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A FASE TRANSITÓRIA NO RIO GRANDE DO SUL: AS DIRETAS JÁ E A VITÓRIA DO PMDB

II. DAS FONTES

2 DA CONSTITUIÇÃO DO CAMPO POLÍTICO BRASILEIRO ATÉ A ASCENSÃO DO PT NO RIO GRANDE DO SUL

2.3 A FASE TRANSITÓRIA NO RIO GRANDE DO SUL: AS DIRETAS JÁ E A VITÓRIA DO PMDB

Foi em meio à gestão de Soares que ocorreram as Diretas Já. No contexto regional, essas mobilizações contaram com a participação heterogênea de agentes políticos relativamente bem posicionados ou em ascensão no campo político do Rio Grande do Sul. Assim como no espectro nacional, este movimento mostrou ampla capacidade de

63 AXT, Gunter. A constituição de 1989: história da constituição dos gaúchos. Porto Alegre: Assembleia

mobilização. Em 1984, a capital gaúcha teve 200 mil pessoas às ruas, e, desde o ano anterior, Olívio Dutra, Alceu Collares e Pedro Simon dividiam os palanques, que também receberam lideranças nacionais. Eram agentes que procuravam falar e agir em nome dos indivíduos mobilizados e daqueles benévolos que, embora não estivessem nessa contagem, simpatizavam com que o movimento representava, trabalhando para fazê-lo ser visto e reconhecido como legítimo, constituindo-se como uma ideia-força no mundo social. Até mesmo Soares chegou a liberar o funcionalismo público gaúcho para participar das mobilizações.64 Atitude que ilustrou a força simbólica adquirida pelas mobilizações também no Rio Grande do Sul, já que o governo estadual era controlado por um civil vinculado ao regime militar.

No parlamento, foram inúmeras as manifestações em plenário. Do PDS, havia o consenso de que o debate sobre eleições diretas era muito cedo. No setor da oposição a Soares, PDT e PMDB defendiam eleições diretas e disparavam críticas ao PDS e ao regime militar. Em 1983 um deputado do PDT afirmava que 48 dos 56 parlamentares da Assembleia gaúcha eram favoráveis às eleições diretas 65, o que demonstra um

posicionamento favorável à abertura do regime dentro daquele espaço institucional. A capacidade mobilizadora do movimento agia também como força estruturante, coagindo os profissionais do campo político a terem uma posição adepta sob o risco de verem seu crédito firmado desaparecer.

É neste contexto que, em 1985, ocorreram as eleições para a Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Alceu Collares levou o trabalhismo ao paço municipal pela primeira vez desde o golpe de 1964.66 Neste pleito, a eleição foi restrita à prefeitura, mantendo-se os vereadores eleitos em 1982. Vale destacar que o PDS confirmava a tendência descendente também sob perspectiva local, ocupando a quarta colocação do pleito, perdendo para o PT que, proporcionalmente, atingia um patamar mais relevante perante a votação que fez para o governo do estado (12%), três anos antes. A eleição em Porto Alegre solidificou a força oposicionista aos governos do estado, da prefeitura e ao regime militar, no limiar dos primeiros meses de governo Sarney. Era um reflexo da decadência da posição do PDS no

64 LEONELLI, Domingos; OLIVEIRA, Dante de. Diretas Já: 15 meses que abalaram a ditadura. Rio de

Janeiro: Record, 2004; SILVA, Marcos. As Diretas Já no Rio Grande do Sul. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História), Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013.

65 ELMIR, Cláudio Pereira. A democracia reconquistada (1983-2004). Porto Alegre: CORAG, 2005, p. 39;

RODRIGUES, Alberto Tossi. Diretas Já: o grito preso na garganta. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.

campo político do Rio Grande do Sul, ocupando espaço cada vez menor e diminuindo a estrutura que manteve.

No governo Soares ocorreram expressivas mobilizações pelo Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul. Este ganharia notoriedade por conseguir obter capital de mobilização e pressionar os agentes do campo político com movimentos reivindicatórios. Ganharia destaque no campo jornalístico e conseguiria delegar parte do seu capital institucionalizado para lideranças políticas vinculadas à categoria nos anos 1980 e 1990, sobretudo entre siglas de esquerda, como PDT, PSB e, com maior organicidade na virada da década, com o PT. Sobretudo, por ser o sindicato com o maior número de filiados no estado e seus porta-vozes conseguirem fazer mobilizações duradouras, que contavam com importante estrutura de militantes “efetivos” – isto é, profissionalizados no CPERS -, e “benévolos”, vinculados ao sindicato por simpatia e adesão. Apoio esse que perpassava, isto é, ia além dos profissionais da educação, sendo as pautas apoiadas por amplos setores de profanos.

