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6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

6.3 O modelo de Comunidade de Busca de Conhecimento

6.3.2 Presença cognitiva

6.3.2.1 Fase 1 – Acionamento de eventos

A primeira fase, denominada acionamento de eventos, descreve um estado inicial do processo de construção de significado, a qual pode ser identificada por meio do

reconhecimento de um dado problema ou questão e por manifestações de perplexidade ou estranhamento na solução de problemas, como resumidamente apontado no quadro

subseqüente.

Q

QUUAADDRROO1166 C

Caatteeggoorriiaass de acionamento de eventos

Descritor Indicadores Processos Sócio-cognitivos

Evocativo Reconhecer o problema Apresentar informações de background que

culminam em uma questão.

Sensação de perplexidade Fazer perguntas.

Mensagens que levam a discussão a outras direções

Garrison, Anderson e Archer (2000, 2001) enfatizam que, geralmente, em um contexto educacional, o professor comunica explicitamente desafios e tarefas as quais passam a funcionar como acionamento do processo de construção de significado. Durante essa fase, cabe ao professor iniciar, direcionar e, em alguns casos, redirecionar as discussões. Os autores advogam que assim como o professor, outros participantes de uma comunidade de aprendizagem podem proposital ou indiretamente adicionar um evento de acionamento às discussões.

No caso específico deste trabalho, as comunidades autônomas de aprendizagem contam com um desenho pedagógico que favorece o acionamento de eventos nos termos da presença cognitiva de Garrison, Anderson e Archer (2000). A proposta pedagógica inclui o cumprimento de tarefas semanais que envolvem questões teóricas (leitura e discussão de textos) e práticas (análise de livros didáticos, elaboração de unidade didática etc.), as quais, juntamente com as contribuições individuais dos participantes, funcionam como ponto de partida para as discussões.

Um outro aspecto relevante desta proposta pedagógica diz respeito à configuração do curso que conta com o uso da CMC em diversos ambientes interacionais, tais como as

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listas e fóruns de discussão. Vale ressaltar que tais recursos, especialmente a CMC, auxiliam na promoção de uma dinâmica de interação entre as pessoas, proporcionando uma maneira mais abrangente de organização social. Nesse sentido, o uso desses recursos no curso Dimensões Comunicativas promove a organização social dos aprendizes em comunidades, bem como oportunidades de troca de informações e construção de significado, dentre outros.

Indícios de estranhamento, dilemas e questionamentos são observados durante a

evolução das comunidades, mas parecem mais evidentes quando os aprendizes estabelecem seus primeiros contatos com a tarefa. Os excertos subseqüentes ilustram como os aprendizes buscam, colaborativamente, a solução de seus problemas, dilemas e questionamentos:

109) Pedro: Alguém poderia me dar maiores explicações sobre a primeira parte dessa tarefa? Confesso que não a entendi muito bem. (UFMGPRAT-Port1, msg # 49)

110) Suzana: Recortei um pedaço de um e-mail que a Vera nos mandou explicando a tarefa para ver se você consegue entender melhor. Aí vai: (UFMGPRAT-Port1,msg # 50)

No excerto 109, Pedro, um dos participantes da comunidade UFMGPRAT-Port 3, demonstra estar confuso em relação ao cumprimento de uma das tarefas e compartilha com seu subgrupo seu estranhamento ou perplexidade. Ao tomar conhecimento da dúvida de

Pedro, Suzana busca auxiliar o colega na solução do problema como ilustra o excerto 110. Eventos similares podem ser observados nos excertos 111 e 112, quando Sarah, participante da comunidade UFMGPRAT Esp 3, manifesta sua dificuldade em avançar na execução de uma tarefa.

111) Chicos, en cuanto a la tarea 4, necesito ayuda..(PRATUFMG Esp 3 msg # 7)

112) No sé lo que necesitas ayuda, pero te digo que la tarea es hacer un glosario con las palabras y expresiones del libro que leyemos. Son palabras que tú las vea como importantes y necesárias para la comprensión de la lectura del libro. Trás hacer eso, los tres harán solamente un glosario del grupo, con palabras y expresiones comunes a los tres.

