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CAPÍTULO 3 – COTIDIANO ESCOLAR: O QUE SÓ ENXERGAMOS EM CONTEXTO

4. Estabelecer a articulação com os professores da sala de aula comum e com demais profissionais da escola, visando a disponibilização dos

3.6. A feira de ciências

As feiras de ciências no Brasil e na América Latina acontecem desde a década de 60, porém se tornaram populares na década de 90. As feiras de ciências são eventos onde os alunos são responsáveis pela organização e apresentação de projetos desenvolvidos durante o ano letivo. (HARTMANN; ZIMMERMANN, 2009).

Segundo Mancuso (2000, p. 1), as feiras de ciências têm a “[...] intenção de, durante a exposição dos trabalhos, oportunizar um diálogo com os visitantes, constituindo-se na oportunidade de discussão dos conhecimentos, das metodologias de pesquisa e da criatividade dos alunos.”

Algumas semanas antes da feira de ciências, eu e a professora Paloma nos reunimos com os alunos DV para discutirmos a apresentação na feira. Como a professora de educação especial não poderia estar presente na feira no dia em que foi marcada, fiquei responsável por organizar o grupo e avaliar os alunos. Os alunos que quiseram participar foram o Vitor, Fábio, Marcilio, Leila e Nadir. Fábio era aluno do terceiro ano do ensino médio e Nadir era aluna do sétimo ano do ensino fundamental. Fizeram parte da pesquisa somente os quatro alunos DV do primeiro ano do ensino médio, porém, como a professora Lilian queria grupos de mais pessoas, e como o aluno Gilberto participou com o grupo da turma dele, os alunos Fábio e Nadir foram convidados a participar.

Na parte de organização e divisão dos horários de cada integrante, ficou combinado que, respeitando os períodos de aula de cada aluno, ou seja, quem estudava no período matutino iria participar nesse horário e quem estudasse no período vespertino iria participar nesse horário, ficou decidido que, os alunos Vitor, Fábio e Marcilio ficariam no período matutino e as alunas Leila e Nadir, ficariam no

período vespertino. Como no período vespertino só teria a Nadir de aluna participante, Leila se disponibilizou a participar no período vespertino.

Na parte da manhã, o aluno Fábio ficou responsável por apresentar a parte dos recursos didáticos e dos jogos adaptados. O aluno Marcilio ficou responsável por apresentar os materiais em braille e ampliado e o aluno Vitor ficou responsável por apresentar as adaptações curriculares. Na parte da tarde, a aluna Nadir ficou responsável por apresentar os recursos didáticos e a aluna Leila ficou responsável por apresentar os jogos adaptados e as adaptações curriculares.

No dia da reunião, a professora Paloma pediu para que eu não delegasse muitas funções ao aluno Marcilio porque ela tinha medo dele não dar conta de participar. Porém, ele soube apresentar bem a parte dele e ainda foi elogiado pelas pessoas que foram visitar a feira de ciências.

A abertura da feira de ciências contou com a apresentação do coral e do grupo de dança da instituição “Bem Viver”. Na apresentação da dança, os dançarinos dançaram ao som de uma música cantada pela aluna Nadir. As apresentações emocionaram a todos.

Durante a feira, muitas pessoas passaram pela sala de recursos multifuncionais, interessadas em saber um pouco mais sobre os recursos didáticos utilizados no ensino dos alunos com deficiência visual. Dentre eles estavam pais, professores da escola e de outras escolas, alunos e até pessoas da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Fizeram elogios e alguns ficaram interessados em minha pesquisa, parabenizando pela coragem em trabalhar com alunos com deficiência visual. “Eu te parabenizo, pois esses alunos são deixados de lado pelos

professores e ninguém olha por eles. Eles são gente também, precisam ser tratados como tal, com os mesmos direitos e deveres dos demais alunos.” (PROFESSORA

DE PORTUGUÊS QUE VISITAVA A FEIRA). Os alunos também foram elogiados pelos visitantes: “Vocês estão de parabéns! Apresentaram muito bem!” (MÃE DE UMA ALUNA DA ESCOLA).

As figuras abaixo são fotografias dos espaços da feira de ciências apresentados no quadro 5.

Figura 8 – Fotografia dos recursos didáticos expostos na feira de ciências. Fig ura 9 – Fot ogr afia dos jog os ada pta dos exp ost os na feira de ciências.

Figura 11 – Fotografia das células adaptadas expostas na feira de ciências.

Figura 12 – Fotografia da adaptação do mapa do Brasil, dividido em regiões, exposta na feira de ciências.

Figura 13 – Fotografia da adaptação do mapa do Brasil, dividido pelos estados, exposta na feira de ciências.

A lgun

s

dias após a feira de ciências, a professora Lilian veio me dizer que a sala de recursos fez sucesso na feira, pois muitos visitantes chegaram até ela e elogiaram o espaço e a apresentação dos alunos DV.

