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PARTE II: DISCURSOS SOBRE IGUALDADE DE OPORTUNIDADES EM EDUCAÇÃO NO ESPAÇO DE DELIBERAÇÃO

2. A DELIBERAÇÃO SOBRE EDUCAÇÃO: TEMAS E PROBLEMAS EM 40 ANOS DE DEBATE

2.7. I GUALDADE DE OPORTUNIDADES NO DEBATE E NA CONSTRUÇÃO IDEOLÓGICA DA AÇÃO POLÍTICA DOS PARTIDOS

2.7.3. Fatores de desigualdade

O discurso do CDS-PP relativo a fatores de desigualdade revela uma perspetiva que atribui à família o ónus das desigualdades, não apontando à escola responsabilidade ou capacidade para resolver o que gera situações desiguais:

“Se a criança não tem casa, nem comida, nem afeto ela não terá nunca, apenas porque entra na

escola, uma oportunidade igual a outra criança que tenha casa, comida e afeto. Esta desigualdade pesada e estigmatizante tem de ser resolvida e minimizada a montante, sob pena de esta criança se manter um fracasso, apenas não declarado. (Maria José Nogueira Pinto, CDS, DAR Série I 25/VII/3 1998/janeiro/877)

À escola não compete intervir na resolução das desigualdades, porque tal significaria um “desfoque” da sua missão principal que de nada serviria, porque a escola “nada vai substituir”, já que “(…) não é mãe, não é pai, não é assistente social, não é animadora cultural, porque se for isso e não for outra coisa, essas crianças não terão a oportunidade que todos nós lhe queremos dar” (ibidem, p. 879). Existem, contudo, diferentes tipos de desigualdades, algumas que aparentam ser ‘injustas’ e do âmbito de intervenção da escola e outras de outro tipo:

“Questão diferente daqueles que precisam de um reforço social para atingirem um nível de igualdade em matéria de oportunidades são aqueles que não reúnem condições de educabilidade por não terem as qualidades necessárias a serem educáveis, logo educados. Ora, a escola fez-se para ensinar a ler, escrever e contar e também, se possível, para ensinar a raciocinar, a pensar, a referenciar” (ibidem, p.877).

Esta ideia de que existe uma categoria da população – menor de idade – que é ineducável contraria um princípio base das teorias do capital humano e um fundamento do liberalismo: o princípio da educabilidade universal, e alinha o discurso com as orientações ideológicas conservadoras. Apesar de nos ciclos políticos mais recentes estarem ausentes estas afirmações mais deterministas, insiste-se na ideia de que a escola concede vantagens injustas e penaliza quem se esforça pelo sucesso.298 Persiste também a ideia de que são as características da família de origem que explicam o fracasso escolar.

O PSD, em particular no primeiro ciclo de política, assume uma perspetiva pessimista quanto à capacidade de a escola promover a democratização do ensino. Esta não seria

296Helena Neves (DAR Série I 40/VIII/2 2001/ janeiro) 297Ana Drago (DAR Série I 22/X/3 2007/julho)

298"(..) há uma lógica de ausência de esforço e de cultura de esforço que cai em cima de um País com

enormes disparidades sociais e enormes desigualdades do ponto de vista económico." (Paulo Portas, CDS (DAR Série I 101/X/2 2007/julho/12)

143 realizável a curto prazo pois “(…) encerra também uma componente social, geradora de melhores condições de vida para os agregados familiares, condição importante para o acesso e sucesso escolares”.299 Nos restantes ciclos, os fatores de desigualdade nomeados apontam o falhanço das políticas colocadas em marcha pelos partidos de governo: em 1993, a falta de pré-escolar,300 em 2000, a “permissividade”, “ausência de “autoridade” e o “aprender a aprender”.301 Em 2010 o fator de desigualdade era a falta de acesso ao ensino privado, considerado “de excelência”, ou a ausência de “apoios pedagógicos”, como as explicações privadas. A capacidade económica seria um fator de desigualdade ao sucesso educativo, porque a escola pública representava um “ensino de segunda”.302 Em 2012, com o partido no governo, não é já a escola e a sua (falta de) qualidade que representa uma desigualdade, pois: “a origem socioeconómica não é uma fatalidade. A escola é uma resposta. Programas como os planos curriculares alternativos e o programa Fénix demonstram-no”.303

