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2. CAPÍTULO 1 O PLANEJAMENTO E OS PLANOS EDUCACIONAIS NO

2.1 O federalismo e a educação

O estudo sobre o planejamento educacional remete diretamente sobre a compreensão do federalismo brasileiro e sua dinâmica. Pois, como ter um planejamento nacional se o país está

organizado em estados subnacionais autônomos? Mais que isso, no campo da educação, são os municípios e os estados os responsáveis pela gestão pedagógica e financeira da educação básica.

Em se tratando da organização do país em diferentes entes federados, destacamos que, apesar dos debates acerca do federalismo se darem desde a independência, a ideia Federação somente foi inserida no sistema constitucional a partir da primeira Constituição republicana, de 1891, o que significou a transformação das províncias dependentes em estados autônomos (MARTINS, 2009). Portanto, a Constituição de 1891 rompeu com a tradição do unitarismo imperial ao adotar a estrutura federativa.

Abrúcio (1998) salienta que, diferente do federalismo adotado pelos Estados Unidos da América, onde as unidades territoriais autônomas surgiram antes da União, no Brasil, esta última já existia antes da formação dos estados. Assim

[...] o federalismo brasileiro nasceu em grande medida, do descontentamento ante o centralismo imperial, ou seja, em prol da descentralização, o que deu um sentido especial a palavra federalismo para o vocabulário político brasileiro [..] (ABRÚCIO, 1998, p. 32).

Isso nos remete a entender o federalismo brasileiro no sentido de maior autonomia política e econômica para estados e municípios, o que nos leva a questionar como construir um planejamento de educação nacional, tendo em vista as diversidades regionais e a autonomia dos entes federados subnacionais.

Além disso, Arretche (1999) argumenta que a Federação no Brasil nasceu num ambiente de grandes desigualdades regionais, que se mantém atualmente nas dimensões econômica, social, política. Dessa forma, argumenta a autora, no Brasil, o termo federação está associado à descentralização, não somente na dimensão administrativa, mas, sobretudo, na dimensão política.

Portanto, segundo Arretche (1999), a adoção da federação como forma de organização político-territorial do Brasil pressupõe o compartilhamento das decisões coletivas entre mais de um nível de governo, fortalecendo, não somente os governos estaduais como também os municípios. Para a autora, essa forma de organização se traduz atualmente em uma maior autonomia política, administrativa e financeira por parte dos entes federados, bem como em uma descentralização de recursos e atribuições, diferentemente do que ocorrera durante o

regime militar, quando havia uma centralização acentuada do poder nas mãos do governo federal.

Portanto, os movimentos históricos mostram que as relações entre o poder central e os entes federados subnacionais nem sempre tiveram uma evolução contínua e linear ao longo da história, mas foram permeadas por momentos de maior ou menor centralização, como defendem Abrúcio e Franzese (2007). Por outro lado, ao se tratar de uma federação, qualquer ação que tenha como princípio um regime de colaboração entre os entes federados, como no caso do PAR, terá como desafio, nas palavras de krawczyk (2008, p. 803) “[...] lidar com uma série de contradições presentes nessa forma de governo, como unidade versus diversidade, poder local versus poder geral e união versus autonomia [...]”. Dessa forma, não há dúvidas que tais contradições se refletem no planejamento das políticas educacionais que ocorrem tanto em nível local como em nível nacional.

Historicamente, segundo Saviani (2006b; 2007b), embora os debates que antecederam à Proclamação da República em 1889 apontassem para uma descentralização da educação brasileira, com a construção de um sistema nacional de ensino, na prática, mesmo com o advento da República, a instrução pública a priori não foi assumida como de responsabilidade do governo central, seja devido à continuidade de um modelo já descentralizado mesmo no período do império8, seja pela força positivista do movimento republicano, no qual, o poder econômico do setor cafeeiro desejava diminuir o poder central do Estado em favor do mando local.

Assim, mesmo que a primeira constituição brasileira explicitasse certa autonomia aos municípios, estes estavam subordinados ao poder estadual, reforçando o caráter oligárquico e coronelista do país, o que segundo Leal (1997, p.10) “[...] consistia precisamente nesta reciprocidade: carta branca, no município, ao chefe local, em troca de apoio eleitoral aos candidatos bafejados pelo governo do Estado [...]”.

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Saviani (2006b) discute que, logo após a Proclamação da Independência, uma escola pública nacional poderia ter surgido no país em decorrência da aprovação da Lei das Escolas de Primeiras Letras, de 1827, entretanto isso não ocorreu. Posteriormente, com o Ato Adicional de 1834, as escolas primárias e secundárias foram colocadas sob a responsabilidade das províncias, renunciando-se assim, a um projeto de escola pública nacional. Foi somente com o advento da República que a escola pública fez-se presente na história da educação brasileira, mesmo que sob a égide dos estados federados. Ou seja, se no Império, que era um regime político centralizado, a instrução estava descentralizada, posteriormente, na República Federativa, um regime político descentralizado, a instrução popular deveria permanecer descentralizada.

Dizia a Constituição de 1891 em seu artigo 68: “[...] Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo o quanto respeite ao seu peculiar interesse [...]” (BRASIL, 1891). No que tange a instrução pública, o texto constitucional, em seu artigo 35, incumbe ao Congresso Nacional, mas não privativamente: animar no país o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais (inciso 2º), criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados (inciso 3º) e prover a instrução secundária no Distrito Federal - DF (inciso 4º).

Com isso, tendo como base o texto constitucional, embora este não faça referência acerca do ensino primário, são os estados que assumem a responsabilidade por este nível de ensino, diante da subordinação dos municípios ao poder estadual e da omissão do Governo Federal acerca deste nível de ensino. É sabido que nas primeiras décadas republicanas, apenas o ensino superior era de responsabilidade do governo federal, sendo os demais níveis de ensino de responsabilidade dos estados, os quais tinham autonomia na sua organização.

Diante disso, as desigualdades econômicas regionais, ainda no surgimento da República privilegiaram a autonomia financeira, especialmente dos estados exportadores, como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Pará e Amazonas, fazendo com que o conceito de autonomia financeira se restringisse aos estados mais ricos, principalmente São Paulo e Minas Gerais, o que dava um caráter hierárquico à federação brasileira, visto que a União, mesmo com o apoio dos estados pequenos, os quais dependiam muito dos recursos vindos do Governo Federal, não era forte o suficiente para enfrentar os estados cafeeiros (ABRÚCIO, 1998).

Nessa perspectiva, destaca Saviani (2006b), a educação passa a se moldar de acordo com o interesse e o desenvolvimento regional, criando-se redes de ensino com características distintas e reforçando o caráter descentralizador da educação. De modo que a tentativa mais avançada em direção a um sistema orgânico de educação no âmbito dos estados, no início do regime republicano, segundo o autor, se deu em São Paulo que detinha a hegemonia econômica, dada a sua condição de principal produtor e exportador de café, conquistando assim a hegemonia política posta em prática com a “política dos governadores”.

2.2 Do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova aos planos atuais: a descentralização na pauta