Assim como o excerto 111 e 112, os excertos 113, 114, 115 e 116 ilustram o

reconhecimento de problemas. É interessante observar que os alunos marcam

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tarefas, reconhecendo, dessa forma, seus subgrupos como uma entidade coletiva. O uso dos verbos ‘precisamos’, ‘podemos’, ‘temos’ e ‘devemos’ na primeira pessoa do plural do português e o uso do pronome ‘we’ no inglês parecem marcar esta tendência.

113) Acho que a tarefa 11 é complicada e precisamos pensar mais sobre ela, trocar idéias, para que possamos fazê-la de maneira bem amarrada. UFMGPRAT Pot 3, msg # 76)

114) Já pensaram em como podemos fazer uma síntese dessa atividade? UFMGPRAT Port1,msg # 67)

115)Como vcs viram, na tarefa 3 temos que pesquisar sobre o conceito de competência comunicativa bem como as várias competências que a compõem – devemos buscar também textos na língua em que estudamos (inglês) e devemos compartilhar com nossos colegas do grupo o que encontramos. (UFMGPRAT-Ing1, msg # 45)

116) Our task 6 is going to be more interesting than task 5, for sure, but it is going to be more demanding too. So, I suggest we start reading some articles/texts this very weekend. I think we have to read at least 3 different texts and chose a book in order to evaluate it, in terms of grammatical stuff. So, there are many things to be done; don't you agree? (PRATUFMG-Ing3, msg # 93)

As questões com foco na construção de significado são expressas de maneira entrelaçada com as questões de cunho instrucional nas comunidades, reforçando a inter- relação entre as presenças social, cognitiva e instrucional discutidas na seção anterior. No excerto 115, por exemplo, ao mesmo tempo em que a aluna manifesta reconhecer o quesito da tarefa 3, ela orienta a comunidade e reforça os passos a serem percorridos para o cumprimento das atividades.

Da mesma forma, o excerto 116 demonstra a tessitura conjunta das questões sócio-afetivas, cognitivas e instrucionais. Expressões sócio-afetivas como ‘Our task 6 is going to be more interesting than task 5, for sure[...]’’, o reconhecimento da demanda da

tarefa e a orientação dos procedimentos, funções geralmente desempenhadas pelo professor, sugerem este entrelaçamento.

Garrison, Anderson e Archer (2000) e colaboradores, apoiados em Dewey (1933), defendem que o processo de construção de significado é fundamentado na experiência. Os autores defendem que em sua primeira fase este processo ocorre, principalmente, na dimensão dos processos mentais, envolvendo um contínuo entre ação e deliberação. A análise das emissivas dos participantes das comunidades autônomas on-line, no entanto, nos permite

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identificar um contínuo de ação e deliberação aninhado na prática social e não meramente contido no processamento mental dos aprendizes.

Como ilustram os exemplos supracitados, os aprendizes contam com o suporte dos pares em seus esforços para resolver questões, dilemas e problemas relativos às tarefas, proporcionando, assim, oportunidades para que o sistema aprenda, tanto no sentido local ou individual, no caso do aprendiz, quanto no sentido global ou coletivo, no caso da comunidade como um todo. Estas questões corroboram as considerações de Johnson (2001, p. 63) sobre os sistemas de DNA que apontam que “células coletivas emergem porque cada célula ‘olha’ para suas vizinhas procurando ‘dicas’ de como se comportar”. O autor enfatiza ainda que “somente com essa interação local podem surgir ‘comunidades’ complexas de células”.

Nesta direção, as ações dos participantes das comunidades aqui tratadas parecem sugerir que, desde o início ou primeiro estágio, a construção de significado passa a ser de responsabilidade e proveito de todos os agentes do sistema e não meramente de um de seus agentes, demonstrando que essa construção, nesse contexto, se processa simultaneamente de forma distribuída (todos contribuem e participam) e compartilhada (o conhecimento é construído a partir das contribuições). Essas considerações alinham-se com as noções de sistemas complexos, visto que o controle de um sistema complexo adaptativo tende a ser distribuído e seu comportamento coerente é gerado, dentre outros fatores, pela cooperação entre os agentes.