• Nenhum resultado encontrado

2.2 COMPORTAMENTO DE MISTURAS ASFÁLTICAS

2.2.2 Fadiga

2.2.2.4 Fator campo/laboratório

O que se pretende a partir dos modelos de vida de fadiga é prever quando a mistura asfáltica atingirá a ruptura por fadiga em campo. Porém, as condições existentes nos ensaios laboratoriais são bem distintas das condições de campo, sendo necessário o uso de fator campo/laboratório para aproximar a previsão de fadiga da realidade (DE MELLO, 2008).

Em serviço, as misturas asfálticas são submetidas a condições diferentes das consideradas em ensaios de laboratório, como, por exemplo, a ocorrência de variação de temperatura, envelhecimento do ligante asfáltico, a distribuição transversal do tráfego, a forma de compactação, o intervalo entre os carregamentos complexos e a presença do fenômeno de recuperação de trincas (PINTO, 1991; PROWELL, 2010).

A configuração de carregamento encontrada nas rodovias é de notável variabilidade, sendo um trabalho complexo a modelagem do tráfego na qual o pavimento será exposto. A solicitação do tráfego no pavimento possui variação tanto com relação ao tipo de eixos, às distâncias entre os eixos, às dimensões dos pneus, e às cargas transportadas, quanto com relação à frequência de carregamento, que está vinculada à velocidade dos veículos na via e distância entre os eixos. Além destes fatores, ocorrem os deslocamentos laterais aleatórios das cargas em função da largura da faixa de rolamento, dificultando ainda mais a simulação no laboratório do carregamento aplicado em campo (ROSSATO, 2015).

Nos ensaios de fadiga, onde são empregados carregamentos de tensão ou deformação controlada, a carga é aplicada repetidamente (a uma frequência constante) na amostra, no mesmo local, sendo necessário um fator para contabilizar tais diferenças (AL-QADI E NASSAR, 2003).

Segundo Al-Qadi e Nassar (2003), o método de ensaio em laboratório normalmente é feito de maneira contínua, enquanto que no pavimento, as cargas são aplicadas discretamente. Devido a essa diferença de carregamento, no laboratório a mistura asfáltica não consegue recuperar o dano sofrido entre uma carga e outra, como ocorre no campo através do processo conhecido como “healing”. Durante este processo, ocorre um fechamento parcial das fissuras, após a remoção da carga, devido às forças atômicas entre as partículas do material.

Com relação às amostras, a homogeneidade adquirida em laboratório não reflete as condições de campo, pois há variação nos processos de usinagem do material, na qualidade

dos materiais de fornecedores distintos, segregação da mistura entre usinagem e espalhamento, compactação variável, levando a um material heterogêneo em campo (GRANICH, 2015).

Além disso, segundo Tayebali et al. (1994), dependendo do tipo de ensaio utilizado, para amostras de material idêntico, o número de aplicações de carga para a fadiga do material é diferente. Pinto (1991) compara os ensaios de flexão e compressão diametral e conclui que a vida de fadiga na compressão diametral é inferior à vida de fadiga obtida no ensaio de flexão, mostrando-se mais conservador do que o ensaio de flexão.

Deste modo, todos estes fatores de divergência entre laboratório e campo citados, em conjunto, contribuem para as diferenças encontradas nos resultados obtidos em laboratório e em campo, no que se refere à previsão da vida de fadiga da mistura asfáltica. Como consequência, se faz necessário o uso de um fator de correção nos resultados de laboratório a fim de prever o comportamento em campo. Esta correlação é feita por meio do fator campo laboratório ou função de transferência.

A vida de fadiga do pavimento é definida como o número de aplicações de carga que o revestimento asfáltico pode suportar até que um determinado dano em número de trincas ocorra. De acordo com o projeto, o nível de trincamento aceitável pode variar entre 10% e 45%. Sendo assim, o fator campo/laboratório também varia em função do nível de trincas aceitáveis no projeto (GRANICH, 2015). Al-Qadi e Nassar (2003) reforçam que, enquanto no laboratório o comportamento pode ser determinado de forma mecanicista utilizando medição de deformações, em campo, o comportamento é determinado através da medição de trincas aparentes na superfície, que é uma análise muito subjetiva e leva a variações no fator campo/laboratório.

De acordo com Abojaradeh (2003), são encontrados na literatura valores que variam de 3 até 103 para o fator campo/laboratório, dependendo da espessura da camada de revestimento asfáltico, propriedades da mistura, volume de tráfego, condições climáticas, critério de fadiga e tipo de ensaio utilizado. O modelo de vida de fadiga obtido em laboratório é ajustado para definir a propagação de trincas em campo, através da Equação (13).

( (13)

Sendo:

= número de aplicações de carga para uma área específica ou severidade de trincas por fadiga;

= fator campo/laboratório para trincas por fadiga relacionando a curva de fadiga de laboratório com a área ou severidade de trincas ao longo da rodovia;

= número de ciclos de carga para a ruptura no laboratório.

