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A definição de ciclo no Dicionário de Português On-line Michaelis é: “Intervalo de tempo durante o qual se completa uma sequência de uma sucessão regularmente recorrente de eventos ou fenômenos”.

O desenvolvimento ao longo do ciclo da vida permite pensar que, em todas as relações interpessoais, cada indivíduo traz consigo memórias das relações passadas e perspectivas em relação às futuras, considerando-seque as experiências passadas têm efeito na vida presente, tanto no sentido de uma revivência, como na direção de uma mudança (RUTTER, 1995).

Em relação ao ciclo vital da família, lembra-se antes que o desenvolvimento humano é marcado por fases comuns a todos, considerando sempre as variações individuais que são: as diferenças de tempo em que determinados fenômenos acontecem, o modo como cada indivíduo lida com esses, os contextos sociais e as redes de suporte com as quais cada um pode contar. Deste modo, é possível pensar o ciclo da vida humana contendo estruturas de equilíbrio que se iniciam no nascimento e vão até a velhice, mas que se separam umas das outras por momentos de bifurcação. Cada uma dessas fases 6 possui características próprias exigindo mudanças para lidar com elas. A passagem de um estágio para o outro é vivido por quebra de paradigmas e por crises. Isso implica em um luto pelo que se deixa e a incerteza diante daquilo que ainda não se estabeleceu, além do fato de se considerar a intensidade com que cada um vive essas crises (CARTER; MCGOLDRICK, 2001).

Carter e McGoldrick (2001) apontam que estabelecer um marcador temporal para esta fase está se tornando cada vez mais difícil, pois os novos rearranjos familiares têm imposto um prolongamento dessas fases por parte dos filhos, que demoram mais a sair da casa dos pais. A abertura de novos modelos de família, em que os avós e tios também fazem parte desta família, traz questões para o casal sobre e como administrar o convívio de gerações tão diferentes, com demandas, por vezes, opostas em um mesmo espaço e tempo. Poucas famílias têm recursos suficientes para recorrer à casa de repouso, pagamento de dois cuidadores (dia/noite) para os pais idosos. Como as políticas públicas ainda são precárias em relação a isso, resta às famílias a absorção dos pais idosos em seus núcleos. Em uma variedade de situações, a família é, sim, a única garantia que têm seus membros quando se trata de cuidados, por isso a importância dos vínculos com a família extensa também é fundamental para oferecer suporte à família nuclear em suas necessidades.

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O conceito de fases nesta pesquisa tomou como referência a divisão em fases do ciclo vital familiar de Cerveny, que envolve as várias etapas definidas por alguns fatores pertinentes a todas as famílias, determinando alguns acontecimentos esperados de serem vividos e que se formam desde a constituição da família até a morte dos indivíduos que a compõem (CERVENY, 1997).

Outro ponto importante na vivência das fases da vida é a ritualização que auxilia na demarcação das passagens do tempo, fornecendo um suporte externo para uma operacionalização externa. Na sociedade pós-moderna, percebe-se que esse processo é, muitas vezes, evitado, olhando-se somente para os ganhos, sem se dar conta da necessidade de saber se despedir do que fica para trás, sendo esta a melhor maneira de viver de modo integral o que vem como novo.

Sobre as várias fases pelas quais passam as famílias, considera-se que a passagem do tempo traz algumas características que permitem pensar essas fases da vida, sendo a permanência de um determinado modo o que caracteriza cada uma delas. Flach (1991) as conceitua como estruturas homeostáticas que abrangem: infância, adolescência, juventude e fase adulta de solteiro, início do casamento (conjugalidade), paternidade, vida de solteiro (prolongamento desta para quem não se casa/separados/viúvos), meia-idade e velhice.

Na travessia desses estágios, surgem alguns temas que são universais:

A necessidade de nos adaptarmos às circunstâncias externas; reavaliação da auto-imagem, manutenção e restauração da auto-estima; formação de novas amizades e renovação das antigas; desligar das pessoas ou dos objetos que amamos porque morreram ou foram embora; equilibrar nossa capacidade de independência com nossa necessidade de nos relacionarmos com outras pessoas; redefinir ou reafirmar nossos propósitos de vida; a ênfase que cada um desses objetivos vai receber também deverá variar individualmente, em condições de vida diferentes e em variados estágios do ciclo da vida (FLACH, 1991, p. 66-68).

Os conceitos de ciclo vital individual e de ciclo vital da família caminham juntos, na medida em que a família é o espaço no qual acontece grande parte do desenvolvimento dos sujeitos, favorecendo a formação da subjetividade individual, a partir de sistemas maiores (como a família) e outros grupos aos quais o indivíduo pertença. Do mesmo modo, cada casal constrói e organiza sua história a partir de momentos estruturantes da relação, marcados por processos que, em grande parte, estão em função do ciclo vital no qual vivem. Sendo assim: “é impossível pensar em ciclo vital dissociado de movimento, crescimento, ordenação, etapas e assim por diante” (CERVENY; BERTHOUD, 2002, p. 23).