O PS partilha com o PSD e a restante esquerda da AR a ideia das políticas educativas como geradoras de desigualdades e, quando na oposição, o facto de produzir ou reforçar desigualdades é um dos argumentos para criticar medidas, como regras da Ação Social Escolar (ASE), exames, etc. Sobretudo nos primeiros ciclos políticos, a crítica surge não tanto a medidas aplicadas, mas, genericamente, sobre o modo como a escola se organiza. É reiterada a ideia de que a escola reproduz desigualdades de partida304 e que a exclusão escolar é produzida pela escola, “a partir de desigualdades sociais produzidas na sociedade”305, remetendo para a ideia de handicap sociocultural. Quando o referente é a escola, os fatores de desigualdade são a interioridade e a falta de equipamento e pessoal.

O discurso do PS sobre igualdade de oportunidades, sobretudo nos anos 1990, apresenta-se mais em linha com a corrente socioinstitucional, dando destaque às questões pedagógicas e de sala de aula para reduzir desigualdades escolares. Contudo, sobretudo após o início do novo milénio, a partir da perspetiva da diferença enquanto forma de promover a igualdade,306 é introduzida a ideia de “diferenciação” de “propostas e ritmos” para “chegarem a aprendizagens equivalentes, em torno de metas comuns”307 e a diversificação de vias formativas é sugerida enquanto resposta ao insucesso, aproximando-se da coligação

299Fernando Conceição, PSD (DAR Série I 67/IV/1 1986/maio/2493) 300Pedro Roseta, PSD (41/VI/2 1993/março)

301David Justino, PSD (DAR Série I 5/VIII/2 2000/setembro), numa crítica intertextual às perspetivas

construtivistas

302Pedro Duarte, PSD (DAR Série I 11/XI/2 2010/outubro)

303Nuno Crato, Ministro da Educação, PSD (DAR Série I 124/XII/1 2012/junho/40). 304José Apolinário, PS (DAR Série I 82/V/3 1990/junho).

305 Ana Benavente, Secretária de Estado da educação e Inovação, PS (DAR Série I 14/VII/2

1996/novembro).

306 O Ministro da Educação Marçal Grilo referia "situações diferentes devem ser tratadas diferentemente,

de acordo com o princípio da igualdade" (DAR Série I 74/VII/2 1997/maio/2547).

144 discursiva que integra o PSD. A ligação às teorias da reprodução torna-se então menos evidente, não sendo conceptualizados os riscos identificados nas investigações desta linha de pesquisa, que apontam a forma como esta diversificação de propostas têm vindo a criar “excluídos no interior” (Bourdieu et al., 1998).

No que se refere ao PCP, no primeiro ciclo político há um destaque hiperbólico das desigualdades resultantes das “condições de vida da população portuguesa”308 como fator de desigualdade escolar, mas existe, desde logo também, a denúncia de discriminações funcionando por “operação dos mecanismos práticos do sistema escolar”,309 que prejudicariam certas classes sociais: “operários em contexto urbano e camponeses, do sector rural”. Nos ciclos seguintes há maior insistência nos processos de ensino e aprendizagem e condições de ensino, aproximando este partido ainda mais das correntes socioinstitucionais do insucesso e mais dinâmico nas propostas para combater o insucesso e o abandono escolar. O BE segue essa linha e tem um discurso também centrado nas políticas educativas e processos pedagógicos. A ligação intertextual às teorias da reprodução social é evidente:

“A escola legitima, ainda, a localização social e cultural da exclusão através de métodos muito concretos: concentração de alunos problemáticos em turmas e a quase ausência de pedagogias e metodologias que sejam ativas, participativas e diferenciadas” (Helena Neves, DAR Série I 40/VIII/2 2001/janeiro/1614).

Uma outra característica distintiva do partido surge pelo facto de apenas no discurso do BE surgir com destaque enquanto fator de desigualdade, a pertença a uma minoria étnica e a diferente língua falada em casa.310 Tal como o PCP, nos mais recentes ciclos políticos, em particular de 2005 a 2011, é recorrentemente levantada a questão dos manuais escolares.

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