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3. O PODER DA NOMEAÇÃO – proposta de investigação pela frame analysis

3.1 FRAME ANALYSIS DE GOFFMAN

A frame analysis49 de Goffman (1974) quer extrapolar o conceito de

“definição da situação” de Thomas, segundo o qual “se os homens definem sua situação como reais, o são em suas conseqüências”. Apresenta outra análise da realidade social, seguindo a tradição de James que, em vez de perguntar o que é a realidade, pergunta

“sob que circunstâncias pensamos que as coisas são reais?”. Mais importante é o senso de realidade como subuniversos ou ordens de existência, o que se aproxima da idéia de realidades múltiplas de Schütz, como províncias finitas de significado. Diferentemente

49 O termo frame foi cunhado com este sentido pela primeira vez por Gregory Bateson, em

“A theory of play and fantasy” (Psychiatric Research Reports 2, American Psychiatric Association.

December, 1955, pp. 39-51) e tratava da dificuldade de interpretar a “realidade”. Aparece também nos trabalhos de John Austin, Barney Glaser e Anselm Strauss, nestes últimos como noção de código padrão (ver Goffman, 1974).

de James, para Schütz não importa a estrutura ontológica dos objetos que constituem a realidade. Goffman aponta para os limites de James e Schutz, que não consideram os papéis e regras, coisa que faz a etnomedologia de Garfinkel50.

Goffman (1974, p. 08) preocupa-se com o que um indivíduo se atém num momento particular, envolvendo outros indivíduos particulares e não necessariamente restritos à arena mutuamente monitorada do contato face a face. A questão é “o que está acontecendo aqui?”, portanto, a definição da situação corrente, respondida com recursos à mão. “When participant roles in an activity are differentiated – a common circumstance – the view that one person has of what is going on is likely to be quite different from that of another. There is a sense in which what is play for the golfer is work for the caddy. Different interests will – in Schütz’s phrasing – generate different motivational relevancies”.

A intenção do autor é isolar alguns frameworks básicos disponíveis e analisar as vulnerabilidades às quais eles estão sujeitos. Para isso, a análise opera “cortes”

arbitrários na atividade corrente, na seqüência de acontecimentos.

Segundo a noção de frame, as definições da situação são construídas de acordo com princípios de organização que governam os eventos sociais e nosso envolvimento subjetivo neles. Refere-se a tais elementos básicos que é possível identificar. E a frame analysis é o slogan do exame desses termos de organização da experiência, para além do mundo da atitude natural (Schütz) (Goffman, 1974, p. 11).

Quando um indivíduo reconhece um acontecimento do mundo, ele tende a implicar na reação/resposta um ou mais frameworks ou esquemas de interpretação de um tipo que pode ser chamado de primário (Goffman, 1974, p. 21). Este interpreta o que de outra maneira seria um aspecto insignificante da cena e o torna significativo. Permite localizar, perceber, identificar e nomear (label) um número aparentemente infinito de

50 A etnometodologia também se baseia nas premissas de Schütz. Estuda as propriedades do raciocínio prático de senso comum nas situações mundanas de ação. Para Garfinkel, o analista deve “pôr entre parênteses” suas versões da estrutura social e atentar para como os participantes criam, produzem e reproduzem as estruturas sociais para as quais se orientam. Para isso, a linguagem é entendida como um recurso mediante o qual os participantes sociais intervêm nas situações que envolvem a ação. (Heritage, 1999).

ocorrências. Os elementos centrais da cultura (esquemas, forças, agentes, estruturas interpretativas) são justamente os recursos cognitivos compartilhados que servem para diferentes interpretações. Frameworks primários são aplicados à realidade. Sem eles, não há classificação de eventos. Não são, porém, seguidos integralmente, mas por partes (strips), por transposição de parte do seu sentido.

A aplicação de frameworks primários se dá por dois processos: ajustes e fabricações. Por ajustes (keys), entende Goffman (1974, p. 44) o conjunto de convenções pelas quais uma atividade já significativa em termos de frameworks primários é transformada em algo padronizado sobre esta atividade, mas vista pelos participantes como outra coisa. Opera-se uma transformação sistemática de materiais já com sentido através de um esquema de interpretação. Os participantes devem saber e reconhecer que uma alteração está envolvida. É, assim, mais que uma variação de enfoque. Já as fabricações (Goffman, 1974, p. 83) constituem um esforço intencional de um ou mais indivíduos para manejar uma atividade de modo que um ou mais sujeitos sejam induzidos a ter uma falsa crença sobre o que está acontecendo. Como os ajustes, também sugerem uso de modelos – algo já significativo em termos de frameworks primários. Mas enquanto um ajuste conduz para que todos os participantes tenham a mesma visão do que está acontecendo, uma fabricação exige visões diferentes. A fabricação, ao contrário do ajuste, está sujeita a descrédito.

Quando uma atividade não está acontecendo, mas apenas servindo de modelo para um ajuste, pode-se dizer que a fatia exibe uma transformação que resulta em duas camadas ou lâminas – o modelado e o modelo; o copiado e a cópia – e pode-se ver a camada exterior – a borda do frame – como a que estabelece o status na realidade da atividade. As duas camadas – eventos não transformados e seus ajustes – constituem um corte relativamente superficial. O corte de um frame constituirá um elemento importante da sua estrutura.

De qualquer maneira, um frame provê um foco oficial de atenção. Os modos de atividade que ocorrem simultaneamente, fora do centro de atenção são denominados eventos out of frame.

Frame também implica num repertório de signos. A natureza de um frame se liga à natureza do papel (person-role formula) que o frame sustenta (Goffman, 1974, p.

290). Os difusos papéis sociais podem ser vistos como estilos, maneira de fazer as coisas que é “apropriada” a uma dada idade, sexo, classe. Assim o frame sustenta a definição da situação, pois oferece um lugar palpável no mundo. A ação dos indivíduos é uma reação ao que lhes é dito e essa ação se torna parte do mundo ao redor. É identificado por expressões indexicais (tempo, lugar, pessoas, normas de comportamento).

A perspectiva de Goffman se insere nos parâmetros de uma sociologia compreensiva ou interpretativa (herdeira direta do pensamento de Max Weber), que indica que a análise da sociedade não passa pela crença em uma ordem que extrapola a realidade dos próprios agentes e que, portanto, não é possível “revelar” a sociedade fora dos processos de interação que se dão no chamado mundo da vida. De alguma forma, a tensão entre indivíduo e sociedade é colocada sem prevalência de nenhuma das duas instâncias.

Na frame analysis, estão presentes os pressupostos da filosofia do pragmatismo, traduzida para a sociologia pela Escola de Chicago (especialmente no trabalho de Thomas) e na fenomenologia social.

3.2 PRAGMATISMO, ESCOLA DE CHICAGO E FENOMENOLOGIA