• Nenhum resultado encontrado

4.2 PROFESSORES ARTISTAS: VIVÊNCIAS ENTRE TEORIA E PRÁTICA

4.2.3 É uma família, uma casa, uma mãe

É com essa frase306 que Teresa Poester descreve a Escolinha de Arte da UFRGS. A minha entrevista com ela aconteceu via áudio da rede social Facebook, pois em 2018 Teresa se aposentou do Instituto de Artes da UFRGS, do qual foi professora de desenho, e mudou-se para a França. Atualmente ela mora em Éragny-sur-Epte.

Teresa foi aluna da Escolinha de Arte da UFRGS na década de 1960, quando tinha cerca de 10 anos de idade. Natural de Bagé, cidade do interior do Rio Grande do Sul, mudou-se para Porto Alegre quando criança e diz que o primeiro lugar em que se sentiu acolhida foi na Escolinha. Teresa recorda que:

[...] Vim desse ambiente [casa em Bagé] de um pátio enorme, onde brincava com a natureza e tudo ao meu redor e cheguei a Porto Alegre, no Colégio Farroupilha, alemão, mais rígido. Foi um momento muito difícil, eu me sentia isolada no colégio. Tinha outra cultura, origem italiana, cabelo crespo e sotaque do interior. Então, minha mãe me colocou na Escolinha de Arte da UFRGS, e ali foi o primeiro lugar em que eu me senti acolhida em Porto Alegre. [...]307.

Teresa decidiu que seria artista na época em que frequentava a Escolinha. A sua decisão foi tomada ao ver os alunos do Instituto de Artes desenhando modelos vivos308. Além disso, conta também que se recorda de ter descoberto a sua vocação

305

MOREIRA, Jailton. Jailton Moreira: entrevista [abril 2018]. Entrevistadora: Flávia Alves. Porto Alegre: 2018. Entrevista concedida para a dissertação.

306

POESTER, Teresa. Teresa Poester: entrevista [abril 2018]. Entrevistadora: Flávia Alves. Porto Alegre: 2018. Entrevista concedida para a dissertação.

307

POESTER, Teresa. Entrevista com Teresa Poester: “A gente acha que vai transformar o mundo e o mundo acaba transformando a gente”. [Entrevista cedida ao site] Mulheres na arte

contemporânea. Disponível em:

https://mulheresnaartecontemporanea.wordpress.com/category/entrevistas-independentes. Acesso em: 23 jun. 2018.

308 POESTER, Teresa.

Entrevista com Teresa Poester: “A gente acha que vai transformar o mundo e o mundo acaba transformando a gente”. [Entrevista cedida ao site] Mulheres na arte

artística, ainda na adolescência, em um momento quando fazia uma figa de argila durante uma aula na Escolinha: “uma vez fiz uma figa de tamanho natural e aquilo me fascinou: eu achei que seria muito feliz se fosse escultora, tocar no barro como se sentisse vida nele [...]”309

.

Já adulta, em 1978, Teresa retorna à Escolinha para fazer o CIAE, quando era aluna dos cursos de Bacharelado em Desenho e de Licenciatura em Educação Artística do Instituto de Artes da UFRGS. No ano seguinte, torna-se professora da Escolinha, permanecendo nesse trabalho até 1993.

Teresa informa que começou a gostar de dar aulas na Escolinha. Ela foi professora de crianças, adolescentes e adultos, quando diz ter aprendido a trabalhar com diferentes expressões artísticas: plásticas, teatrais, dança e contação de histórias. “Eu, como tantos outros, certamente não seria o que sou, professora e artista, se não fosse minha passagem pela Escolinha de Arte [...]”,310

revela Teresa. Para Teresa, há uma relação indissociável entre o seu trabalho de artista e de professora, pois ambos são criativos. Da Escolinha de Arte da UFRGS, ela diz ter levado o espírito curioso da experimentação para a sua atuação como professora. Além da Escolinha, Teresa teve um extenso percurso como professora da graduação e da pós-graduação do Instituto de Artes, de 1987 até sua aposentadoria, em 2018.