Entre as bandeiras defendidas pelo CPERS, que contavam com a adesão da categoria que delegava ao sindicato a competência de falar em seu nome como porta-voz, estava o cumprimento de reajustes salariais. Mas também defendiam a eleição direta para os diretores de escola, no ritmo das Diretas Já. Com 20 mil paredistas, a greve durou 60 dias67, obtendo sucesso no sentido de fazer ver as reivindicações da categoria e mobilizar militantes, demonstrando poder de pressão e influência no campo político. Neste processo de fortalecimento do sindicalismo do professorado gaúcho, esta greve não foi a primeira, mas a mais importante, pelo contexto e por viabilizar novas mobilizações de peso nos demais governos, como veremos ao longo deste capítulo.

É nessa conjuntura que ocorreram as eleições para o governo do estado em 1986. Não mais sob a vigência das restrições impostas pela Reforma Eleitoral de 1979, o pleito permitia o estabelecimento de coligações, assim como já havia ocorrido na eleição municipal de 1985. Era mais um passo na formação de um campo relativamente autônomo, com suas normas e leis internas controladas pelos agentes participantes. E houve praticamente uma reprodução daquilo que notamos em Porto Alegre: uma rejeição ao situacionismo representado, em termo estadual, pelo PDS e ao PDT, coligados “inusitadamente” para somar eleitorados heterogêneos. O candidato pedetista, Aldo Pinto, encabeçava a chapa com o vice do PDS. A vitória de Pedro Simon, sem coligação,

67 BULHÕES, Maria da Graça; ABREU, Mariza Vasquez. A luta dos professores gaúchos de 1979 a 1991:

representou a eleição do candidato vinculado ao governo federal. As duas chapas eram seguidas por Carlos Chiarelli (do jovem PFL), Clóvis Ilgenfritz (PT) e Fulvio Petracco, do (re)fundado PSB, que fechavam o bloco de candidatos em nível regional68, sendo os dois últimos de um posicionamento mais à esquerda.

Importante destacar o aumento no número de instituições partidárias que participavam do campo político, o que provocava alteração em sua estrutura com mais partidos disputando espaço. Em 1985, surgiu uma série de siglas partidárias, sendo visível o aumento no número de partidos e candidaturas também na cena gaúcha. O que queremos destacar é a influência da modificação estrutural na política regional. Essa mesma mudança ajuda a explicar a eleição do candidato Pedro Simon, ligado ao PMDB: o PDS praticamente foi “varrido” dos governos estaduais, e os peemedebistas ganharam 22 de 23 estados possíveis, algo jamais feito, muito também em razão do sucesso do Plano Cruzado. O PDT perdeu o governo do Rio de Janeiro e o PFL foi o único partido que conseguiu vencer uma eleição estadual afora o PMDB. Em linhas gerais, destaca-se a derrocada do PDS, partido da ditadura, inclusive no Nordeste, mostrando que a mobilização em torno da abertura política dominava o mundo social e consolidava a legitimidade das forças oposicionistas ao regime militar. A força das siglas contrárias ao regime militar suplantou a herança montada pelo PDS. Mesmo manuseando recursos estatais e capital institucionalizado, via que as agremiações em favor da democracia parlamentar ascendiam. Já aquelas ligadas à estrutura do regime militar eram alocadas para uma posição dominada.

O PMDB confirmou a supremacia eleitoral no Rio Grande do Sul elegendo os dois senadores. Além disso, o peemedebismo fez 17 dos 31 deputados federais, preenchendo mais de 50% das vagas. No estado, fez 49% dos deputados estaduais: 27 de 55 cadeiras. PDS (10) e PDT (7) eram, respectivamente, a segunda e terceira maiores bancadas estaduais. Por fim, o parlamento gaúcho foi composto por PFL e PT, com cinco e quatro cadeiras, respectivamente.69 Nesse sentido, vemos novos agentes acessando recursos institucionais na Assembleia Legislativa. Isto é, legitimados para falar e agir em nome do “povo” por meio de um mandato conferido pelo sufrágio. E havia a importância singular para a escolha desses deputados. Afinal, seriam eles constituintes nos dois níveis.

