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4 EXPERIÊNCIA, MEMÓRIA E NARRATIVA 4.1 CONDIÇÕES DA EXPERIÊNCIA

5 ALGUMAS HISTÓRIAS E SENTIDOS DA EXPERIÊNCIA DE FAZER “OLHOS VENDADOS”

5.8 FAZER COMPLETAMENTE

Existe um detalhe que parece não combinar com o melhor filme (categoria premiada) do “Projeto Curtas”. Wander editou o filme no programa Movie Maker, mais uma surpresa para Juliana durante a entrevista coletiva. O programa utilizado é um editor de vídeo que acompanha o sistema operacional Windows. É um programa simples e pouco cogitado para a edição dos filmes do “Projeto Curtas”. O que se sabe é que outros grupos buscaram editar seus filmes com programas profissionais ou contrataram algum editor para realizar a tarefa.

A utilização deste programa tem haver com a decisão do grupo em produzir todo o filme com os recursos que tinham e que sabiam operar. Isto também pode ser observado na câmera que utilizaram. Conforme consta no Diário de Produção do filme (2009, p. 02): “câmera fotográfica digital com o recurso de filme, modelo cyber-shot, 10.1 mp.” Durante o trabalho de campo lançamos uma hipótese de que o processo de fazer o filme se apresentava aos jovens como uma necessidade. Por ora, vamos situar nossa suposição nos seguintes termos: “Qualquer inventor, mesmo um gênio, é sempre fruto de seu tempo e de seu meio. Sua criação surge de necessidades que foram criadas antes dele e, igualmente, apóia-se em possibilidades que existem além dele”. (VYGOTSKI, 2009, p. 42).

O fazer artesanal se mistura de alguma forma com a decisão pelo filme de época. Para Wander, “nossa história é uma história de época que não tinha nenhum efeito especial”. De alguma forma estes jovens escolhem produzir algo que tenha alguma sintonia com o passado.

Um pequeno detalhe na capa do filme avisa que “este filme foi totalmente produzido pelos alunos, portanto, sem nenhuma ajuda profissional”. Em momento algum consideramos a experiência destes jovens como algo amador no cinema, pois a questão que se apresenta não é se o filme é amador ou profissional. O principal é que fazê-lo foi possível.

São produtores artesanais que empregam as suas condições de possibilidades na realização do curta-metragem. A própria ideia de ser um filme curto, neste caso, não dialoga muito com a linguagem contemporânea do curta brasileiro, mas antes, uma revisão da história do cinema em que o filme era curto pelas possibilidades técnicas de

realização cinematográfica. Ou ainda, é um curta-metragem porque precisa ser experimentado, estudado, aprendido por iniciantes.

Assim como o primeiro cinema não era ainda o que chamamos de cinema, “Olhos Vendados” e tantos outros filmes curtos talvez não sejam considerados obras cinematográficas porque atualizam parte da história da experiência do fazer cinema, onde “várias modalidades de espetáculos derivados das formas mais populares de cultura, como o circo, o carnaval, a pantomima, [...]” participavam do projeto fílmico. (MACHADO, 2005, p. 11).

O plano estético-tecnológico ou científico-comercial que define “o cinema” capitalizado pode ser duramente convicto e afortunado, entretanto, os “ensaios” de cinema que a cada dia mais se multiplicam – e que “Olhos Vendados” se mostra como uma experiência completa – contribui para consolidar a heterogeneidade cinematográfica.

A produção artesanal também está na decisão deles (sujeitos de pesquisa) em realizar todas as partes do filme, sem que isto signifique uma “linearidade objetiva”. A experiência de fazer um filme se expressa significativamente aos jovens, entre outros motivos, porque nela foi possível que a participação individual se tornasse um produto coletivo. Esta participação se desenhou como experiência na medida em que o fazer de cada um foi se colando, integrando e ainda, combinando.

O filme foi totalmente produzido pelos alunos. Desde o roteiro, passando pela gravação, edição, até os cartazes e a capa do DVD, absolutamente tudo foi confeccionado, produzido ou pensado totalmente pelos integrantes da equipe. Portanto, não houve nenhuma ajuda profissional. (DIÁRIO DE PRODUÇÃO DE OLHOS VENDADOS, 2009, p. 02)

Temos pensado que este fazer cinema artesanal dos jovens tenha sintonia com o que encontramos em Benjamin (1993), isto é, o tempo, o artesanato e a narrativa. De maneira simples, significa dizer que a possibilidade narrativa no meio artesão lhe constituiu como uma “forma artesanal de comunicação”. (BENJAMIN, 1993, p. 205).

Para lembrar Larrosa (2002), não é possível experiência que não se renda ao tempo. Tempo de imaginar, de combinar, de fazer, de imaginar novamente, de combinar outros detalhes, de fazer novamente, de relacionar memórias, afetos e amizades.

A colagem de fragmentos é produto do trabalho narrativo. Primeiro da produção de uma história e, depois, da possibilidade de contar sobre ela (a história do filme e a história sobre o filme).

É neste sentido que compreendemos que eles escolhem manter um ritmo de tempo que permite a produção artesanal do filme. Bosi (2003) identifica como objetos biográficos, aqueles que “envelhecem com o possuidor e se incorporam à sua vida: o relógio da família, o álbum de fotografias, a medalha do esportista, [...] cada um desses objetos representa uma experiência vivida, uma aventura afetiva do narrador” (p. 26). E ainda acrescenta que “só o objeto biográfico é insubstituível: as coisas que envelhecem conosco nos dão a pacífica sensação de continuidade”. (idem).

A partir desta citação, é possível compreender a palavra de alguns jovens que nos disseram que a experiência de produzir o filme será algo a ser contado aos seus filhos. Neste tempo em que a própria fotografia tão venerada no ambiente doméstico quase não mais se materializa como objeto de convivência (antes, permanece na “memória” do computador), faz sentido que o filme produzido receba status de “objeto biográfico” e receba lugar tão destacado na memória destes sujeitos. E, como vimos, em uma memória para o futuro, ou seja, a ser contada para seus filhos.

O filme com certeza envelhecerá com seus produtores. No momento em que uma obra cinematográfica é realizada, ela está pronta para envelhecer, pois carrega consigo as marcas, tanto das condições técnicas de uma época como do processo de criação de seus realizadores.

Quando Wander fala sobre a edição do curta-metragem no programa Movie Maker e associa ao filme de época, ele de alguma forma está presumindo o envelhecimento do filme. É como se eles desejassem que o filme parecesse que foi produzido na década de 70. De outro modo, é uma forma de manter a possibilidade das coisas, como por exemplo, um programa de edição de vídeo que pode ser muito útil se decidir experimentá-lo. O programa é uma destas “coisas” que ainda serve e que não precisa ser abandonado diante do surgimento de outros programas e tecnologias para realização audiovisual.

5.9 O ACABAMENTO DO FILME: ENTRE FRAGMENTOS E