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Desvios e Composições

3. A captura das estrelas

3.1. Os instrumentos da astronomia

Na constelação de Touro há um pequeno aglomerado de estrelas muito conhecido, as Plêiades. Tal aglomerado faz parte da história humana há muitos séculos. As Plêiades foram representadas, por exemplo, no famoso Disco de Nebra, o objeto mais antigo a descrever a abóboda celeste, que data de 1600 a.C22. Geralmente, é possível observar até seis estrelas a olho nu nesse aglomerado. Segundo a tradição, as Plêiades eram usadas como exame de vista na Antiguidade; quanto mais estrelas você conseguisse ver, mais boa era a sua visão (TYSON, 2014). Como narrou o astrofísico Neil deGrasse Tyson, na nova temporada da série Cosmos, se a pessoa pudesse ver seis estrelas, sua visão era considerada normal; se pudesse ver sete ou mais, era excepcional (TYSON, 2014). As Plêiades também foram utilizadas pelos filósofos para defender a tese de que todas as estrelas estariam imersas em uma substância leitosa que compunha a Via Láctea ("rastro de leite"). Uma das hipóteses mais famosas era de cunho mitológico, e pregava que a Via Láctea era composta de leite, que vertia do seio de uma deusa. A outra, de cunho filosófico, dizia que o rastro de leite era composto de éter23, uma substância imaginada desde a antiguidade. Durante séculos, filósofos defenderam as mais variadas teses a respeito da substância que compunha esse “rastro de leite”.

Em 1610, Galileu Galilei observou “a essência e a matéria que compunha a própria Via Lactea”. Ele utilizou a sua luneta rústica para observar vários aglomerados famosos, como as Plêiades, onde conseguiu observar 35 estrelas. Galileu, com sua luneta, ao observar trinta e cinco estrelas nas Plêiades, acabara de se tornar o homem com a visão mais aguçada do mundo. Galileu constatou que o que se especulava como uma contínua faixa de “leite”, era, na verdade, uma miríade de estrelas, organizadas em cachos, e que não havia continuidade de nenhuma substância entre elas. A partir desse momento, o telescópio se tornou o principal instrumento de trabalho dos astrônomos.

Há basicamente dois tipos de telescópios. A luneta é do tipo refrator, e tem um sistema óptico baseado em lentes. Galileu, usando uma luneta em suas observações, fez dela o instrumento óptico mais antigo da astronomia. O segundo tipo, inventado anos

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Baseio-me no verbete “Nebra sky disk” da Wikipédia: https://en.wikipedia.org/wiki/Nebra_sky_disk

Acesso em 28 de Julho de 2015.

23 Não confundir com a molécula orgânica homônima “R-O-R”, conforme verbete Ether (Physique), da Wikipédia: https://fr.wikipedia.org/wiki/%C3%89ther_(physique) Acesso em 28 de Julho de 2015.

mais tarde e aperfeiçoado por Newton, é conhecido hoje como “telescópio”, e é baseado em um sistema óptico de espelhos refletores. Esses dois sistemas ópticos tinham vários pontos fracos, especialmente relacionados com a aberração cromática. Aberração cromática é um fenômeno que produz distorções na imagem, muito conhecido em óptica (CRUMP, 2001). Nas primeiras páginas do Sidereus Nuncius, de Galileu, havia uma explicação esquemática de como construir uma luneta. Depois de sua publicação, vários astrônomos famosos, como Kepler, começaram a aperfeiçoar o que Galileu iniciara. Esse sistema de aperfeiçoamento jamais terminou. Os astrônomos sabiam que quanto mais melhorassem seus sistemas ópticos, mais descobertas poderiam fazer. A grande dificuldade da astronomia era a construção de grandes telescópios que pudessem sustentar o próprio preso, manter um bom foco e eliminar a aberração cromática. Durante anos, ser um bom astrônomo era necessariamente ser perito em óptica, ser capaz de construir seu próprio telescópio.

De fato, várias descobertas na história da astronomia estão atreladas diretamente ao uso de telescópios mais aperfeiçoados. É por isso que a construção de uma nova tecnologia científica, superior às anteriores, geralmente é considerada prenúncio de novas descobertas24. Pensem em cada uma das grandes obras ópticas da história da astronomia e verão que todas elas têm descobertas importantes associadas – começando pela modesta luneta de Galileu. Por exemplo, o telescópio de Mount Wilson, com uma lente de diâmetro de 2,5 metros, foi fundamental para os trabalhos de Hubble (STEINER, 2013; CRUMP, 2001), como a classificação das galáxias e a formulação da lei de expansão do universo (também conhecida como Teoria do Big Bang). A partir do século XIX, as lentes foram abandonadas, dando lugar aos espelhos, que compõem praticamente todos os grandes telescópios da atualidade, inclusive os telescópios espaciais (CRUMP, 2001).

