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Problemas e Implicações

1. Breve Relato de Risco: o céu, a internet e o mundo comum

1.1. A fascinação pelo céu

Comecei a me interessar pelo cosmos e pela temática da Astronomia em 2006. Nesse ano, pude ler o Livro de Ouro do Universo, uma publicação de divulgação científica bastante interessante que peguei emprestada na biblioteca municipal de Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá - MT. Esse livro não estava na seção de livros para empréstimo, mas a bibliotecária deixou que eu o levasse para casa por uma semana, já que estava indo lá todos os dias para ler. Nesse mesmo ano, assisti pela TV a série do astrofísico Marcelo Gleiser Poeira das Estrelas, no mesmo estilo da Série Cosmos, de Carl Sagan (que só conheci recentemente), onde narrava a história fascinante da astronomia. Fiquei imediatamente apaixonado, tanto pelas inúmeras possibilidades sobre o universo, a história da sua relação com as civilizações, quanto pelas histórias de sonhos, paixão e fascínio que homens e mulheres de todas as eras tiveram com um céu estrelado.

No ano seguinte, comecei um estágio nos Correios e, com o meu primeiro salário, comprei uma luneta astronômica. De fato, observar um céu estrelado, longe das luzes das cidades grandes e com boas condições atmosféricas, é uma experiência grandiosa. Eu tinha apenas 16 anos e podia admirar o céu, mas sem entender muita coisa sobre ele. Embora fosse uma experiência principalmente contemplativa, as horas que se seguiam após as observações da Lua, dos planetas ou das estrelas eram profundamente ricas em questionamentos, estranhamentos e, por que não, crises existenciais. Um céu verdadeiramente estrelado, numa noite em Chapada dos Guimarães, naquele ano, foi a experiência mais imponente que meus olhos já tiveram.

Nessa época, eu não tinha fácil acesso à internet e muito menos aos smartphones, os quais só surgiram no mercado no ano seguinte e somente se popularizaram nos últimos anos. Eu tinha algum acesso à internet, mas muito limitado. Na casa dos meus pais, havia ainda internet discada, e eu só podia usar 30 minutos por dia após a meia noite, horário com tarifas reduzidas. Excetuando-se os domingos, quando se podia acessar a internet durante todo o dia; o único computador da casa era ainda disputado entre minha irmã e eu.

Essas condições limitadas para acesso às informações tornaram minha experiência com o céu noturno pouco inteligível. Não conhecia sites de astronomia, não

conhecia comunidades virtuais sobre o assunto e não sabia como ter acesso a essas informações. Eu não dominava ainda a internet. E, obviamente, não conhecia nenhum astrônomo profissional interessado em me ensinar. Até onde eu sabia, não existiam clubes de astronomia em Várzea Grande ou em Cuiabá nesta época. Aos poucos, parei de procurar por informações e passei a observar por observar. Lembro-me de que uma das poucas experiências inteligíveis que tive foi a observação de Vênus, durante vários dias, quando pude constatar (sem ter lido antes sobre isso) que ele, assim como a nossa Lua, tinha fases, as quais provavelmente só ocorriam porque ele estava entre a Terra e o Sol. Eu achava bonito observar Vênus minguante e imaginar que o planeta estava sorrindo para mim. A foto abaixo (imagem 1) é de uma de minhas observações, na qual eu estava mostrando justamente a fase minguante de Vênus para minha irmã.

Imagem 1. Eu, aos 16 anos, em 2007, observando as fases de Vênus com minha irmã

Minhas observações com a luneta, assim como as de Galileu Galilei, feitas 400 anos antes, ocorriam no início da noite. Chegava em casa às 18h e a primeira coisa que fazia era colocar a luneta no quintal e observar o céu, sobretudo Vênus e a Lua. Vênus foi central para Galileu corroborar o modelo de Copérnico, contudo, eu ainda não sabia disso. Nas observações da Lua, preferia também as fases mais minguantes. A Lua cheia era boa para observar a olho nu, mas não com a luneta, porque, sem sombras, as crateras

lunares não ficavam tão bonitas. Passei vários dias acompanhando as fases da Lua e examinando a mudança de luz nas crateras lunares. Cheguei a usar o “zoom máximo”, tentando encontrar vestígios da Apollo 11, mas é evidente que tal observação não seria possível.