Dessa forma, com base em levantamentos obtidos em trechos experimentais, os modelos laboratoriais podem ser calibrados, a partir do fator campo/laboratório, Finn et al. (1986) encontraram fator de 13,4 para área trincada menor ou igual a 10% e 18,4 para área trincada maior do que 45%. O procedimento da calibração do modelo foi feito em duas etapas: escolha de uma série de curvas de fadiga obtidas em laboratório para calibração dos coeficientes do modelo e ajuste das curvas através de um fator campo/laboratório a fim de correlacionar a fadiga obtida em laboratório com diferentes níveis de trincas obtidas em observações de campo, em 19 seções da pista experimental da AASHTO.

Pinto (1991) analisou seis misturas asfálticas em ensaios de fadiga à tensão controlada e propôs uma lei de previsão de vida de fadiga. Os ensaios foram realizados por compressão diametral, a 25ºC, com uma análise de 82 pontos. A calibração do modelo foi feita a partir de observações do comportamento em campo de trechos da rodovia BR-101, no Rio de Janeiro. Para os trechos analisados, o fator campo/laboratório encontrado foi da ordem de grandeza de a para levar o pavimento a valores próximos a 20% de área trincada. Pinto (1991) ressalta que o fator varia em função do tipo de ensaio utilizado e dos parâmetros adotados (tensão, deformação e densidade de energia).

Prowell (2010) verificou o fator campo/laboratório para quatro seções experimentais da NCAT (National Center for Asphalt Technology). A temperatura e a deformação causada pela passagem dos veículos foram medidas e utilizadas para o cálculo do dano a cada hora. A vida de fadiga em laboratório foi estimada a partir do ensaio de flexão alternada em 4 pontos com temperatura de ensaio de 20ºC e frequência de 10 Hz. O dano foi acumulado através da hipótese de Miner. Para 20% de área trincada, os valores encontrados para fator campo/laboratório variaram de 4,2 a 75,8.

Luz (2017) analisou o desempenho de três segmentos monitorados na rodovia BR-101/SC e estimou o fator campo/laboratório para o momento em que o pavimento atingisse 1%, 10% e 20% de área trincada na região da trilha de roda. Destes segmentos, dois foram construídos com revestimento em camada singular de mistura asfáltica convencional e um segmento com revestimento em camadas integradas, sendo a camada inferior de mistura modificada com asfalto-borracha e a superior com mistura convencional.

A análise do desempenho foi realizada tendo como base os dados de levantamentos feitos desde o ano de abertura ao tráfego até o terceiro ano de utilização do trecho. Os ensaios para determinar a vida de fadiga das misturas foram conduzidos sob deformação controlada em flexão 4 pontos, frequência de carregamento de 10 Hz e temperatura de 15 ºC e 20 ºC, com amostras extraídas em campo e moldados em laboratório.

Para os dois segmentos que possuíam revestimento em camada singular, o fator campo/laboratório obtido por Luz (2017) foi de 2, 3 e 4, para 1%, 10% e 20% de área trincada, respectivamente. Para o segmento construído com revestimento em camadas integradas, o fator campo/laboratório obtido para atingir 1% de área trincada foi igual a 2 para a camada inferior e 1 para a superior, conforme pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1 – Fator campo/laboratório obtido por Luz (2017).

Segmento Mistura Área trincada Fator campo/lab.

05 e 04 Convencional 1% 2 10% 3 20% 4 03 Convencional 1% 1 Asfalto-borracha 1% 2

Fonte: Elaborada pela autora com dados de Luz (2017).

Dessa forma, fica evidente que a calibração dos modelos por fator campo/laboratório depende significativamente da forma e da região que foi obtido, ressaltando a importância da verificação do procedimento no qual os fatores foram gerados para a correta utilização dos mesmos em modelos de previsão de trincas.

Nascimento (2015) desenvolveu uma função de transferência relacionando dano por fadiga e porcentagem de área trincada. Conforme apresentado na seção 2.1.1, a função de

transferência foi desenvolvida a partir de dados de 27 segmentos experimentais no Rio de Janeiro e validada com os segmentos monitorados da Rede Temática de Tecnologia em Asfalto. O modelo S-VECD foi utilizado para caracterização das misturas asfálticas e o

software LVECD utilizado para realizar o cálculo estrutural do pavimento, a partir de uma

análise viscoelástica. O R² encontrado para porcentagem de área trincada observada em campo e área trincada prevista pela função de transferência foi de 0,72 (conforme Figura 6), sendo considerada uma boa capacidade de previsão para modelos de previsão desempenho.

Fritzen (2016) também desenvolveu uma função de transferência baseado no conceito de dano, porém utilizando resultados de ensaio de fadiga por compressão diametral. As análises computacionais foram realizadas no programa AEMC (Análise Elástica de Múltiplas Camadas). A função foi desenvolvida a partir de dados dos segmentos monitorados da Rede Temática de Tecnologia em Asfalto. O R² encontrado entre porcentagem de área trincada observada em campo e porcentagem de área trincada prevista pela função de transferência foi de 0,56, sendo o dobro do encontrado no método americano MEPDG de 2004 (R² = 0,27).

2.3 TEMPERATURA NO REVESTIMENTO

Documentos relacionados