O desenvolvimento da díade conjugal apresenta várias transições, e exige do casal esforços constantes, frente às mudanças, para estabelecer um novo processo

de adaptação, onde a “questão básica da relação conjugal é a dialética do conflito entre autonomia e intimidade” (COSTA, 1994, p. 35).

Nessa perspectiva, essa pesquisa optou por exemplos que correspondiam a algumas fases do ciclo vital da família. Tomam-se esses ciclos como momentos fundamentais do processo de desenvolvimento humano do casal, na medida em que suas alternativas apontam para um modo de funcionamento do sistema familiar, mas também servem de possibilidades para o surgimento de novos rearranjos para um modo de ser resiliente ou não. Portanto, buscou-se estudar os casais inseridos em seus respectivos contextos, posto que esses contextos refletem as suas realidades em relação aos pontos de vista social, econômico e cultural. O modelo de ciclo vital utilizado foi o proposto por Cerveny em1997.

Essa caracterização coloca a família ao longo do seu ciclo vital em 4 etapas não rigidamente circunscritas que são:1- Família na Fase de Aquisição; 2- Família na Fase Adolescente; 3- Família na Fase Madura; 4- Família na Fase Última(CERVENY; BERTHOUD, 2002, p. 24).

A fase de aquisição engloba desde a união do casal, o nascimento dos filhos a conquista de patrimônios e a redefinição de novos papéis que ambos começam a exercer. Saem da condição de filhos e passam a serem pais. Os processos de negociação de valores, crenças e costumes são fundamentais nesses momentos e as conquistas de novas estruturações, tanto financeiras como afetivas, ocupam lugar central nesta fase. O tempo de duração dessa fase é variável, visto que as demandas do mundo moderno criam necessidades que, muitas vezes, os casais demoram a atingir. Assim, procurou-se representá-la a partir de casais com média de dois a cinco anos de união, mas que também poderiam ser representadas por casais com mais tempo de união, visto que esta fase vem se prolongando para os casais pelas exigências da modernidade.

Na fase adolescente, estão os casais com filhos que se encontram no período do início ao final da adolescência. Período de profundas transformações no modo de relação entre pais e filhos; em que valores e crenças começam a ser questionados, surgindo a necessidade de novas formas de negociação. Momento de crise para os filhos, que começam a amadurecer e a alicerçar suas identidades. Essa fase mobiliza nos casais a vivência de outra crise, em que também reveem a própria vida,

o que vale a pena ou não, repensando a saúde e o envelhecer. Desse momento emerge um rearranjo familiar, mudanças na segunda fase e que, dependendo das possibilidades de adaptação, permitem novos desenvolvimentos. Para representar essa fase foram entrevistados casais com doze e dezessete anos de união.

A fase madura refere-se ao momento da saída dos filhos para estudar fora até atingirem a maturidade, com novas mudanças no relacionamento entre pais e filhos, pois esses agora tendem à independência e o alcance gradativo da gestão da própria vida, momento que se pode reativar o evento denominado “ninho vazio”, em que o casal tende a rever suas vidas e estabelecer novas metas, já que os cuidados diretos com os filhos se esgotaram. Nesta fase, observa-se a entrada de novos membros na família extensa, aposentadorias por vir e a emergência de renegociações e padrões. Como representantes dessa fase, estão os casais com vinte e cinco e trinta e cinco anos de união.

Na fase última aborda-se o fenômeno do envelhecimento do casal e a presença dos processos que implicam a perda de autonomia em vários aspectos, como a saúde,a administração autônoma da própria casa, as dependências financeiras (dos pais para com os filhos) e medicamentosas, trazendo ao casal novos modos de viver e conviver entre si,com os contextos sociais e como modo pelo qual essas dependências são absorvidas. Nessa fase, tende a ocorrer uma inversão de papéis, fazendo com que os filhos, muitas vezes, assumam o lugar de cuidadores dos pais. Surgem questões no âmbito da moradia de quem oferece suporte ao casal, visto que, geralmente, eles já não conseguem fazê-lo por si mesmos, e culminando o ciclo do casal com a viuvez de uma das partes, o que impõe novas configurações à família extensa. Importante salientar que a vivência dessa fase irá depender de como o casal pôde constituir as fases anteriores, sua flexibilidade e adaptação aos limites e, principalmente, como atravessou as dificuldades impostas pela vida. Para representar essa fase, abordaram-se os casais com cinquenta e sessenta anos de união, completando-se, assim, o ciclo vital das vivências de resiliência no casamento/conjugalidade que se desejou pesquisar.

A fase última caracteriza-se também pela aposentadoria de um ou ambos os cônjuges, a perda da autonomia e a fragilidade física. O casal volta a ficar sozinho, depois da saída dos filhos, e, dependendo do relacionamento estabelecido, pode ser

uma oportunidade de encontro ou de solidão compartilhada sobre o mesmo teto (SILVA et al., 1997).