O grande construtor de telescópios do final do século XVIII foi William Herschel, como mencionamos no primeiro capítulo. Herschel tinha interesse pelas nebulosas, o que motivou a construção de grandes sistemas ópticos que pudessem observar estes corpos celestes com mais nitidez (CRUMP, 2001). Sua irmã, Caroline,

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A relação entre novas tecnologias ópticas e novas descobertas astronômicas foi observada pelo professor João Steiner, no curso “Astronomia, uma visão geral”, veiculado pelo

Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=LihAu54gtsk&list=PLxI8Can9yAHd7kUPviBHxr-49QEl7PRXR&index=3 Acesso em: 28 de Julho de 2015.

utilizando seu grande telescópio e trabalhando como sua assistente, foi também uma profícua astrônoma, tornando-se uma grande descobridora de cometas (CLERKE, 2010). Herschel foi um pioneiro da astronomia estelar, e o primeiro a constatar que, provavelmente, a maior parte das estrelas observáveis já haviam morrido (TYSON, 2014).

Ao longo do século XIX uma nova tecnologia iria transformar consideravelmente a atuação dos astrônomos. John Herschel, filho de William Herschel, é creditado como um dos inventores desta nova tecnologia, a fotografia. Até então, as tecnologias de observação estavam avançando bastante, mas a grande tecnologia de captura continuava a ser o desenho. Vejamos, por exemplo, o trabalho do famoso astrônomo Johannes Hevelius. Suas obras Prodomus Cometicus25 e Selenograhia26 são verdadeiras obras de arte, repletas de inscrições que só poderiam ser obtidas com desenhos (Imagem 8). Estas imagens eram a única forma de obter inscrições dos objetos observáveis para divulgar suas descobertas. Até John Herschel, todas as inscrições astronômicas só eram obtidas por meio dos desenhos.

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Para baixar o livro de Hevelius, Prodomus Cometicus, clicar aqui: http://www.e-rara.ch/zut/content/titleinfo/156724 acesso em: 28 de Julho de 2015.

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O livro Selenographia pode ser baixado aqui: http://www.e-rara.ch/zut/content/titleinfo/160230 acesso em: 28 de julho de 2015.

Imagem 8. Desenhos de cometas observados por Hevelius em 1665 e publicadas em seu livro Prodomus Cometicus.

As inscrições, também chamadas de móveis imutáveis, talvez sejam uma das noções mais importantes da Teoria Ator-Rede. Fundamenta-se na ideia material-semiótica da representatividade da coisa pela própria coisa, ou por dados retirados dessa coisa. São as inscrições que criam a realidade artificial (o real e o criado como sinônimos) que é, então, capaz de municionar os cientistas na criação dos fatos. Frequentemente, inscritores são formados por um conjunto de máquinas, técnicos e materiais diferenciados, por isso é preciso considerar todos os mecanismos necessários para se conceber uma inscrição (LATOUR, 1997). Desse modo, uma inscrição cria uma relação entre dois lugares e dois tempos. Conforme Latour (2004), os móveis imutáveis deslocam-se por mecanismos de redução e amplificação, os quais criam um centro e uma periferia. A partir disso, se formam centrais de cálculo, onde várias inscrições são

aglutinadas umas às outras (LATOUR, 2004). Novos métodos de inscrição garantem novas munições para a interação com as coisas, e, portanto, novas ferramentas para a construção de fatos e vínculos:

Essas inscrições circulam nos dois sentidos, único meio de assegurar a fidelidade, a confiabilidade, a verdade entre o representado e o representante. Como elas devem ao mesmo tempo permitir a mobilidade das relações e a imutabilidade do que elas transportam, eu as chamo de “móveis imutáveis” entre nós, para distingui-las bem dos signos. [...] quando as seguimos, começamos a atravessar a distinção usual entre palavras e coisas, viajamos não apenas no mundo, mas também nas diferentes matérias da expressão. (LATOUR, 2004, p.55).

