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Conforme mencionado, a não sobreposição de pelo menos um sinal do analito de interesse com sinais de outros constituintes da amostra, no espectro de RMN, é um dos principais requisitos para utilização de RMNq. Entretanto, quando todos os sinais do analito de interesse estão sobrepostos a outros sinais, algumas estratégias, discutidas a seguir, podem ser adotadas para promover a separação entre eles.

- Efeitos do solvente

Os solventes deuterados utilizados na espectroscopia de RMN podem ser classificados como não-polares aromáticos (benzeno-d6, tolueno-d8 e piridina-d5) e não aromáticos (clorofórmio-d e diclorometano-d2), além de polares próticos (D2O e metanol-d4) e apróticos (DMSO-d6 e acetonitrila-d3). A escolha do

solvente adequado deve ser feita de acordo com a solubilidade da amostra e com as características espectrais obtidas quando da utilização de determinado solvente (Holzgrabe, 2010).

A obtenção de espectros de RMN de um composto em diferentes solventes pode mudar o deslocamento químico de um sinal, além de alterar a forma da linha e a complexidade do espectro de RMN de 1H, promovendo a separação de

ressonâncias sobrepostas (Holzgrabe, 2010).

A separação de sinais sobrepostos em RMN de 1H de óleo essencial de Siparuna guianenses foi realizada pela substituição de CDCl3 por C6D6, conforme

Figura 1.20. O sinal A, no espectro adquirido em CDCl3 corresponde à

sobreposição do sinal H-5’ do constituinte majoritário α-bisabolol com sinais de outros terpenos presentes no óleo. Ao substituir o CDCl3 por C6D6, é possível

observar uma separação parcial do sinal H-5’ do α-bisabolol (sinal representado por B) em relação aos demais sinais.

Fonte: Próprioautor

Figura 1.20. Expansão do espectro de RMN de 1H 300 MHz do óleo essencial de

Siparuna guianenses mostrando a separação do sinal (B) do α-bisabolol dos sinais de outros terpenos (A) quando o solvente CDCl3 foi substituído por C6D6.

Apesar de a separação de sinais sobrepostos ser influenciada pelo tipo de solvente, nem sempre essa separação é alcançada usando apenas um solvente, sendo necessário a utilização de uma mistura de solventes diferentes.

- Efeitos da temperatura

O aumento da temperatura pode ser usado para promover o deslocamento de sinais de OH de álcoois, de NH de aminas e de amidas e de HOD de solventes, quando estes encontram-se sobrepostos a um sinal que será utilizado para quantificação de determinado composto, em um espectro de RMN de 1H.

Zheng e Price (2010), mostraram que é possível obter um deslocamento do sinal de HOD de aproximadamente 5 Hz/K, usando um espectrômetro de RMN de 500 MHz. Além disso, o aumento da temperatura altera as formas e largura da linhas espectrais, melhorando a resolução (Joseph e Szabo, 2013).

Uma aplicação prática da influência da temperatura no deslocamento de sinais pode ser observada nos espectros de RMN de 1H 300 MHz da heparina

sinal HOD apareceu em aproximadamente 4,8 ppm. Ao aumentar a temperatura para 80 °C, esse sinal foi deslocado para 4,2 ppm (Holzgrabe, 2010).

* Sinal do HOD

Figura 1.21. Espectro de RMN de 1H 300 MHz de heparina não fracionada em

D2O a 80°C (espectro em vermelho) e à temperatura de 25 °C (espectro em azul)

(Holzgrabe, 2010 adaptada).

- Efeitos da concentração

A aquisição de espectros de RMN de 1H e de 13C de um determinado

composto, em diferentes concentrações, pode causar variações nos deslocamentos químicos tanto de hidrogênios como de carbonos, devido ao fenômeno de agregação (Michaleas e Antoniadou-Vyza, 2006; Holzgrabe, 2010).

Esse fenômeno é observado na Figura 1.22, que mostra espectros parciais de RMN de 1H de ciprofloxacina em diferentes concentrações. Em concentrações

menos elevadas de ciprofloxacina (2,6x10-3 M), o hidrogênio aromático H-8 é mais

desblindado que H-5. Entretanto, à medida que a concetração de ciprofloxacina aumenta (259x10-3 M), o sinal de H-5 torna-se mais desblindado que H-8

(Michaleas e Antoniadou-Vyza, 2006). Dessa forma, o fenômeno de agregação pode ser usado na separação de sinais sobrepostos para posterior quantificação (Holzgrabe, 2010).

