• Nenhum resultado encontrado

A reestruturação curricular e a implementação do Ensino Médio Politécnico desenvolvida no Rio Grande do Sul entre os anos 2011/14, objeto da presente pesquisa, não ocorreu de forma isolada, pois dialoga e estabelece aproximações com várias outras políticas educacionais em nível estadual e nacional. Neste sentido, acreditamos ser relevante recuperar aqui o tema do Federalismo, justamente pela característica peculiar do caso brasileiro e da política educacional em discussão.

A legislação educacional em vigor, amparada no ordenamento jurídico constitucional e na própria LDB/96, estabelece no âmbito federativo as funções e atribuições específicas de cada ente federado a respeito do funcionamento dos seus sistemas de ensino. Partilhando deste debate, Cruz (2009) enfatiza que num regime federativo cada ente federado tem autonomia bem como a responsabilidade em instituir políticas públicas em benefício da população que vive na abrangência do seu próprio território.

Tendo presente o atual ordenamento jurídico educacional do país, Brandão (2004, p. 37) deixa claro em sua abordagem que:

É função dos Estados elaborar e executar políticas e planos educacionais de acordo com as diretrizes e planos nacionais de Educação, integrando e coordenando as suas ações e as dos seus respectivos municípios, reforçando a ideia de elaboração efetiva entre Estados e Municípios através da implantação de ações coordenadas na área da educação entre essas esferas do poder público. Por outro lado, as políticas educacionais, explicitadas pelos respectivos Planos Estaduais de Educação (PEEs), dever ser em consonância com o Plano Nacional de Educação (PNE) de responsabilidade da União.

Daí porque, também compreendemos a relação e a importância do federalismo brasileiro com o tema desta pesquisa. Todavia, o federalismo brasileiro precisa, pois, ser compreendido, segundo Cruz (2009), como o resultado dos arranjos políticos do final do século XIX que culminam com a sua configuração na 1ª Constituição Republicana de 1891. E, ao longo do período republicano, recebe diferentes formatações dependendo das concepções de Estado que se sucedem ao

longo do tempo. A característica cooperativa que ora vivenciamos no federalismo brasileiro é consequência da correlação de forças que permeou o exaustivo debate da Assembleia Nacional Constituinte (1987/88) e que se consolidou com a promulgação da CF/88. Com a instituição deste novo pacto, os municípios também são reconhecidos como entes federados, a questão tributária continua centralizada.

Ao abordar a questão federativa e a educação escolar, Cury (2010 apud Oliveira; Santana, p.152) trata do tema federalismo escrevendo que:

[...] no regime federal, só há um Estado Soberano cujas unidades federadas subnacionais (estados) gozam de autonomia dentro dos limites jurisdicionais atribuídos e especificados. Daí que tais subunidades não são nem nações independentes e nem unidades somente administrativas. Trata-se, pois de um regime em que os poderes de governo são repartidos entre instâncias governamentais por meio de campos de competência legalmente definidas. A repartição de competências sempre foi um assunto básico para a elucidação da forma federativa de Estado.

Com base nas ideias do autor, podemos compreender que ao longo do período republicano o federalismo brasileiro passou por diferentes formatos: do federalismo centrípeto, centrífugo ao federalismo de cooperação perpassam contextos históricos e políticos distintos. Ou seja, há momentos em que o fortalecimento do poder inclina-se em favor da União, outros em que o fortalecimento do poder inclina-se em favor dos Estados-membros e, ainda, o caso em que ocorre o equilíbrio de poder entre a União e seus Estados-membros. Em momentos de maior fervor democrático ele prevaleceu como em 1934 e 1946, sendo o modelo jurídico adotado também na CF/88 e que permanece em vigor no país. A partir de então, a opção do país foi pelo “federalismo cooperativo sob a denominação de regime articulado de colaboração recíproca, descentralizado, com funções privativas, comuns, concorrentes entre os entes federativos”, Cury (2010 apud Oliveira; Santana, p. 158).

Partindo desta visão, compreendemos que este modelo de federalismo pressupõe a existência de diferentes centros de poder. Na prática, isso significa que todo cidadão tem mais oportunidade de acessar os benefícios de alguma política pública, independente a que ente federado ou território pertença. No entanto, há de se ter cuidado enquanto pesquisador, como afirma Cury (2010 apud Oliveira Santana, p.151), pois “não se pode responsabilizar a União por políticas que cabem aos estados e municípios e vice-versa”.

Em termos educacionais, a CF/88 deixa claro em seu art. 211 que “a União, os Estados e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”. Contudo, há competências próprias e responsabilidades legais que cabem aos sistemas de ensino dos Estados, Municípios e Distrito Federal. A reestruturação curricular e a implementação do Ensino Médio Politécnico no Rio Grande do Sul é apenas um exemplo de política educacional que está sob a responsabilidade do Estado enquanto ente federado.

Todavia, autonomia para gerir, reformar o seu próprio sistema, executar seus programas e políticas educacionais, não pode ser confundido com soberania para fazer da educação básica o que se bem entender, pois cabe à União a “função normativa, redistributiva e supletiva em relação as demais instâncias educacionais” (BRASIL, 1996).

Atualmente, vivenciamos um contexto de maior descentralização das políticas públicas sob a responsabilidade dos estados e municípios e uma visível concentração dos recursos em poder da União. No formato atual do federalismo cooperativo, em vigor no Brasil, a grande maioria das políticas públicas de cunho social, dependem – sobretudo - da participação dos três entes federados, especialmente quanto a sua implementação e avaliação. O grande problema do federalismo brasileiro, segundo Cruz (2009, p. 90), pode ser resumido “nas desigualdades sociais e regionais que resultam em diferenças fundamentais nas condições de vida e de acesso a serviços públicos entre regiões e redes de ensino do país”. Reverter este quadro de desigualdades não será possível apenas com o envolvimento de um setor e/ou de uma autarquia federal. Para Cruz (2009), vencer as desigualdades regionais somente será possível com um projeto de desenvolvimento global para o país. E, não se pode esperar que a educação resolva a questão da desigualdade. Porém, há de ser ter clareza de que qualquer mudança neste cenário passa também e necessariamente pelo currículo escolar. A importância das políticas curriculares, abordaremos a seguir.