• Nenhum resultado encontrado

Fatores explicativos das atitudes sociais dos jovens A terceira questão que colocamos acerca das atitudes dos jovens face aos

temas socialmente relevantes é a de saber qual o significado das duas dimensões organizadoras dessas atitudes. A particularidade dos jovens portugueses nova- mente nos levanta a hipótese de que são os fatores económicos que têm moti- vado esses jovens a montarem um posicionamento tão marcadamente distinto do posicionamento dos outros jovens ibero-americanos. A segunda possibili- dade, naturalmente, remete-nos para a análise das diferenças culturais aqui des-

46

* Indicadores do bom ajustamento das dimensões aos dados: stress = 0,02; R2= 0,99.

Dimensão 1 0,00 –1,00 –2,00 –2,00 –1,00 0,00 1,00 2,00 Dimensão 2 Brasil México Espanha Suborno Casamento homossexual Legalização da maconha Aborto

critas como o posicionamento de cada país no continuum materialismo/pós- -materialismo. Novamente recorremos à estimativa de dois modelos de regressão multinível para cada dimensão (quadro 1.4). No primeiro modelo estimamos apenas o efeito das variáveis de nível individual (sexo, idade, local de residência, escolaridade e desemprego), enquanto no segundo modelo acrescentamos os fa- tores explicativos de nível contextual (os valores, o PIB per capita e o crescimento económico).

Com relação à dimensão 1 (que contrapõe a atitude de maior tolerância à categoria que integra a pena de morte e o aborto), apenas os fatores explicativos de nível individual contribuem para elucidarmos o significado desta dimensão. Mesmo assim, o poder explicativo destes fatores é muito baixo, não passando de 1%. Apesar do baixo poder explicativo, o padrão dos resultados parece-nos relevante uma vez que mostra que os rapazes, os jovens com idade mais avan- çada e aqueles que moram em capitais são os que mais distanciam a sua atitude

47 Nível individual Sexo –0,04** –0,04** –0,05*** –0,05*** Idade –0,04*** –0,04*** -0,02** –0,02** Local de residência –0,04* –0,04* 0,01 0,01 Escolaridade 0,03*** 0,03*** 0,00 0,00 Desemprego 0,05 0,05 –0,02 –0,02 Nível contextual Materialismo/pós-materialismo –0,61 0,35 PIB per capita 0,02 –0,01* Crescimento económico 0,00 0,00

Explicação da variância

Nível individual (R2) 0,01 0,01 0,03 0,03

Nível contextual (R2) 0,00 0,33

Nota. Correlação intraclasse: dimensão 1 = 0,18; dimensão 2 = 0,10. As variáveis foram assim codificadas: sexo

(0 = raparigas; 1 = rapazes); idade = ordenação dos escalões etários (0 = 15 a 19 anos; 1 = 20 a 24 anos; 2 = 25 a 29 anos); local de residência (0 = urbano não capital; 1 = capital); escolaridade (variável ordenada de 0 = nenhuma a 9 = universitária completa); desemprego (0 = não desempregado; 1 = desempregado); o ma- terialismo/pós-materialismo é um indicador que teoricamente pode variar de –2 (países mais materialistas) a 2 (países mais pós-materialistas). O PIB per capita é um indicador medido em dólares EUA. O crescimento económico é a percentagem de variação no PIB per capita dos países entre 2008 e 2012.

mensão, mas a presença de um efeito significativo de um fator explicativo de nível contextual confere um significado especial a esta dimensão. Do lado dos fatores de nível individual, os rapazes e os jovens com mais idade mostraram ser menos abertos à imigração, mas indicaram ter atitudes sociais mais tolerantes (isto é, são mais favoráveis ao aborto, ao casamento homossexual e à legalização da maconha). Do lado dos fatores explicativos de nível contextual, apenas o PIB per capita tem um efeito significativo na organização desta dimensão. São os jovens a viverem nos países menos pobres a indicarem ter atitudes mais to- lerantes, mas, em contrapartida, exprimem menor abertura à imigração. Final- mente, o continuum dos valores culturais materialistas/pós-materialistas não con- tribuiu para a definição das atitudes dos jovens.

Conclusões

Neste capítulo colocámos inicialmente a questão de saber quais são as prin- cipais preocupações sociais dos jovens portugueses, situando essas preocupações no quadro mais geral das preocupações levantadas pelos outros jovens ibero- -americanos. A análise dos indicadores referentes a esta questão permite-nos concluir que os jovens portugueses demarcam-se dos jovens dos outros países analisados porque mostram ter uma preocupação claramente situada no domí- nio do bem-estar económico. Mostraram-se preocupados, sobretudo, com o emprego e com o estado da economia. Os jovens dos outros países pouco se distinguem ente si, apresentando um posicionamento próximo, mas não muito, do polo das preocupações com a segurança, associada aqui à ameaça decorrente da perceção de violência e uso de drogas.