Teresa é uma artista premiada e reconhecida no Brasil e no exterior, tendo uma trajetória profícua nas artes visuais. A esse respeito, Teresa comenta:

Meu percurso começou há muito tempo com desenhos figurativos e alegóricos, consequência da ditadura no Brasil, quando os artistas se expressavam por metáforas. Mais tarde, em Madri, o trabalho se transforma em pintura através do tema da paisagem que o conduz à abstração. A partir dos anos 2000, retorno a um desenho diferente do inicial. O trabalho é gestual, composto de gestos de texturas e não mais de contornos. Atualmente combina diferentes linguagens e tecnologias contemporâneas se abrindo a novos suportes311.

contemporânea. Disponível em:

https://mulheresnaartecontemporanea.wordpress.com/category/entrevistas-independentes. Acesso em: 23 jun. 2018.

309

POESTER, Teresa. Teresa Poester - Artista Plástica - 28 anos. [Porto Alegre: s. n.], 1982. Depoimento de Teresa Poester. Fonte: Arquivo Histórico do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

310

POESTER, Teresa. Uma malcriada. Zero Hora, Porto Alegre, 05 nov. 2005, Segundo caderno, p. 2.

311

POESTER, Teresa. Desenhos. Disponível em: http://www.teresapoester.com.br. Acesso em: 23 jun. 2018.

Para Teresa312, a liberdade de criação que havia na Escolinha a inspirou em seu trabalho como artista. Essa liberdade, porém, não é arbitrária. Ela complementa que, em suas obras, os seus traços são aparentemente aleatórios, mas, na realidade, são minunciosamente pensados. Outra inspiração que traz da infância é que ela usa em algumas de suas obras materiais voltados para crianças, como lápis de cor e caneta bic.

Como disse Teresa, a Escolinha de Arte da UFRGS: “é uma família, uma casa, uma mãe”. E foi nesse lar que Teresa viu nascer e crescer o seu interesse pela arte. As figuras 44 e 45 mostram desenhos de Teresa Poester: o primeiro, produzido aos 13 anos de idade, quando aluna da Escolinha e, o segundo, uma obra de 2009.

Figura 44 – Desenho de Teresa Poester realizado na Escolinha de Arte da UFRGS quando ela tinha 13 anos de idade.

Fonte: POESTER, Teresa. [Desenho de Teresa Poester com 13 anos]. [196-]. 1 desenho. Fonte: Arquivo Histórico do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

312

POESTER, Teresa. Teresa Poester: entrevista [abril 2018]. Entrevistadora: Flávia Alves. Porto Alegre: 2018. Entrevista concedida para a dissertação.

Figura 45 – Desenho a caneta bic sobre papel, 150 x 150 cm, Porto Alegre, 2009.

Fonte: TERESA, Poester. Portfólio. Disponível em:

http://www.teresapoester.com.br/download/Portofolio_Cliping_TPoester.pdf. Acesso em: 23 jun. 2018.

Para finalizar este item sobre os professores artistas, uma lista em ordem alfabética de todos os professores da história da Escolinha de Arte da UFRGS: Adriana Leão, Alice Brueggemann, Ana Luíza Azevedo, Ana Estrela, Beatriz Fleck, Berenice Gorini, Betina Stampe, Carlos Pasquetti, Cecília Bueno, Clecy Pasquetti, Dione Greca, Élida Tessler, Elton Manganelli, Eneida de Moraes, Eunice Coelho, Fábio Mentz, Gabriele Siqueira, Gení Mabília, Gisela Wäetge, Heloisa Schneiders, Iara de Mattos Rodrigues, Ieda Ranieri, Iracema Cafruni, Isabel Siegle, Jailton Moreira, Leda Flores, Lygia Rothmann, Marcus Camino, Maria Beatriz Rahde, Maria Beatriz Noll, Maria Elisabeth Dias, Maria Leda de Macedo, Maria Lúcia Varnieri, Mariana Ramos, Marília Barreto, Marilice Corona, Marly Nunes, Marta Collares, Moema Schreiner, Nalu Faria, Patrícia Haussen, Regina Olweiller, Ricardo Becker, Rosa Accorsi, Sandra Richter, Susy Rocha, Teresa Poester, Valkíria Borba, Vera Callegari, Yeddo Tietze, Zení Moraes313.

