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2. ELEMENTOS CONCEITUAIS

2.2. Federalismo

2.2.2. Federalismo fiscal

Em relação ao conceito de federalismo, na perspectiva político-institucional, destaca-se o tema do federalismo fiscal. No regime federativo, admite-se que o sistema tributário nacional deva conceder maior autonomia e responsabilidade fiscal aos estados e municípios (Carvalho, 2000).

No federalismo fiscal, o sistema tributário deve ser estruturado de forma a distribuir as receitas públicas entre as várias unidades e esferas administrativas, visando proporcionar condições para atender às demandas que lhe são dirigidas (Oliveira, 1999).

Os princípios que norteiam o federalismo fiscal incorporam aqueles relacionados ao federalismo clássico, no caso, o princípio da autonomia, que está associado à autodeterminação dos entes federados. Para que este princípio se mostre operativo, torna-se necessária uma boa dose de descentralização do poder central em favor do fortalecimento dos entes subnacionais. O princípio da participação está relacionado à responsabilidade dos diferentes Entes Federativos nas boas práticas de governança.

Neste contexto, a cooperação entre os diferentes entes federados para equacionar conflitos de natureza vertical e horizontal que se manifestam no dia a dia do funcionamento da federação é de fundamental importância. Portanto, o êxito deste arranjo encontra-se fortemente atrelado à relação entre autonomia e cooperação. O aspecto singular é que estes princípios devem ser, e são, operados por todos os entes federativos – União, estados e municípios, concomitantemente ou de forma isolada.

As relações federativas no Brasil, principalmente pela descentralização definida na Constituição de 1988, teve um enfoque na relação governo federal e municípios, centrado nos aspectos da democratização de poder e de recursos em direção aos entes municipais. Porém, após 27 anos dessa trajetória federativa municipalista, a necessidade de redefinição e fortalecimento do papel dos governos estaduais na gestão pública brasileira vem se tornando imperativo.

Do ponto de vista das relações federativas, o pêndulo tendeu para uma reconcentração de poderes políticos, institucionais e financeiros no âmbito do governo federal. As razões para esta centralização estão fortemente relacionadas com as tarefas de reorganização do Estado brasileiro (finanças, gestão, planejamento etc.) para levar adiante a tarefa do desenvolvimento em contexto de dificuldades macroeconômicas de grande monta (Arretche, 2012; Amaral Filho, 2012; Oliveira, 2007).

Adicionalmente, deve ser posto que quando se considera o tema da descentralização no federalismo se está discutindo ora descentralização fiscal, ora descentralização de políticas públicas, ora descentralização política, ou uma mistura dos três tipos (Rodden, 2005). Para as discussões que se seguem, a ênfase se dará na descentralização fiscal e de políticas públicas.

Na década de 90, devido ao ajuste macroeconômico, com a renegociação das dívidas estaduais e a contenção da ação fiscal por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal, os estados passaram a ter menos recursos disponíveis para a execução de políticas públicas. Além disto, foram induzidos a assumir maiores responsabilidades pela execução de políticas, como na educação e na saúde, sem um correspondente financiamento para esta finalidade. Portanto, os governos estaduais, ao longo das últimas duas décadas, tiveram dificuldades para desenvolver e implementar estratégias de políticas públicas em seus territórios.

Os entes estaduais são bastante heterogêneos em sua capacidade de financiamento e esta é uma das facetas da enorme desigualdade regional brasileira. Quando se analisa o produto interno bruto (PIB) do país, dois terços são gerados em apenas cinco estados do Sudeste e do Sul: São Paulo – liderando com 31% – Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, enquanto as nove Unidades da Federação (UFs) que integram o Nordeste respondem apenas por 13,5% da produção nacional, mesmo abrigando 27% da população do país (IPEA, 2014).

As unidades da federação de baixa dotação de recursos per capita são justamente aquelas de mais baixo nível de desenvolvimento e situam-se, regra geral, na região historicamente com padrões de bem-estar mais baixos. Daí que os recursos transferidos pelo sistema de partilha fiscal, ademais de não serem suficientes em seus montantes para igualar nacionalmente padrões de acesso a políticas públicas, não têm sido capazes de modificar a dinâmica do investimento dentro da região menos desenvolvida: os recursos

públicos transferidos para as regiões menos desenvolvidas tendem a retornar, via comércio inter-regional, para as regiões mais desenvolvidas do país (Monteiro Neto, 2013).

Já na década de 2000, houve uma inversão na agenda política brasileira, o governo central priorizou, em certa medida, as políticas sociais. Depois de alcançada a estabilidade macroeconômica, o Estado brasileiro caminhou para o enfrentamento das graves iniquidades sociais, com a definição de políticas de combate à pobreza e de redução das desigualdades. Além disto, o governo central, ao invés da descentralização preconizada pela Constituição Federal, intensificou a centralização de recursos fiscais e a definição de políticas em detrimento dos entes subnacionais.

O ente estadual passou a ter um papel minorado, nas últimas duas décadas, quanto à sua participação no gasto, limitado pela expansão das transferências fiscais do governo federal na forma de recursos vinculados. Além disto, as receitas nacionais passaram por uma centralização de sua arrecadação pelo governo federal.