Outro ponto importante é o PDT se consolidar como maior partido na esquerda. Não só pela bancada mais numerosa nas duas eleições entre os partidos que ocupavam

68 TRE-RS. Ata das eleições de 1986. Arquivo digitalizado do TRE-RS.

este polo no campo político, mas por ter sido o segundo mais votado para o governo do estado nos dois anos - ainda que coligado ao PDS na segunda oportunidade - e por ter elegido o primeiro prefeito por voto direto desde o golpe de 1964. Ainda que observemos certa trajetória ascendente do PT, com dois deputados federais e quatro estaduais, o polo de esquerda ainda era dominado pelos trabalhistas no campo. Já o PMDB se consolida como o mais forte partido do estado a partir da segunda metade dos anos 1980. Eram o PMDB e o PDT não somente partidos em ascensão, mas que se colocavam como siglas dominantes na estrutura do campo político regional. O PDS aparecia como partido dominante-dominado, enquanto o PT brotava com relativa ascensão, mas longe de manipular os mesmos recursos das demais siglas com representação legitimada com um mandato parlamentar na Assembleia Legislativa.

2.3.1 Tempo de constituintes: os debates em torno das constituições federal e estadual

A eleição de Tancredo Neves e José Sarney trazia muitos traços da abertura tutelada. A derrota da emenda Dante de Oliveira exemplificava isso, bem como a eleição por meio de um Colégio Eleitoral que apontavam ainda para a manutenção da “tutela

cordial” definida por Dreyfuss. Naquele contexto, os partidos de oposição e a cisão do

PDS que originou o PFL formaram um bloco coeso em torno do candidato peemedebista. E junto com a pressão externa de diferentes agentes que Tancredo Neves fez 70% dos votos contra Maluf.70 O PT adotava a estratégia puritana de boicote, e não se atrelou a uma eleição sem a participação do “povo”, procurando distinguir-se das demais legendas no campo político e ganhar capital de notoriedade pela fidelidade à emenda Dante de Oliveira.

A primeira mudança da constituinte foi uma reforma na legislação eleitoral e partidária. Estabelecia, entre outros, a liberdade de organização partidária (inclusive comunistas), flexibilizava os pedidos de registros das agremiações, instituía eleições diretas em dois turnos para a Presidência da República em capitais, áreas de segurança e estâncias hidrominerais já em 1985, e instituía-se o direito de voto ao analfabeto. Segundo Meneguello, “já no primeiro ano, o novo regime estabeleceu nas eleições para as capitais

70 MENEGUELLO, Rachel. Governo Sarney: dilemas e virtudes de uma transição negociada. Secuencia.

dos estados o primeiro momento amplo de avaliação popular da transição democrática”.

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Com a consolidação constitucional desses direitos – com estes sendo aprovados pelo Estado, que reconhecia como legítima em sua Carta a estrutura política que estava progredindo desde o fim dos anos 1970 -, avançava-se ainda mais para que os partidos políticos e seus agentes pudessem disputar o controle do Estado pela mobilização simbólica do maior número de grupos, obedecendo à lógica do laissez-faire em torno dos

profanos. Com isso, a organização partidária livre era indispensável para a existência do

campo político, obedecendo à premissa de uma guerra civil sublimada entre as agremiações e seus profissionais. Isto é, para que houvesse disputas por diferentes (di)visões do mundo social, não mais mantendo a estrutura de autoridade por meio da força – e da restrição política. Esses avanços também mostravam a capacidade dos agentes políticos vinculados à abertura. A Assembleia Nacional Constituinte foi um momento onde agentes internos (constituintes) e externos (partidos, sindicatos, movimentos sociais, elite econômica, etc.) articulavam-se para fazer aprovar e reprovar pautas. Ela representou uma desarticulação incisiva da estrutura militar autoritária em favor do poder civil.

