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3. O CINECLUBE E A CIDADE II: O CINECLUBISMO NA DÉCADA DE

3.3 A fase do IBEU (1949-1959)

Em nove de agosto de 1943 foi instalado o IBEU-CE, criado por iniciativa do médico Jorge Moreira da Rocha, com a participação de Mozart Sólon e Antônio Martins Filho, entre outros brasileiros e membros da comunidade norte-americana na cidade.

O cinema foi utilizado como instrumento de ensino da língua inglesa e de propaganda do governo dos EUA desde o início das atividades. De acordo com o registro no livro “IBEU-CE: anos de História e Tradição”, (CAMPOS et al. 1995, p. 149) as exibições começaram em julho de 1944, por iniciativa do americano Sanford B. Fenne, chefe da 4ª Divisão da Comissão Brasileira de Gêneros Alimentícios, quando foram mostrados “filmes de cenas dos Estados Unidos.” Em outubro do mesmo ano as sessões cinematográficas ficaram sob a responsabilidade do Comitê de Coordenação de Assuntos Interamericanos, dirigido pelo fundador do IBEU, Jorge Moreira da Rocha.

A exibição de filmes de atualidades de origem norte-americana continua após o fim da Segunda Guerra Mundial. Em 1946, o Boletim do IBEU-CE nº 2, destacava (CAMPOS et. al., 1995, p. 149, grifo do autor):

Todos os jornais de Fortaleza vêm noticiando, periodicamente, que a Coordenação dos Assuntos Interamericanos promove, de 2 em duas 2 semanas, sessões de cinema falado, na sede do Instituto Brasil-Estados Unidos. São filmes novos chegados diretamente da América do Norte, versando sobre os mais variados e interessantes assuntes de grande utilidade, como sejam: notícias do dia, educação, shorts de guerra, desenhos animados, películas naturais, em tecnicolor etc. que se destinam ao público em geral, particularmente, aos sócios do Instituto, suas famílias e alunos. Após sucessivos meses de sessões, em setembro de 1946 foram suspensas por falta de “fitas novas” para as exibições. Em abril de 1947 as exibições foram regularizadas, destacando-se, na chamada do boletim interno do IBEU: “Todas as sessões começando às 19:45 horas, se houver energia elétrica”. (CAMPOS, et al., 1995, p. 149).

O United States Information Service (USIS), ou Serviço Americano de Informações, era órgão responsável por importar e distribuir os filmes curtas-metragens em formato de 16 mm produzidos nos EUA para exibição em escolas, associações e outras

entidades interessadas.50 Em Fortaleza funcionava junto ao IBEU um escritório e filmoteca do USIS, que além de acervo de fitas em 16 mm51, possuía dois projetores sonoros da mesma bitola da marca americana Bell & Howel, modelo ilustrado abaixo (FIGURA 4).

Figura 4 – Projetor de 16mm.

Fonte: BELL & HOWELL (1967)

De acordo Alice Gonzaga (Apud. QUENTAL, 2010, p. 58), o principal fator de ordem técnica e material a estimular o desenvolvimento do cineclubismo na década de 1940, foi a adoção da bitola de 16 mm como formato para difusão comercial de filmes, ampliando atividades não comerciais de exibição cinematográficas. De acordo com Quental (2010, p. 58):

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Além do CCF, do IBEU e outras escolas, o USIS distribuiu filmes para programas do canal TV Ceará, na década de 1960. Sem esclarecer detalhes, mas indicando as implicações do serviço de informação e propaganda dos EUA sobre a política brasileira, Gilmar de Carvalho (2010, p. 69) faz o seguinte comentário: “Edson Martins, profissional do rádio que a tevê requisitou, fazia aos domingos a Telesemana Unitário, onde se encaixava então o Panorama Pan-Americano, série de filmes distribuídos pelo United States Information Service (USIS), que desempenhou um papel decisivo no Brasil pré-1964 e, segundo alguns, na articulação do golpe”.

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Criado em 1923, pela empresa alemã Kodak, o 16 mm era destinado ao mercado de cinema amador. Foi a bitola mais utilizada em documentários, filmes experimentais, para treinamento de futuros cineastas, tendo importância decisiva no chamado “cinema direto”. Também era utilizado em filmes independentes, como nas experiências da SCFC, nas décadas de 1940 e 1950.

Até o início da década de 1940, o 16 mm era um formato amador. De uso prioritariamente doméstico ou direcionado à difusão de filmes educativos. Sua utilização comercial começou a ganhar força durante a guerra, devido à grande produção de reportagens de cine-reportagens nesse formato, fato que teria propiciado um aperfeiçoamento do material que, aliado ao menor custo de copiagem e às facilidades de armazenamento e transporte, estimulou sua adequação comercial. A partir desse momento, tornou-se comum a redução de filmes produzidos originalmente em 35 mm para bitola de 16, o que facilitou o acesso a uma variedade de filmes.

