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Foco na deliberação e argumentação: os debates parlamentares

PARTE I : MODELO ANALÍTICO E QUADRO CONCEPTUAL

2. ESTRATÉGIA EMPÍRICA: DELIBERAÇÃO, ARGUMENTAÇÃO E AÇÃO

2.2. P ARA UMA INTERPRETAÇÃO DA MUDANÇA : A PROPOSTA METODOLÓGICA

2.2.1. Foco na deliberação e argumentação: os debates parlamentares

Os debates parlamentares, constituindo uma atividade discursiva de natureza dialógica, permitem a análise da confrontação de argumentos. É também o espaço onde se revela com maior evidência os atores e instituições que se credibilizam e descredibilizam, a ‘foto de grupo’ das coligações discursivas. As citações e referenciações, integrando as ideias e perspetivas de outros no ato discursivo, corroboram e reforçam coligações de interesse e discursivas (Hajer, 2006; Weiblen, 2007; Fairclough e Fairclough, 2012). Ter em conta o ambiente geral de implementação é um pressuposto que resulta de assumir explicações para a mudança que reconhecem o poder da agência, os interesses e a relevância de alterações de locus de autoridade produzidas ao nível discursivo (Hall, 1993).

A análise dos debates parlamentares desenvolveu-se em torno de três objetivos específicos. Em primeiro lugar, o de reconstruir noções operativas de justiça social e conceitos de igualdade de oportunidades que subjazem às posições dos vários partidos políticos e protagonistas – narrativas causais acerca do insucesso e abandono escolar, por exemplo. Em segundo lugar, identificar e selecionar as políticas e medidas que se associam aos conceitos e paradigmas e cujas dinâmicas de implementação ao longo dos ciclos políticos, estudada no eixo das políticas. Em terceiro lugar, visa ainda uma perspetiva crítica sobre o processo deliberativo, procurando contribuir para uma reflexão sobre este e da relevância das diferentes fontes de poder – e.g. organizações internacionais, as coligações de interesse nacionais, conhecimento pericial – para a tomada de posição política.

O processo de construção das categorias de análise dos debates parlamentares assentou numa perspetiva de construção dos códigos a partir da leitura dos debates, mas sendo,

20 Base de dados eletrónica de Diários da República Série I com a transcrição dos debates

29 contudo, dada particular atenção à questão da identificação das fontes de autoridade utilizadas no discurso, ou seja, as razões ou instituições dadas como corroborativas da validade dos argumentos apresentados. Este passo metodológico permite enquadrar o discurso no contexto da sua produção mediante a análise de intertextualidades, das relações entre discursos (Fairclough, 1992) e, simultaneamente, identificar argumentos e critérios de legitimação de políticas, investigando a hipótese da razão para a mudança de políticas se encontrar na mudança do locus de autoridade.21 Sintetizam-se no quadro seguinte as principais dimensões de análise dos debates:

I.2.3. Principais dimensões emergentes do corpo de dados Dimensões Elementos de análise

Normativo: deliberação e ambiente político

Aspetos legislativos e regulamentares, regras do debate parlamentar

Elaboração de políticas, participação e relacionamento entre atores

Argumentativo: retórica e argumentação

Táticas e estratégias argumentativas: falácias; argumento da crise e da mudança; análise dos recursos de linguagem/ estilísticos

Intertextualidades: referências de autoridade sobre a política; Referenciais de política

Os referenciais científicos no debate deliberativo: nacionais e internacionais;

As referências normativas nacionais

O ambiente social de implementação das medidas no discurso político

O referencial internacional de recomendação de políticas Temático: Temas e problemas no

debate

Temas e ciclos de atenção ao problema

Igualdade de oportunidades no debate e na construção ideológica da ação política dos principais partidos da AR: Componentes do discurso sobre Igualdade de Oportunidades; princípios e valores presentes no discurso; conceitos de igualdade e funções da educação;