Com referência aos dados apresentados na Tabela 5, nota-se uma expansão da carga tributária total, mais pelo avanço da participação da União e menos dos estados e municípios. Os governos estaduais registram redução relativa ao longo das duas últimas décadas: em 1990, logo depois da promulgação da Carta Constitucional, os estados contribuíam com 29,57% da CT nacional e chegam em 2010 a 25,23% daquele total, passando por reduções sucessivas de sua capacidade de gerar carga tributária.

Tabela 5 - Brasil: descentralização vertical (1990, 1995, 2000, 2005, 2010) (CT total e

por ente federativo, em % do PIB).

Fonte: Ministério da Fazenda

Os municípios, a seu turno, ampliaram sua participação na carga tributária nacional nos anos 2000, comparando-se com a situação prevalecente no início da década de 1990.

União (% do PIB) (B) Estados (% do PIB) (C) Municípios (% do PIB) (D) 1990 30,50 20,53 9,02 0,95 67,31 29,57 3,11 1995 29,76 20,01 8,32 1,43 67,23 27,95 4,80 2000 33,18 22,97 8,69 1,52 69,22 26,19 4,58 2005 37,37 26,18 9,62 1,57 70,04 25,75 4,20 2010 33,56 23,46 8,47 1,63 69,90 25,23 4,85

CT por ente federativo CT Total (% do PIB) (A) Proporção da União no total (B/A) (%) Proporção dos estados no total (C/A) (%) Proporção dos municípios no total (D/A) (%) Anos escolhidos

Entretanto, há anos em que sua participação relativa no bolo tributário se reduz em relação ao ano anterior, como em 2000 e 2005.

Enfim, a relevância nesta análise da evolução da carga tributária é mostrar que foi a esfera federal que teve ampliada, no período de 1990 a 2010, sua participação na arrecadação de recursos a nível nacional.

Além das perdas relativas na arrecadação tributária nacional, estados e municípios depararam-se com uma tendência de vinculação orçamentária para as áreas de educação e saúde, com a definição de percentuais mínimos de aplicação do seu orçamento, o que reduziu sua autonomia de gastos. Como consequência desta vinculação, os investimentos em infraestrutura econômica e social passaram a ficar em um segundo plano quando da disponibilidade eventual de recursos.

A Constituição de 1988 representa um marco no novo desenho do federalismo brasileiro. Como destacado por Mendes (2007), três questões básicas desafiaram a Assembleia Nacional Constituinte: i) o equilíbrio federativo; ii) as disparidades regionais; e

iii) as desigualdades sociais.

Em relação às disparidades regionais, o desafio não foi devidamente resolvido. Os órgãos de desenvolvimento regional, no período 1988-2012, foram reduzidos em sua importância tanto em termos orçamentários quanto de competências, com consequências desastrosas para a trajetória das economias regionais periféricas.

Já em relação às desigualdades sociais, os avanços foram importantes com uma melhora substancial na trajetória dos indicadores que as medem, apontando para melhoras significativas, por exemplo, no índice de desenvolvimento humano (IDH) e no índice de Gini.

Atentando para as três questões básicas objetos de preocupação dos constituintes, é possível afirmar que, mesmo com todas as reformas realizadas, a questão do equilíbrio federativo ainda não foi equacionada. A guerra fiscal entre os estados está aí para corroborar tal assertiva. Estudos recentes indicam graves fragilidades dos governos estaduais, com destaque para os conflitos de natureza vertical e horizontal (Vergolino, 2013).

Porém, para reduzir as desigualdades regionais, ficou definido que os estados mais pobres e os municípios das capitais mais pobres teriam direito a uma participação maior no Fundo de Participação dos Estados (FPE) e no Fundo de Participação dos Municípios (FPM), formados por parte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto

de Renda (IR), ambos de competência da União. O resultado de tal construção institucional foi um crescimento da participação dos estados e, principalmente, dos municípios das regiões mais pobres, na arrecadação fiscal nacional, em detrimento da União.

Em relação à questão das competências, a Constituição Federal garantiu apenas à União a iniciativa no campo tributário. Para fazer frente à expansão dos gastos previdenciários, aumentados pela Constituição de 1988, e para financiar os gastos em educação e saúde, o governo federal, pressionado pelos defensores das políticas sociais, lançou mão da criação de contribuições – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – não compartilhadas com os estados e municípios. Estas contribuições não compartilhadas tiveram como consequência a reversão do processo de descentralização, que constituía um desejo dos constituintes.

No contexto estadual, foram criados três grupos de impostos. Os primeiros, definidos como impostos próprios, representados pelos impostos sobre os quais os estados têm liberdade de legislar, observados os dispositivos constitucionais. Destacam-se neste grupo: transmissão causa mortis; Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). O segundo grupo de impostos compreende a categoria dos impostos transferidos: FPE e IPI. Finalmente, no terceiro grupo, destaca-se o imposto adesivo, definido na Carta como um adicional do Imposto de Renda.

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