Nos anos 1940 as distribuidoras de filmes no Brasil adotaram o 16 mm como um formato de comercialização, e passaram a ampliar os seus catálogos com números cada vez maiores de títulos nesse formato. Deve-se ressaltar o custo de copiagem e aluguel mais baratos, somados ao custo expressivamente menor dos equipamentos de projeção, além do custo de transporte aéreo, pois a maioria das distribuidoras estava concentrada nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, com rolos de filmes de tamanho e peso muito reduzido, comparando-se com a bitola de 35 mm, como fatores que contribuíram para a expansão do cineclubismo e de outras experiências no circuito alternativo de cinema (escolas, sindicatos, igrejas, clubes etc.).

O primeiro operador das máquinas de projeção do CCF foi Darcy Costa, José Gomes Andrade52 assumiria a função apenas em meados da década de 1950. Sobre a operação das máquinas, Augusto César Costa apresentou elucidativo comentário desta e outra faceta das frequentes faltas de energia elétrica na cidade. Esta situação seria modificada a partir de 1965, quando a energia elétrica produzida em Paulo Afonso começou a ser distribuída pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) em Fortaleza:

Meu pai me ensinou a operar a máquina de projeção e até quando faltava luz, porque ele dizia: „você vai ter que tirar o filme na mão‟, tendo que tirar o filme de toda a engrenagem para não quebrar. Ele ensinava: „Você vai ter que fazer pelo tato, de olhos fechados, como se houvesse realmente faltado luz e depois vai colocar pelo tato, com os olhos fechados também.‟ Assim eu aprendi a usar essas máquinas. No CCF a gente usava as americanas Bell & Howell. (COSTA, 2015b).

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Conforme Cláudio de Sidou e Costa (2015): “José Gomes Andrade foi um homem ‘dos sete instrumentos’ do CCF. Ele foi bibliotecário, foi tesoureiro, foi cobrador. Ele sai para cobrar, imagine, ele saia para cobrar as mensalidades e ele não tinha moto, sai de ônibus cobrando. Ele tinha uma coisa que e tinha pena, era um homem de uma timidez terrível. [...] Era muito calado. Foi até crítico. Escreveu crítica em jornais. Realizou um trabalho notável, mas um homem muito silencioso, não chamava atenção para sua pessoa. Era também o operador do CCF, o projecionista. Depois do CCF passou a ser o operador da Casa Amarela, quando o Eusélio convidou. O José Gomes, para mim, é uma pessoa importantíssima.”

Como é possível acompanhar, uma série de aparatos técnicos como projetos e fitas magnéticas, fornecimento regular de energia elétrica, estão relacionados diretamente à prática cineclubista.

Fora do campo comercial, a Cinemateca Brasileira, de São Paulo (fundada no final da década de 1940) e a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (início da década de 1950), contribuíram sobremaneira na distribuição de filmes em 16 mm, reproduzindo e distribuindo títulos fora dos catálogos das distribuidoras. De acordo com Quental (2010, p. 58), “a estrutura legal dessas entidades, aliada ao conjunto de relações pessoais de seus dirigentes, propiciou um novo patamar na circulação de filmes no Brasil.” Para Meize Regina de Lucena Lucas (2008, p. 20): “As cinematecas do Rio de Janeiro e São Paulo, criadas nessa mesma década [1950], constituíram espaço de reunião e debate para jovens cinéfilos, permitiram a formação de uma geração de espectadores através de suas exibições, retrospectivas e mostras e também tiveram importante papel na produção e circulação uma literatura sobre cinema.” Ao que podemos incluir o papel de distribuição de programas em formato 16 e 35mm para cineclubes e federações, especialmente para o CCF e para FNNC.

Além delas, agiram também as legações e serviços de informação e propaganda de países como o Canadá, a Holanda (Serviço Holandês de Informação, no Rio de Janeiro), França (Serviços Oficiais do Turismo Francês, no Rio de Janeiro). Inglaterra (The British

Council, o Conselho Britânico no Rio de Janeiro) e os EUA (USIS e a Embaixada).

A utilização da bitola de 16 mm na cidade não estava restrita ao CCF e a outros cineclubes surgidos posteriormente. Para dimensionar a difusão desses equipamentos em Fortaleza e no Ceará, encontramos informações na correspondência do CCF, na pessoa do presidente Darcy Costa, em que constam dados das vendas fornecidos pelos representantes locais da empresa austríaca de equipamentos de projeção Varimex: “Os agentes da Varimex em Fortaleza já realizaram mais de duzentas vendas e tem prestado assistência a todas as máquinas vendidas, mantendo, inclusive, estoque permanente de peças sobressalentes.” (COSTA, 1963c). Sendo esta apenas uma das marcas presentes no Brasil, é possível que o número de equipamentos seja muito maior, pois além do circuito paralelo, o 16 mm foi muito utilizado em pequenas salas de cinema e por exibidores itinerantes, nas quais se exibiam filmes de sucesso de temporadas passadas disponíveis na película.

Apesar das sessões cinematográficas surgirem da iniciativa do próprio instituto, a publicação comemorativa do 50º aniversário do IBEU-CE (CAMPOS, et al., 1995, p. 146- 147) destacava, todavia que: “Grande acontecimento no setor cinematográfico foi a fundação do Clube de Cinema de Fortaleza no dia 29 de agosto de 1949, às 19:30h com a exibição do filme Sangue de Pantera, de Val Lewton [Jaques Tourneur]. Darcy Costa, um dos fundadores e seu grande esteio, fez uma introdução para apresentar o filme”.