Hidrogênios ligados a nitrogênio e a oxigênio, respectivamente em amidas e álcoois, têm deslocamento químico variável, dependente da concentração. Assim, quando esses sinais estão sobrepostos a outros sinais, a separação pode ser obtida pela aquisição de espectros de RMN em diferentes concentrações da amostra a ser analisada.

Figura 1.22. Espectros parciais de RMN de 1H mostrando os sinais dos

hidrogênios aromáticos da ciprofloxacina em diferentes concentrações (2,6x10-3

M; 109x10-3 M e 259x10-3 M) (Michaleas e Antoniadou-Vyza, 2006).

- Efeitos do pH

O pH pode ser usado para promover variação de deslocamentos químicos em sinais de compostos que contém grupos que podem ser protonados (aminas) e/ou desprotonados (ácidos), proporcionando a separaração de sinais sobrepostos (Holzgrabe, 2010).

Esse efeito pode ser observado pela variação de deslocamento químico decorrente dos diferentes solventes utilizados para aquisição dos espectros de RMN de 1H da norfloxacina (Figura 1.23) 2% em massa. Para isso, espectros de

RMN de 1H da norfloxacina, foram adquiridos usando os solventes DMSO-d6, DCl

Figura 1.23. Estrutura da norfloxacina.

Tabela 1.1. Deslocamentos químicos (ppm) de hidrogênios da norfloxacina (2% em massa) adquiridos em DMSO-d6 e em soluções aquosas ácidas e básicas (300 MHz).

Comparando os deslocamentos químicos dos hidrogênios da norfloxacina obtidos em DMSO-d6 com os obtidos em DCl 0,01 M (Tabela 1.1), observa-se uma maior variação nos valores de deslocamento químico referentes aos hidrogênios da piperazina. Isso se deve ao fato de que em solução DCl 0,01 M, o nitrogênio mais básico (17) está protonado, o que causa a desblindagem dos hidrogênios H-16, H-18, H-15 e H-19. Além disso, observa-se também que H-2 e H-5 foram levemente blindados e H-8, ligeiramente desblindado.

Fazendo uma comparação entre os espectros adquiridos em DCl 0,01 M e 5 M, foi observado que a diminuição do pH desblindou todos os hidrogênios avaliados. Entretanto, houve uma variação brusca nos deslocamentos de H-2, H-5 e dos hidrogênios da piperazina, que pode ser explicada pela protonação de todos os nitrogênios presentes na molécula que causa a desblindagem dos mesmos.

O emprego de solução de NaOD 0,01 M ocasionou a desprotonação do grupo carboxílico da norfloxacina, com isso na aquisição do espectro de RMN de

1H verifica-se o efeito de blindagem em H-2, H-5 e H-8. Isso acontece porque em

DMSO-d6 ocorre formação de ligação de hidrogênio intramolecular entre o OH do

ácido e a carbonila da cetona, desblindando H-2 e H-5. Em presença de NaOD,

Solvente H-2 H-5 H-8 Piperazina DMSO- 8,90 7,85 7,11 2,85-2,91 NaOD 0,01 M 8,37 7,78 6,92 3,19; 3,07 DCl 0,01 8,75 7,72 7,14 3,62; 3,52 DCl 5M 9,34 8,15 7,37 3,86; 3,58

não ocorre a ligação de hidrogênio intramolecular e, esses hidrogênios (H-2 e H- 5) tornam-se menos desblindados (Holzgrabe, 2010).

O efeito de blindagem de H-8 empregando solução de NaOD 0,01 M ocorre devido à maior contribuição da estrutura de ressonância II, mostrada na Figura 1.24. Com a formação do íon carboxilato, ocorre uma menor contribuição da estrutura de ressonância X, referente à deslocalização da ligação π com a carbonila do carboxilato. O que ocasiona maior contribuição dos híbridos III e IV para a molécula de norfloxacina desprotonada.

Fonte: Próprio autor Figura 1.24. Estruturas de ressonância da norfloxacina em meio básico.

Entretanto, além de proporcionar a variação de deslocamento químico, a mudança de pH altera o tempo de relaxação longitudinal (T1) dos hidrogênios da amostra a ser analisada e isso deve ser levado em consideração para fins de quantificação (Bharti e Roy, 2012).