313

ASSOCIAÇÃO CULTURAL DOS EX-ALUNOS DO INSTITUTO DE ARTES DA UFRGS. Cinquentenário Escolinha de Arte da UFRGS 1960-2010. Porto Alegre: Algo Mais, 2010. Fonte: Arquivo Histórico do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A Escolinha de Arte da UFRGS fez parte do Movimento Escolinhas de Arte (MEA), que iniciou com a Escolinha de Arte do Brasil (EAB), no Rio de Janeiro, fundada em 1948, pelo artista plástico Augusto Rodrigues, a arte/educadora Lúcia Alencastro Valentim e a escultora norte-americana Margaret Spencer. A partir das experiências de arte/educação realizadas pela Escolinha de Arte do Brasil, muitas outras Escolinhas de Arte foram abertas em diversas cidades do país e também em outros países da América Latina, como no Uruguai, Paraguai, Chile e Argentina314. Na década de 1960, existiam 130 Escolinhas315 no país. No Rio Grande do Sul, estado brasileiro que mais aderiu ao MEA, chegou a existir mais de 30 Escolinhas de Arte, espalhadas em 17 municípios316.

A abordagem desta pesquisa sobre a Escolinha de Arte da UFRGS inserida na perspectiva do Movimento Escolinhas de Arte parte do conceito de “ressonância”, que para o historiador Stephen Greenblatt significa a permuta cultural entre as práticas envolvidas317. Segundo Greenblatt:

Por ressonância entendo o poder do objeto exibido de alcançar um mundo maior além de seus limites formais, de evocar em quem o vê as forças culturais complexas e dinâmicas das quais emergiu [...]318.

Neste trecho, Greenblatt refere-se a artefatos ou obras de arte, mas é também possível compreender o conceito de “ressonância” no âmbito das práticas culturais. No caso do Movimento Escolinhas de Arte, não se tratava de copiar o modelo da Escolinha de Arte do Brasil, mas de elaborar apropriações e construções próprias em cada Escolinha, de acordo com as peculiaridades de cada uma. Para Greenblatt, o “efeito de ressonância” desperta:

314

FRANGE, Lucimar Bello Pereira. Noemia Varela e a Arte. Belo Horizonte: C/Arte, 2001, p. 28. 315

FRANGE, Lucimar Bello Pereira. Noemia Varela e a Arte. Belo Horizonte: C/Arte, 2001, p. 28. 316

RODRIGUES, Iara de Mattos. [Correspondência]. Destinatário: Maria Dolores Coni Campos. Porto Alegre, 16 jun. 2003. 1 carta. In: CAMPOS, Maria Dolores Coni. Encontros ontem, encontros hoje; cartas que vão, cartas que vêm, entre na roda você também! 2003. 426 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003. A carta é uma parte do material empírico da dissertação de Maria Dolores Coni Campos.

317

GREENBLATT, Stephen. O novo historicismo: ressonância e encantamento. Estudos Históricos, v. 4, n. 8, p. 250, 1991.

318

GREENBLATT, Stephen. O novo historicismo: ressonância e encantamento. Estudos Históricos, v. 4, n. 8, p. 250, 1991.

[...] a noção das negociações, permutas, mudanças de direção, exclusões pelas quais certas práticas representacionais podem ser separadas de outras práticas representacionais a que parcialmente se assemelhem. Uma exposição ressonante frequentemente distancia o espectador da celebração de objetos isolados, e o leva em direção a uma série de relações e questões sugeridas, apenas semivisíveis319.

Desse modo, este capítulo se propõe a analisar, a partir dos documentos levantados, o “efeito de ressonância” que havia na relação da Escolinha de Arte da UFRGS com o Movimento Escolinhas de Arte, principalmente com a Escolinha de Arte do Brasil, com a qual estabeleceu um vínculo mais estreito. Para iniciar, apresento um breve panorama sobre a Escolinha de Arte do Brasil.