É fácil compreender, agora, por que as vantagens do novo método de inscrição eram muitas: era possível captar um número gigantesco de imagens, de inscrições, sem que para isso fosse preciso desenhar uma por uma. Depois de aperfeiçoamentos da técnica, realizados pelo astrônomo amador William Huggins, a fotografia tornou-se indispensável no trabalho do astrônomo (CRUMP, 2001). Com a fotografia, podemos, também, alterar o tempo de exposição da imagem, algo impossível de ser realizado com os olhos, o que torna possível captar imagens de alta resolução de estrelas muito fracas. As chapas fotográficas eram cuidadosamente analisadas no microscópio, o que gerou um alto grau de medições astronômicas (RONAN, 1987) e uma mudança considerável em seus métodos. A fotografia já nascia atrelada às ciências e com status de ferramenta que podia capturar a realidade.

Isaac Roberts, um famoso astrônomo amador, conseguiu capturar a melhor imagem da Grande Nebulosa de Andrômeda, que, depois, seria reclassificada como uma galáxia (imagem 9). Vários astrônomos amadores do tempo de Roberts e Huggins se destacaram pela atuação na astrofotografia, como Henry Draper e Andrew Ainslie Common, que fizeram fotografias da Nebulosa de Órion. A questão da substância da Via Láctea continuaria em debate ao longo do século XIX, especialmente pelo grande interesse de astrônomos como os Herschels, Huggins e Roberts em aglomerados de estrelas e nebulosas. Neste período, Andrômeda era considerada uma nebulosa e a Via Láctea era o “centro do universo”. A reclassificação de Andrômeda como uma “galáxia vizinha” só ocorreu com os trabalhos de Hubble na década de 1920, graças ao seu potente observatório em Mount Wilson (CRUMP, 2001).

Imagem 9. Fotografia da Grande Nebulosa de Andrômeda (mais tarde reclassificada como uma galáxia vizinha da Via Láctea), realizada em 1888 pelo astrônomo amador Isaac Roberts, pioneiro da astrofotografia.

As fotografias, como vimos, trouxeram vários benefícios para a astronomia, sobretudo a capacidade de obter imagens que configuravam como mais próximas da realidade. Enquanto o olho humano tem uma abertura definida e uma capacidade de exposição predeterminada, as câmeras fotográficas podem operar para além dos limites do biológico. Isso se torna mais claro ainda com as técnicas digitais de captura e tratamento. Um fotógrafo, por exemplo, pode fazer trinta fotografias de uma galáxia, cada fotografia com exposição de cerca de dois minutos. Posteriormente, essas trinta fotografias superexpostas podem ser aglutinadas em uma só, através de um programa de computador. A essa imagem, fruto de várias outras, adicionam-se ainda uma infinidade de filtros e tratamentos diversos. No final, obtem-se uma imagem bela da galaxia, capaz de lhe representar. Porém, a imagem que se vê na astrofotografia jamais será vista através do acoplamento do olho humano ao telescópio, numa visão direta. A imagem produzida pela astrofotografia é mais real, por ultrapassar os “limites do olho humano”, ou é menos real, artificial, por se valer de diversos artifícios para sua criação? Há um

movimento bastante interessante em astronomia amadora, os astrodesenhos, que desenvolvem suas atividades com base nessa controvérsia. Observa-se determinado corpo celeste com o olho humano acoplado ao telescópio; para se fazer um registro “mais fiel à realidade observável”, em vez de registrá-lo com os artifícios da fotografia, é realizado um desenho. O desenho procura ser realista em relação aquilo que pode ser visto diretamente no telescópio, é uma semiologia da visão ampliada. A fotografia, que agora é passível de edição, perde parte de seu estatuto da realidade, enquanto o desenho readquire tal estatuto, sendo ele, agora, um representante final daquilo que podemos encontrar no céu, usando nossos olhos (Imagem 10). Há, hoje, vários ambientes destinados ao desenho dos corpos celestes, como a comunidade do Facebook “Astro-desenhos”27

e, ainda, uma rede social totalmente dedicada a esse tipo de desenho, a Astronomy Sketch of the Day28.

