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4. ENTRE A IMAGEM E A MENSAGEM: as intervenções ativistas nos mainstream media

4.3 DE FATO A FONTE

O frame contest que se estabeleceu entre os MJG e as instituições do sistema econômico e financeiro do capitalismo ocorre num cenário midiatiatizado, no qual as estratégias de comunicação desempenham um papel fundamental na configuração do conflito, bem como nos seus desdobramentos, caracterizando um processo reflexivo de framing e re-framing, tanto por parte dos MJG como da mídia.

O quadro da grande imprensa para os MJG desenha-os predominantemente como ativistas violentos, responsáveis por depredações, portadores de uma ideologia anarquista, mas também criativos. Privilegiou a cobertura pelo critério de noticiabilidade do conflito, da anormalidade, por isso pintou as táticas de desobediência civil como “distúrbio” e, ainda que as cores tenham sido favoráveis à sua mensagem, foi por esse viés que os MJG tiveram sua imagem construída. Por ele, os MJG ganharam visibilidade e passaram a existir no cenário político.

O trabalho de re-frame se deu pela entrada na agenda, pela inserção de pontos de discussão nas reuniões anticúpula pelo gancho do frame jornalístico. Ou seja, a mensagem foi dirigida aos adversários via imprensa e não diretamente. A inclusão das questões na pauta das organizações se deu, portanto, pela midiatização do frame ativista. Pela definição da frame analysis, o entendimento até então consensual sobre livre comércio e programas neoliberais deixa de ser apresentado como “natural”, pois a ele foi contraposto um outro, que desestabiliza as estruturas interpretativas vigentes.

A trajetória dos protestos anticúpula mostra que a relação com a imprensa e mídia em geral foi fundamental na orientação da ação e condução da mensagem. A espetacularização da ação não se apresenta desprovida de conteúdo político, mas ao contrário, evidencia uma mudança nas formas de intervenção política, neste caso, intervenção ativista nos mainstream media.

A maneira pela qual a imprensa se refere aos protestos indica por qual imagem a mensagem dos MJG foi difundida. Assim, a “Batalha de Seattle” foi o primeiro golpe dos ativistas na aparente tranqüilidade reinante no mundo político e econômico. O frame ativista foi apresentado ao mundo pelas lentes da imprensa internacional e o frame vigente, endossado pelo jornalístico, mostrou sua vulnerabilidade.

A imagem de Seattle permaneceu em Washington e foi a garantia de que a estratégia era mesmo bem sucedida e poderia transformar o ganho de visibilidade em ganho de substância política. Praga foi mostrada pela imagem da desorganização, da depredação de prédios, captada pelo frame jornalístico que remeteu os protestos a um

“outono de Praga”, subvertendo a memória da primavera de 1969, o que provocou aos MJG perda de legitimidade. Québec foi vista pela imagem do “muro da vergonha”, que tornava explícitos os métodos antidemocráticos de deliberação política criticados pelos ativistas. Foi a retomada da legitimidade pela ampliação do frame ativista para as questões de democracia. Gênova foi o palco da morte de Giuliani, imagem dos protestos, motivo ao mesmo tempo de trauma e júbilo para os MJG.

Dessa forma, assim como não há homogeneidade na rede dos MJG, também não houve uniformidade na cobertura jornalística. Aos ganhos em visibilidade ocasionalmente se verifica perda em legitimidade. A organização dos protestos tornou-os prattornou-os perfeittornou-os para o menu jornalístico: todtornou-os eles contêm valores notícia suficientes para garantir a cobertura.

A batalha de Seattle foi o único acontecimento que apresentou os critérios da novidade e do inesperado. Uma vez que os MJG passaram a existir, os protestos subseqüentes foram enquadrados pelos critérios da atualidade e da relevância. Todos

ofereceram aos jornalistas os critérios da notabilidade e do conflito. O primeiro refere-se à quantidade de pessoas envolvidas – e os protestos refere-sempre reuniram milhares de pessoas –, e à inversão do curso normal dos acontecimentos – os protestos sempre são disruptivos. O segundo trata da identificação de dois adversários num combate: este foi o frame contest que interessava aos ativistas.

Assim organizados, os protestos apresentam o valor notícia da disponibilidade, pois facilitam o trabalho jornalístico. A notabilidade do número garante ainda o valor da visualidade, já que os protestos oferecem boas imagens para as matérias. No caso do MJG, o frame alignment fez da imagem a sua mensagem.

Aos valores notícia de seleção somam-se os valores de construção da notícia.

As chamadas para os dias de ação global procuram adaptar a mensagem aos critérios de simplificação, procurando eliminar ambigüidades e apresentar claramente seus pontos, e do que Traquina (2005) chama de consonância, ou seja, a inserção do acontecimento numa narrativa já conhecida, o que no jargão jornalístico é conhecido como “suíte”.

Outro valor é a dramatização, disponível principalmente no caso de Gênova.

A aparição pública e midiatizada dos MJG não pode ser ignorada pela imprensa porque provocam uma concorrência entre veículos que estão atrás de exclusividade, assim tornando os MJG fontes de informação. Esse fator talvez seja o maior ganho das nem sempre satisfatórias intervenções ativistas nos mainstream media:

de objeto a compor uma imagem jornalisticamente interessante, os MJG alcançam a posição de fonte de informação, credenciando-os como interlocutores importantes no debate político.

Ainda que o período pós-Gênova tenha representado um recuo em termos de visibilidade do frame ativista inaugurado em Seattle, ele significou também a virada dos MJG para a sistematização da informação para a construção de uma mensagem alternativa. Tendo esgotado a estratégia das intervenções ativistas nos mainstream media, os MJG partem para a sua própria mídia, hospedada na internet, produzida por ativistas familiarizados com a linguagem jornalística – os ativistas de mídia e os jornativistas.