizados por conveniências, entre parentes ou pessoas do mesmo grupo econômico, isto para manter o padrão social, não dividir a riqueza e efetivar as alianças. Nessa época os casamentos eram escolhidos pelos pais e desses matrimônios geravam muitas vezes a infelicidade da mulher.

“As meninas criadas em ambiente rigorosamente patriarcal, estas viveram sob a mais dura tirania dos pais – depois substituídas pela tirania dos maridos” (Freyre: 2006; 510). Se por um lado existia o controle da sexualidade feminina, por outro lado, a sexualidade masculina era exercida naturalmente.

Através dessa estrutura opressiva a mulher foi submissa ao marido, a quem tratava como “Senhor”. Por outro lado, tinha ajuda das escravas, as quais faziam companhia, realizava os serviços domésticos, cuidava da cozinha e das crianças. Os filhos das sinhá- moças cresciam junto dos filhos das escravas, tornando-se objeto24 de seus caprichos. Portanto,

24 “Nas brincadeiras, muitas vezes brutas, dos filhos dos senhores de engenho, os moleques serviam para tudo: eram bois de carro, eram cavalos de montaria, eram bestas de almanjarras,

“A família patriarcal era um extenso grupo composto pelo núcleo conjugal e sua prole legítima, ao qual se incorporavam parentes, afilhados, agregados, escravos e até mesmo concubinas e bastardos, todos abrigados sob o mesmo teto, na casa grande ou na senzala” (Bruschini: 1997; 68).

Sendo assim, o modelo de família patriarcal influencia na organização da família brasileira, deixando marcas da relação de poder e do preconceito contra a mulher, negros, crianças e adolescentes.

Com as transformações ocorridas no século XIX, a urbanização e o início da industrialização trazem mudanças significativas para a família. Esta vai perdendo as funções econômicas e políticas, passando a ter atribuições de procriação.

No século XX, a mulher ingressa no mercado de trabalho e os casamentos começam a ser realizados por interesses individuais, passando a educação a fazer parte da vida doméstica das mulheres, fato que se refletiu na educação dos filhos. Todas essas mudanças alteram profundamente os papéis de gênero e a estrutura familiar (Guerra: 2001).

Diante desse novo contexto, a família passa por um processo de evolução dentro da própria estrutura. Assim, identificamos alguns fatores que contribuíram para tais modificações:

1- As mudanças estruturais na realidade política e econômica do país, com a expansão do capitalismo no final da década de 1960, ampliando o trabalho feminino no mercado de trabalho. Vale ressaltar, que a participação da mulher na produção social, ocorre desde a década de 20 com a industrialização e não se define apenas pelas condições de mercado, mas pela

sua posição na família, como filha, esposa e mãe, assumindo uma dupla jornada, no espaço privado e no espaço público.

2- A concepção de direitos entre homens e mulheres – os papéis estabelecidos tendem a se modificar não só no lar, mas também no trabalho, na rua e em outras atividades. Esses avanços devem-se aos questionamentos e críticas dos movimentos feministas. De acordo com Guerra, os estudos sobre a mulher levaram á constatação de um único e possível caminho de libertação da mulher que seria: o trabalho fora de casa, a independência financeira, a negação das referências domésticas, maternais e familiares, marca da condição feminina (1997; 73).

3- A queda da taxa de fecundidade - devido ao acesso aos meios contraceptivos nos anos 1970, tanto pelas reivindicações feministas, quanto pela pressão do capital industrial que estabelecia sutis mecanismos de incentivo à redução da natalidade.

É nessa conjuntura de mudança do século passado, ou seja, dos fatores estruturais, da concepção de direitos na perspectiva de gênero, do ingresso da mulher no mercado de trabalho, que se dão as alterações na organização

familiar, e conseqüentemente na sua composição, com o aumento de

separações, divórcios, crescimento de famílias chefiadas por um dos cônjuges ou parceiros e pela diversidade na sua organização.

Neste sentido, queremos ressaltar que toda esta transformação demandou novos papeis familiares que dificultaram na educação dos filhos, seja pela presença ou ausência dos pais no apoio e orientação, ou ainda nos cuidados e responsabilidades dedicados a eles anteriormente. Podemos citar como exemplo: a necessidade da mulher buscar o sustento da família fora do

ambiente doméstico25, abrangendo as atribuições e responsabilidades da casa, das crianças e adolescentes a outros componentes como: pais, padrastos, avós, tios, vizinhos filhos mais velhos, ou ainda a terceiros.

No próximo item, continuarei a discorrer sobre as mudanças na família contemporânea e seus rebatimentos nas relações internas, aproximando do conceito de família reincidente.