É neste contexto em que se instala a 47ª Legislatura no Rio Grande do Sul. Dois pontos são destacados pela literatura pertinente: as repercussões nas bancadas dos partidos sobre os debates nacionais da nova constituição e o fato de esta legislatura ser também incumbida de escrever uma carta estadual. Eles possuíam elo importante, pois a constituição estadual só poderia ser escrita depois da nacional, delimitando as restrições e incumbências que as cartas regionais teriam. Também destacamos que estas não eram as únicas pautas que permearam o debate político durante o governo Pedro Simon. Sobretudo porque sua gestão foi envolvida pela crise econômica que assolava o cenário brasileiro e pela continuação da ebulição dos movimentos sociais no estado. Estes pontos envolveram os debates na Assembleia Legislativa.

O principal ponto a ser destacado é a recuperação de poderes legislativos pela Assembleia Estadual Constituinte.72 Também nessa direção, os deputados estaduais, agentes políticos profissionais representando grupos e interesses, sofreriam pressões de outros dotados de capital econômico, cultural, político etc. que, sob a perspectiva regional, procurariam mobilizar seus recursos no encaminhamento da nova constituição. Estes

71 Idem, p. 47.

agentes disputavam entre si os deveres e limites impostos pelo estado do Rio Grande do Sul na sociedade civil.

Dentre os aspectos mais gerais que demonstram a ação de uma série de agentes sobre os profissionais do campo político, podemos destacar: 1 - a pressão exercida por meios de comunicação para dar celeridade aos trabalhos; 2 - o lobby de entidades vinculadas ao serviço público e privado na defesa de interesses corporativos; 3 - a abertura de canais de participação, cedendo espaço reivindicado pelos novos movimentos sociais que se mobilizaram com relativa frequência desde o final dos anos 1970; 4 - a organização dos trabalhos pela intensa negociação entre as bancadas. Isso ocorreu desde a criação do regimento interno até a composição da mesa diretora; 5 - o receio da formação de um “Centrão Gaúcho”, composto por PDS e PMDB, motivando articulações partidárias para impedir isso.73

Axt menciona pontos importantes do processo constituinte, como a aproximação do PT com a bancada governista em alguns momentos. O PT presidiu duas comissões em função dessas negociações, com Raul Pont e José Fortunati. O autor destaca essa mudança de relacionamento inserindo-a no contexto eleitoral de 1988. Ele ainda defende que este gesto contribuiu para diminuir a tensão envolvendo a formação da Mesa Diretora.

O PT, que até então vivia às turras com o PMDB, alcançara de fato boa representação na composição das comissões. Reforçavam as especulações o fato dos dois partidos terem indicado os componentes dos principais postos das comissões na última hora, depois dos outros já o terem feito. Somava-se a isso a relação cordial que vinha se estabelecendo entre o Governo do Estado e a Prefeitura de Porto Alegre. Porém, Raul Pont negou taxativamente tais alcovitices. Mas é inegável que a composição das comissões contribuiu para a distensão do ambiente prévio à formação da Mesa.74

A carta acabou sendo promulgada com a aprovação de todas as bancadas, exceto o PT. Seguindo orientação do Diretório Regional, a sigla, a exemplo do que havia feito em âmbito federal, assinou a nova constituição, mas votou contra ela. A atitude petista, procurando distinguir-se das demais siglas do campo com uma postura puritana, causava desconforto na relação entre os demais agentes envolvidos. ‘Oportunista’, ‘demagógica’, ‘infantilidade’, ‘posição ambígua’ foram algumas das categorias usadas por diferentes parlamentares, que buscavam legitimar a posição “democrática” costurada na nova carta em contraponto à postura do PT. Raul Pont, deputado estadual constituinte e presidente

73 Idem.

do Diretório Estadual do PT, defendia-se dizendo que o consenso entre as demais bancadas mostrava que as agremiações eram “capitalistas” e “vinculadas à ordem”. Já Fortunati defendia a posição dissonante do PT para não vender a ideia de consenso.75 Era a legenda a única com postura puritana no parlamento, o que explica a busca por distinção entre as demais. Até mesmo o PDT era menos ortodoxo.

De todo modo, o processo constituinte colocava uma nova relação entre o parlamento gaúcho perante o governo do estado, na medida em que reestabelecia parte de suas prerrogativas, extintas desde o regime militar, formalizava a independência entre os poderes e estruturava as disputas envolvendo o Legislativo e Executivo no Rio Grande do Sul. A partir desse contexto é que podemos compreender a relação entre os agentes parlamentares junto aos governos seguintes.

2.4 O CAMPO POLÍTICO REGIONAL E NACIONAL PÓS CONSTITUINTE: A

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