As fotografias e os desenhos do céu fomentam uma importante iconografia do espaço sideral e também performam ontologias imagéticas desse espaço. Há um imperativo do registro, pela imagem ou pelo relato, onde sua ausência indica a incapacidade de colocar uma observação, um relacionamento ou uma mediação em rede. Com a facilidade do registro pelas câmeras digitais, esse imperativo se torna ainda mais evidente no mundo contemporâneo, em todas as áreas do saber. Mas isso não é algo realmente novo; nos tempos de Galileu, por exemplo, um matemático que não sabia desenhar era considerado um “meio matemático”, tamanha a importância do desenho no trabalho do cientista (BREDEKAMP, 2015). O mesmo ocorreu com todas as áreas das ciências dependentes de algum tipo de demonstração ou descrição. Essas imagens das ciências, iconografias das entidades na natureza, fazem parte de problemas diretamente relacionados com a bifurcação da natureza. Entretanto, é possível fugir de bifurcações, se evitarmos a causalidade imagem-entidade: as ontologias das imagens não são necessariamente condizentes com as coisas na natureza, têm um ser próprio e independente. É possível fazer uma distinção da imagem em relação ao mundo de modo ontologicamente ambíguo: de um lado a ontologia da coisa sensível, que corresponde à imagem, e de outro a ontologia da coisa na natureza, que corresponde às entidades (COCCIA, 2015).

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Comunidade do Facebook Astro-desenhos:

https://www.facebook.com/groups/1087035067992049/1089186111110278/?notif_t=group_activity

Acesso: 12 de Agosto de 2015.

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Sendo assim, “[o] sensível (quer dizer, o ser das imagens) é geneticamente diferente dos objetos conhecidos e também dos sujeitos do conhecimento” (COCCIA, 2015, p.79). Por esse entendimento, segundo Coccia (2015), embora as imagens se relacionem com as entidades na natureza, que querem originalmente representar, elas têm também um ser particular, uma ontologia própria, o ser do sensível, que deveria se diferenciar do ser das coisas, dos objetos. É possível pensarmos de modo performático e sem bifurcações (sem relações causais), a respeito das imagens? O desenho ou a fotografia de um cometa têm uma relação iconográfica e semiótica com o cometa, há uma representatividade, operam enquanto móveis imutáveis. Todavia, a imagem do cometa não se restringe ao cometa enquanto entidade singular; aquele que vê a imagem, mantêm um relacionamento com uma performance muito específica do cometa. Conforme Coccia (2015), não se trata de “psiquismo”, de “imaginário”, de uma ontologia falsa da realidade, criada na mente dos sujeitos do conhecimento. A imagem do cometa performa o cometa em si, na mesma medida em que o próprio cometa performa uma imagem dele, que desenvolve ela própria um ser do sensível à revelia do cometa. Assim, as imagens não são propriedades das coisas da natureza, mas um ser especial, capaz de performar, enquanto ferramentas, as ontologias das coisas na natureza, e ainda de sobreviver de modo independente em relação às entidades, coisas supostamente singulares. Isso ficará mais claro logo adiante, quando discutirmos as ontologias políticas. A questão a se ter em mente é que "o mapa não é o território", portanto, devemos evitar a famosa Falácia da Concretude Mal Colocada, descrita por Whitehead (2006), para não tomaremos nossas abstrações como realidades concretas. Todavia, sendo as abstrações a única forma de se controlar o fato concreto, e considerando não ser exequível parar a natureza para observá-la, tais inscrições se tornam centrais no processo de composição.

Imagem 10. Astrodesenho do aglomerado das Plêiades (M-45), realizado pelo astrônomo amador Guilherme de Andrade em 2012.

Outras importantes tecnologias astronômicas se desenvolveram no século XIX, especialmente mediante a atuação dos astrônomos amadores Willian Huggins e Margaret Huggins, casal que fundamentou, com o desenvolvimento da espectroscopia astronômica, aquilo que hoje chamamos de “astrofísica” (RONAN, 1970). Até o início

do século XIX, os cientistas e filósofos acreditavam que jamais seríamos capazes de estudar a composição química dos astros (CRUMP, 2001). Essa idéia parece bastante razoável, já que não é possível viajar para uma galáxia distante para colher móveis imutáveis. Todavia, o que os cientistas e filósofos do início do século XIX não sabiam é que poderíamos estudar as composições químicas, minerológicas e físicas de astros sem precisar sair da Terra. Isso é possível graças ao desenvolvimento do estudo dos espectros. O olho humano é capaz de observar apenas uma linha do espectro eletromagnético, a luz branca. Ampliando nossa capacidade de percepção das outras linhas do espectro, ampliamos também o nosso entendimento do cosmos.