Narrativas causais de insucesso e da desigualdade Políticas preconizadas

O processo de análise de dados decorreu recorrendo à indexação como forma de organizar os elementos textuais a reter na fase de interpretação. A indexação é um mecanismo de organização dos dados de forma a torná-los manejáveis, pelo que o nível de detalhe não é ainda tão profundo como na fase interpretativa, mas permite alguma quantificação e assim aceder a uma perspetiva acerca da dimensão dos fenómenos discursivos. Apesar de possuir uma natureza repetitiva, a aplicação e ajuste de categorias analíticas não é um processo mecânico. Envolve análise, intuição e tomada de decisão, à semelhança da criação de indicadores nos estudos quantitativos. Nesta pesquisa, a decisão de construir as categorias a partir dos dados, implicou um esforço reflexivo relevante: a cada passagem foi necessário inferir o sentido no contexto e no enquadramento geral. Mas sendo subjetivo e aberto a diferentes interpretações, o processo sistemático de sinalização e categorização torna o

30 processo mais inteligível, aumentando a confiança nas conclusões até por quem se pode apropriar dos seus resultados (Ritchie e Spencer, 2002). Como forma de permitir comparar, analisar em perspetiva, identificar padrões foi usada a tabulação. Atualmente constituindo uma funcionalidade dos programas de análise qualitativa, os dados foram codificados e reagrupados por temas - produzindo a fragmentação do texto original - e por caso ou grupo, mantendo a estrutura inicial e permitindo uma perspetiva transversal. A inovação da abordagem nesta fase é que as tabelas foram já constituídas por informação qualitativa original trabalhada, sintetizada e analisada. Na interpretação retomam-se questões iniciais e dão-se respostas, sustentadas por informação recolhida, organizada nas perspetivas teóricas: definem-se conceitos, criam-se tipologias, detetam-se associações, apresentam-se possíveis explicações e apontam-se estratégias e ideias para o futuro.

A abordagem à deliberação e a exploração do ambiente político e dos recursos de argumentação, como acontece na AR, não se prendeu exclusivamente com a resposta a uma das questões de pesquisa sobre a mudança apresentadas no primeiro capítulo (o que muda, em que muda, como muda, porque muda), mas visou fornecer dados e informações para construir uma resposta parcial a todas elas. As questões de partida são assim, somente em parte, respondidas pelas informações recolhidas na análise dos debates parlamentares.

I.2.4. Questões de partida e interrogações exploratórias relativas aos debates Questões de partida Interrogações exploratórias relativas ao processo deliberativo O que muda em

Igualdade de

oportunidades (IO)? Que área das políticas de educação muda?

Qual o papel do argumento da mudança? Que mudanças discursivas são identificáveis? Estas mudanças são exclusivas deste tipo de política ou surgem a par de outras, noutras áreas de política de educação ou no modo de fazer política e relação entre os atores?

Em que muda?

Que aspeto das políticas de IO muda?

Mudam os conceitos e mudam as narrativas sobre a política e os resultados? Mudam os discursos sobre programas de ação e/ou instrumentos de política para intervir na IO?

Porque mudam? Quais os fatores que explicam a mudança?

Quais os argumentos para as mudanças e quem são as fontes de autoridade nomeadas? Qual o papel do argumento da crise?

Como muda? Qual a dinâmica de mudança? Qual a direção da mudança?

Como perspetivam os diferentes atores políticos a mudança? Identificam continuidades? Ruturas?

As mudanças relevam uma orientação ideológica determinada?

Para a análise do processo de deliberação partiu-se da recolha e análise sistemática dos debates na AR compilados no Dário da República Eletrónico, 1ª série. Esta base de dados online foi percorrida por termos de pesquisa22 e todos os debates assim devolvidos foram

22Equidade AND Educacão’; ’igualdade de oportunidades escolares’; ‘igualdade de oportunidades na

31 objeto de análise.23 A partir desse procedimento, recolheram-se elementos e referências para reconstruir o contexto político e social de deliberação.24

Os debates relevantes foram integrados numa base de dados de MAXQDA® e sujeitos a um processo de codificação. Os segmentos de texto codificados foram analisados e consultados quanto a dois aspetos principais: prevalência/associação, dizendo respeito à presença/ ausência da questão da igualdade e identificação de quem possui a iniciativa, em que circunstância e com que objetivos; e configuração/referenciação que visa reconstruir as noções operativas presentes, quais os conceitos e relações entre eles, bem como o modo como se associam a outros discursos existentes nacional e internacionalmente.

Este passo metodológico permite inverter a lógica da investigação e, ao invés de partir de políticas definidas, parte das discussões em torno da igualdade de oportunidades educativas para identificar as políticas e momentos históricos em que se verificaram confrontos ideológicos ou programáticos.

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