Ela pediu para que eu colocasse o nome dos alunos que participaram da feira e as notas dos alunos na lousa da sala dos professores, pois esta nota valeria para todas as disciplinas. Fiz o que a professora pediu e, alguns dias depois, percebi que alguém tinha deixado um ponto de interrogação em frente à nota que eu dei para os alunos, nota 9. Intrigada, pedi para a professora Lilian explicar para os professores o que eu tinha escrito. Para o meu espanto, ela falou que os professores entenderam o que eu havia escrito, só não tinham entendido a nota tão alta que eu tinha dado. Os professores disseram que não concordavam com a nota, pois estes alunos não faziam nada em sala de aula, então, não mereceriam aquela nota.

Por um momento fiquei indignada. Entendo que o professor dará a nota que achar merecida ao aluno. Porém, muitos professores não participaram da feira de ciências e não puderam avaliar a participação destes alunos na feira. Por este motivo eu fui designada pela professora Lílian para avaliar os alunos, pois eu participei de todo o processo de organização e realização da feira. E a nota que estava dando aos alunos DV era a nota referente a participação destes na feira de ciências e não à participação em sala de aula.

Bom, passados os primeiros minutos de abalo, me recuperei e tentei explicar meus motivos para ter dado aquela nota aos alunos. O primeiro motivo foi o elogio recebido por vários visitantes da feira, em relação à apresentação e desenvoltura dos alunos na apresentação; o segundo foi eu estar presente em todo o processo de organização e desenvolvimento da feira, ou seja, acompanhei todo o processo e sei que eles se esforçaram ao máximo para conseguirem apresentar bem; e o terceiro, e mais importante, eu fui escolhida para avaliar os alunos na feira de ciências, levando em consideração a participação destes alunos nas etapas de organização e desenvolvimento desta. Se fosse para avaliar o aluno em relação a sua vida escolar, ou seu comportamento em sala de aula, cada professor poderia ter ficado responsável por avaliar seu aluno de acordo com seus critérios.

Alguns dias após esta conversa com a professora Lilian, ela disse que os professores decidiram dar nota 7 para os alunos com deficiência visual pela participação na feira de ciências. A partir daí percebi o meu lugar naquele contexto.

Este episódio serviu para mostrar que faltou um planejamento maior em relação à feira de ciências, pois, somente a professora Lílian e a professora Luana se responsabilizaram pela feira e os outros professores não quiseram participar, mas como a nota da feira valeria para todas as disciplinas, os outros professores poderiam ter se interessado mais pelo projeto da feira.

Mancuso (2000) mostra que nas primeiras feiras de ciências, o habitual era premiar os melhores trabalhos participantes da feira. Era montada uma comissão julgadora, formada por pessoas da comunidade consideradas neutras. Este era o perfil da avaliação tradicional, onde as decisões seriam acatadas como incontestáveis e os resultados seriam apresentados ao final, sem discussão de como ou porquê a comissão chegou a esse resultado. O resultado costumava ser bastante negativo para muitos, embora parecesse positivo para alguns. Sendo

assim, um grupo do Rio Grande do Sul criou a chamada avaliação participativa, orientada pela pesquisa-ação-participante.

A principal mudança, em relação ao modelo tradicional é a aceitação da avaliação dos alunos expositores, de seus professores orientadores e, sempre que possível, dos visitantes, além da avaliação dos especialistas. Os poderes antes concentrados na Comissão Julgadora são agora diluídos entre as diferentes comissões que são orientadas em reuniões prévias quanto aos objetivos, filosofia e dinâmica do processo avaliativo. As fichas, antes propriedade exclusiva dos especialistas da Comissão Julgadora agora são devolvidas aos alunos expositores antes do encerramento do evento para que tomem conhecimento de como e por quem foram avaliados. Todas as fichas preenchidas pelos avaliadores – sejam os especialistas, os orientadores, os alunos expositores, os visitantes – deverão ser identificadas e assinadas, eliminando a covardia do anonimato e permitindo que todos se exponham a uma crítica oportuna e responsável, na busca do diálogo preconizado por Freire(1984), oportunizando a avaliação da avaliação. Entre seus princípios norteadores destacam- se a confiança, o diálogo, a cooperação e a democratização das relações de poder. (MANCUSO, 2000, p. 1).

Pelos fatos relatados anteriormente, os professores da escola “Bom Jesus” ainda estão praticando a avaliação tradicional, sem qualquer discussão em reuniões prévias sobre os objetivos do processo avaliativo. Isto se deve ao fato da falta de planejamento avaliativo anterior à realização da feira de ciências. Ao invés de utilizarem um processo mais transparente de avaliação, como no caso da avaliação participativa, preferem subjulgar a participação dos alunos com deficiência visual e dar-lhes uma nota inferior a nota dada pela professora orientadora da feira. E ao final quem será o mais prejudicado, o professor ou os alunos com deficiência visual?