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Português paulista

Gráfico 11 - Comparação da frequência no uso das preposições nos fascículos

3 e 5 dos documentos latino-portugueses e no português paulista moderno

Como é possível observar pelo gráfico, excetuando-se a preposição a, que envolve outros fatores de variação no português, as preposições de (de), em (in) e com (cum), nos fascículos 3 e 5 dos documentos latino-portugueses, apresentam frequência mais próxima à do português paulista do que à da variedade empregada na escrita do primeiro fascículo da coleção, variedade esta que pode ser considerada muito próxima, ou idêntica, à variedade clássica do latim.

Além disso, as preposições mais suscetíveis à variação nas duas sincronias analisadas também podem ser relacionadas, conforme reproduzido no gráfico a seguir:

0 10 20 30 40 50 60 70 80 De Cum Ad In Por Fascículos 3 e 5 Português paulista

Gráfico 12 - Frequência na variação do emprego das preposições nos

fascículos 3 e 5 e no português paulista moderno Fonte: elaboração própria

Como se pode observar, nos documentos latino-portugueses, as preposições que apresentaram maior índice de variação foram de e cum; no português, foram com, por e de. Em relação à preposição por, não é possível fazer-se uma comparação entre seu uso nas duas sincronias, pois esta preposição não foi analisada na sincronia latina; no entanto, as preposições de (de) e cum (com), embora com índices de variação não muito próximos entre si, constituíram-se como preposições mais suscetíveis à variação nas duas sincronias.

A constante variação do de talvez se deva à diversificação de sentidos adquirida por essa preposição, afinal, sua maior variação na sincronia latina teve como causa o fato de ela ter adquirido o sentido de posse, de pertencimento. Como é sempre afirmado, os sentidos mais abstratos das preposições, principalmente nas línguas românicas, emergiram dos sentidos concretos que as preposições tinham em latim clássico; assim, o sentido de posse provém do sentido mais concreto de de, que marca origem. Segundo Brea (1985, p.164-165),

De todos modos, parece haber acuerdo em admitir que la asunción de los valores del genitivo por parte de DE procede de su valor local originario, ya

que, em realidad, la indicación de la propiedad por medio de DE comienza cuando hay que marcar el origen y el movimiento del que parte esa propiedad.

Assim, o uso da preposição de, verificado na quase totalidade de ocorrências no córpus constituído pelos fascículos 3 e 5, já é uma extensão do sentido concreto com que essa preposição era empregada na variedade clássica do latim. Dessa forma, deste período estudado até a atual sincronia do português paulista, o sentido da preposição só tendeu a diversificar-se, de forma que, hoje, é difícil reconhecer o sentido concreto, originário dessa preposição, tendo ela um sentido bastante opaco. Funciona, em muitos momentos, mais como item gramatical do que como item lexical, o que favorece sua variação; afinal, sem ter um sentido facilmente recuperável, essa preposição deixa a recuperação semântica a cargo das palavras que ela relaciona.

Por sua vez, a variação da preposição com (cum), nos documentos latino-portugueses, não está relacionada ao sentido, mas sim à variação no emprego dos casos regidos por ela; assim, o sentido da preposição não foi tão diversificado quanto no caso da preposição de. Dessa forma, relaciona-se a variação na construção de estruturas feitas com cum à gradual substituição do caso ablativo pelo caso acusativo, substituição que afeta sua regência, já que esta preposição, pelo regime clássico, rege ablativo.

Na sincronia do português paulista, relaciona-se o alto índice de variação no emprego dessa preposição ao seu sentido mais prototípico, o que pode fazer com que seu sentido seja facilmente recuperado, mesmo que ela não seja realizada. Acredita-se ser este também o caso da preposição por, que, assim como com, apresenta um sentido menos diversificado, mais prototípico, portanto mais fácil de ser reconstruído. Desse modo, o que pôde ser constatado é que tanto a preposição mais plena de sentido quanto a menos marcada semanticamente tendem a ser apagadas no atual estágio do português paulista.

Em relação aos problemas apontados pela Teoria da Variação e Mudança Linguística, nas análises, sempre que possível, foram abordados os problemas do encaixamento, principalmente na estrutura linguística, e da avaliação. Foi possível constatar que a avaliação, realmente, desempenha um papel decisivo no caminho da variação linguística. Sobre os documentos latino-portugueses, não se pode ter muitas informações, mas sabe-se que o Latim, durante muito tempo, teve sua norma clássica exaltada e cultivada, o que minimizou as variações linguísticas (CLACKSON; HORROCKS, 2007). Essa atitude, certamente, significava a avaliação que as formas “não-clássicas” sofriam, o que, portanto, deve ter desacelerado o processo de variação e mudança, que, no entanto, não deixou de acontecer.

Nas análises do português, também se percebe que formas menos estigmatizadas socialmente tendem a se realizar mais, ou seja, variações que recebem avaliação positiva tendem a continuar o percurso de variação, para, possivelmente, constituir uma mudança, enquanto variações estigmatizadas tendem a ser barradas.

Nos limites da pesquisa, constatou-se que o conceito de diglossia, que embasa o estudo dessas duas sincronias, bem como a hipótese de possíveis convergências entre os usos prepositivos nesses dois estágios linguísticos se confirmam, o que significa que as preposições são um ponto instável das línguas; que, entre elas, há aquelas que são mais suscetíveis à variação e, ainda, que, no sistema prepositivo, em diferentes estágios linguísticos, há muito mais convergências do que o que se costuma afirmar.