Nem sempre foram experiências agradáveis. Era uma luneta amadora e pouco estável, eu levava vários minutos para colocar no ângulo correto de observação – a luz, que se move em linha reta, nos obriga a obter um alinhamento perfeito das lentes com o objeto a ser observado. E, para meu desespero, pude constatar que a Terra se move mais rápido do que poderia supor. Quando o ângulo estava correto entre luneta e objeto observável, tinha que ser ágil para observá-lo enquanto a rotação da terra permitia, já que rapidamente eu teria que modificar o ângulo novamente.

Depois de alguns meses, fiz minha conta no Orkut, uma rede social bastante famosa em todo o Brasil, em 2007, e coloquei na categoria “atividades” que eu era um astrônomo amador. Também entrei em comunidades astronômicas, como “Eu tenho um Telescópio” e “Olhar Estrelas”. Mas o estágio nos Correios e a necessidade de estudar para o vestibular me fizeram abandonar progressivamente esse hobby. Aos poucos, fui deixando de me relacionar com o céu e me focando em atividades que eram mais urgentes para mim.

Depois de entrar na Faculdade de Comunicação da UFMT, utilizei a luneta poucas vezes, apenas para mostrar a Lua, Vênus, ou Marte – que não me parecia tão vermelho quanto falavam – para amigos que tinham a curiosidade. Nunca consegui encontrar mapas do céu, ou informações relevantes sobre como me orientar para encontrar a localização dos objetos. Sei que essas informações provavelmente já estavam disponíveis na internet, porém, não sabia como procurar ou simplesmente não conseguia encontrar, quando tentava. Nessa época, não era mais tão grande meu interesse. No entanto, havia lido, por exemplo, que uma luneta simples poderia ser usada para observar os anéis de Saturno. Li que a luneta de Galileu era pior que a minha e que, por isso, poderia fazer muitas coisas com ela. Mas não consegui interagir nesse nível com o céu e não observei Saturno, porque não sabia onde ele estava.

Talvez uma observação mais sistemática do céu poderia me dar as respostas. As estrelas não se movem, os planetas se movem, eis o saber milenar que qualquer astrônomo deve ter. Planeta, em grego, significa justamente “estrela errante”. Assim,

seria fácil, ao longo dos meses, constatar o que era planeta e o que era estrela, depois poderia observar planeta por planeta e descobrir qual era Saturno, que tinha anéis salientes. Mas eu já não tinha tempo (e nem paciência, talvez) para uma observação sistemática que me desse essa possibilidade. Não me lembro, igualmente, se sabia dessa informação básica para os astrônomos. E, como já frisei, minhas observações eram mais contemplativas e filosóficas do que empíricas sistemáticas.

Na faculdade, essas atividades cessaram de vez. Meu hobby agora era a música e gastava o tempo livre estudando violoncelo ou ouvindo concertos de Bach. E as aulas de cello, no Instituto Ciranda, eram puxadas o bastante para ocupar todo o tempo livre. Durante os dois anos seguintes ao meu ingresso na universidade, dividia meu tempo com a música, as matérias do Curso de Comunicação e a minha primeira atividade de pesquisa, na qual comecei a compreender todas as possibilidades fantásticas que a internet trazia. Meu objeto de pesquisa, na minha bolsa PIBIC (integrante do projeto de pesquisa “Artes da Cópia: dilemas do original”), eram as músicas compartilhadas e criadas colaborativamente em rede, exercitando aquilo que os autores chamavam de cultura livre. As músicas em código aberto, como as chamávamos, criavam diversas redes de colaboração e criação que só eram possíveis graças aos coletivos sociotécnicos.