O conhecimento sobre os espectros invisíveis começou muito antes do nascimento da astrofísica. Newton, por exemplo, provara que a luz branca era composta pela unificação de todas as cores, o que poderia ser demonstrado utilizando um simples prisma. William Herschel já conhecia a radiação infravermelha no final do século XVIII (CLERKE, 2010). William Wollaston foi o primeiro a criar um aparelho, chamado “espectroscópio”, que tinha por objetivo analisar as diferentes linhas do espectro. Com este aparelho, Wollaston viu pela primeira vez algo diferente, mas que ele não soube explicar: o espectro vinha cortado por uma série de linhas pretas (RONAN, 1987). Alguns anos depois, o famoso óptico alemão Joseph von Fraunhofer constatou independentemente as mesmas linhas escuras no espectro (RONAN, 1987). As “linhas de Fraunhofer”29

(imagem 11), como ficaram conhecidas, foram um dos maiores mistérios da física por alguns anos. Vários nomes ao longo do século XIX deram contribuições para o estudo dos espectros, especialmente Kirchhoff e Bunsen (RONAN, 1987) que constataram que as linhas escuras de Fraunhofer diziam respeito à natureza química dos objetos por onde a luz passava.

29 Para ler mais sobre Fraunhofer, abrir este link: http://www.chemteam.info/Electrons/Spectrum-History.html

Figura 11. As linhas de Fraunhofer acima, e uma adaptação moderna do mesmo espectro abaixo. (fontes da imagem: chemteam.info e ventosdouniverso.blogspot)

Pouco tempo depois, o casal Huggins teve a brilhante idéia de acoplar um espectroscópio à um telescópio. Com isso, a crença de que jamais poderíamos estudar a composição química dos astros começou a cair. Os Huggins finalmente conseguiram descobrir a natureza gasosa da Nebulosa de Órion, o que possibilitou uma primeira diferenciação entre nebulosas e galáxias. O espectrógrafo capta a luz através de uma estreita fenda, em que a luz é decomposta em diferentes comprimentos de onda. Há vários tipos de instrumentos para o estudo do espectro (BAIRD, 2004). Por exemplo, se unirmos uma máquina fotográfica a um aparelho de decomposição do espectro para fazer o registro fotográfico da luz dispersa, temos “espectrógrafo”; quando a luz dispersa é focada em uma ocular, seu nome é “espectroscópio; e, por fim, os leitores diretos, que fazem leituras de concentração, são chamados de “espectrômetros” (BAIRD, 2004). Assim, opera-se a análise química, já que cada elemento por onde a luz passa produz linhas escuras diferenciadas. A espectroscopia, todavia, só se tornou um método de análise química depois dos anos de 1930 (BAIRD, 2004), provavelmente sob influência dos trabalhos da astrofísica Cecilia Payne, que constatou, utilizando dados de espectroscopia, que o Sol era composto de hidrogênio e hélio.

No século XX, outro amador foi pioneiro em avanços com os instrumentos da astronomia. Grote Reber desenvolveu, sozinho, um radiotelescópio, fundamentando toda a posterior radioastronomia. Reber era rádio amador e astrônomo amador, e sua atividade em radioastronomia possivelmente decorre dessas duas paixões. Ele adaptou uma antena parabólica e começou a estudar as ondas de rádio emitidas por diferentes corpos celestes (MALONE, 2002). Com isso, pôde se dedicar à elaboração de um mapa das radiofrequências do céu, o que gerou uma enorme quantidade de importantes dados radioastronômicos.

Casos como os Reber e dos Huggins demonstram a importância dos amadores no pioneirismo de vários equipamentos astronômicos, o que faz jus ao seu título de “tomadores de risco da ciência”. Porém, todos estes equipamentos foram se tornando cada vez mais caros e inacessíveis. O ápice desse movimento talvez tenha sido a construção de telescópios espaciais. Estes tinham várias vantagens frente os telescópios terrestres. Primeiro, não sofriam da turbulência atmosférica, já que estavam no espaço sideral, e pelo mesmo motivo não sofriam de poluição luminosa das grandes cidades.

Em resumo, todas estas tecnologias se desenvolveram com o objetivo de capturar cada vez mais informações do céu, para produzir dados e aumentar o conhecimento. O interesse maior do cientista moderno é, sem dúvida, produzir fatos novos e realizar descobertas. É por isso que a atividade de astronomia profissional abandonou amplamente os pequenos telescópios em prol dos grandes, frequentemente