A análise do significado das diferentes dimensões organizadoras das preocu- pações dos jovens mostrou-nos que a primeira dimensão encontrada representa o posicionamento dos países no continuum materialismo/pós-materialismo, o que nos parece corroborar a hipótese da centralidade dos valores culturais como princípios organizadores das prioridades que as sociedades estabelecem como metas mais importantes a serem obtidas pelos seus cidadãos (Inglehart 1977; Pereira et al. 2005). Assim, esta primeira dimensão representa as diferenças cul-

crise. Provavelmente, a similaridade entre o posicionamento dos espanhóis e o dos jovens dos outros países, sobretudo os das Américas Central e do Sul, su- gere-nos a possibilidade de haver outros fatores explicativos de natureza cultural não abordados neste inquérito, de que são exemplos os indicadores de valores psicossociais que avaliam os princípios axiológicos que as pessoas julgam serem as metas que se devem seguir para a construção de uma sociedade ideal (Pereira

et al. 2005). As diferenças culturais nas escolhas destas metas poderiam contri-

buir para melhor compreendermos o papel dos valores enquanto princípios or- ganizadores das preocupações dos jovens nas sociedades contemporâneas.

A segunda grande questão que colocamos procurou saber como se posicio- nam os jovens em relação a vários temas socialmente sensíveis. O aspeto que nos parece ser mais relevante a salientar nas dimensões organizadoras das ati- tudes dos jovens é o posicionamento dos portugueses no polo dos indicadores de tolerância e a sua marcada oposição à pena de morte e à prática de atos de suborno. O posicionamento similar dos jovens nos outros países, situado bem próximo do centro dos eixos que definem as dimensões atitudinais identifica- das, sugere-nos a possibilidade de estes jovens ainda não terem internalizado os princípios valorativos implicados nas atitudes analisadas, ou meramente não terem opiniões claramente definidas sobre os temas abordados.

Talvez por esta razão, a interpretação das dimensões obtidas revelou-se mais complexa do que a interpretação das dimensões organizadoras das preocupa- ções dos jovens. Embora tenhamos obtido um posicionamento destacado dos jovens portugueses em comparação com os jovens dos outros países, a identi- ficação dos princípios organizadores das atitudes mostrou-se ser menos evi- dente. Apesar de todas as teorias sobre a centralidade dos valores preverem um impacto significativo destes nas atitudes sociais (Inglehart e Baker 2000; Ramos 2006; Schwartz et al. 2012), não encontramos evidência para esta assertiva quando analisamos o papel dos valores materialistas e pós-materialistas na de- finição do posicionamento dos jovens nas dimensões obtidas. Provavelmente, valores que revelam interesse de nível mais pessoal, como, por exemplo, os tipos motivacionais estudados por Schwartz (1992), como princípios-guias das ações e aspirações dos indivíduos em sociedade, estariam a atuar na definição

51

Apêndice

Quadro 1.5 – Indicadores contextuais usados como fatores explicativos nos modelos de regressão multinível

Materialismo/ PIB PIB Taxa de crescimento pós-materialismo per capita 2008 per capita 2012 do PIB Argentina –0,26 10,233 14,680 30,293 Bolívia –0,16 1,696 2,576 34,161 Brasil –0,36 8,623 11,320 23,825 Chile –0,27 10,686 15,245 29,905 Colômbia –0,08 5,405 7,763 30,375 Costa Rica –0,26 6,581 9,443 30,308 Equador –0,16 4,256 5,425 21,548 El Salvador –0,14 3,484 3,782 7,879 Espanha –0,36 34,674 28,282 –22,601 Guatemala –0,52 2,867 3,341 14,187 Honduras –0,26 1,883 2,339 19,496 México –0,03 9,560 9,818 2,628 Nicarágua –0,26 1,498 1,777 15,701 Panamá –0,26 7,003 9,982 29,844 Paraguai –0,16 2,967 3,680 19,375 Peru –0,17 4,240 6,424 33,998 Portugal –0,67 23,861 20,175 –18,270 R. Dominicana –0,13 4,697 5,733 18,071 Uruguai 0,10 9,068 14,728 38,430 Venezuela –0,28 11,223 12,729 11,831

Nota. Os valores materialistas/pós-materialistas foram obtidos nas bases de dados do World Value Survey

(quinta vaga, 2007) e do European Value Study (quarta vaga, 2008). Os indicadores do PIB per capita foram ob- tidos nos relatórios do Banco Mundial: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.CD.

Documentos relacionados