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Felizes sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem (Mt 5, 11)

2.2 OS BEM-AVENTURADOS MUCKER

2.2.9 Felizes sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem (Mt 5, 11)

Noé relata que houve uma grande campanha para difamar os mucker e colocá-los como perigosos diante da população. Se alguém morria fora de sua casa, a culpa caía sobre eles, pois seriam capazes de tudo; se uma pessoa fosse considerada demente, Jacobina a teria enfeitiçado; se alguém recebesse um tiro ou facada, a líder teria ordenado; se alguém se perdesse no mato, também era obra de Jacobina. Os pais colocaram na cabeça das crianças que Jacobina deveria se morta, quando tinham uma faca na mão, diziam que com ela fariam linguiça de Jacobina. Os mucker estavam cansados de falsas acusações. Era uma oportunidade para alguns que gostavam de agir por trás dos bastidores, praticar seus desatinos, pois tudo era dirigido contra os mucker. Muitos golpes eram dados em nome dos mucker ou Jacobina189.

Depois de 1871, a população local e as autoridades acreditavam que Jacobina achava ser o próprio Cristo. Isso foi comum na época, bem como as distorções das suas pregações. Segundo Noé, a culpa disso foi atribuída às pessoas que frequentavam a casa dos Maurer, que não tinham intenções sérias, eram simplórias e maldosas. Quando falavam com os outros, revelavam coisas ridículas como “Cristo Feminino’, “apóstolos” e “nova comunidade”; inventavam boatos e levavam adiante; aos disparates inventados chamavam de palavras proféticas, inclusive a denominação profetisa, criada para pôr em dúvidas a pessoa de Jacobina”. Os nomes dessas pessoas revelam que eram desde a própria irmã Carolina, passando pela empregada até partidários de clérigos190.

O ataque começava sempre pelos clérigos, católicos ou protestantes. Mandavam os intrusos insidiosos participarem dos rituais na casa de Maurer para conseguirem provas concretas, por escrito, contra eles. Os representantes religiosos procuravam, em seus sermões no púlpito, incutir nos ouvintes crédulos, uma forte aversão contra Jacobina, por meio da mais enérgica e diabólica campanha: Jacobina era uma feiticeira, prostituta, sedutora de homens, uma mulher desregrada, uma embusteira... Como isso vinha da parte de pessoas esclarecidas

189 NOÉ, M. História do ano de 1874. In: DOMINGUES, M. A nova face dos Muckers. 1. ed. São Leopoldo: Rotermund, 1977, p. 390.

em academias, as pessoas acreditavam. Essas autoridades religiosas foram as culpadas do afastamento dos mucker das igrejas oficiais191.

Se os clérigos se comportassem como representantes legítimos da casa de Deus e tivessem uma fé inabalável, não teriam atacado Jacobina com as piores infâmias, injúrias e insultos. E palavras pejorativas para denominar Jacobina e seus seguidores como Jacó, sacristão de João e apóstolo Pedro tiveram origem nos sermões desses clérigos, pois Jacobina era uma pessoa sem instrução. Atacando o lado religioso do movimento, os representantes das igrejas oficiais tinham em mente combater o curandeirismo de Maurer. Para isso, tentavam persuadir os que haviam sido curados por Maurer, aconselhando a não seguir as prescrições do curandeiro192.

Quando Maurer foi substituído por Rodolfo Sehn, no cargo de ouvir os esclarecimentos de Jacobina e depois transmiti-los aos adeptos, os clérigos lançaram a excomunhão contra ela. Logo começaram a falar que Jacobina havia se separado do marido e passado a viver com Rodolfo Sehn, culpavam-na de separar casais, de ser uma mulher sensual e que no seu grupo, era permitido, cada qual, trocar de cônjuge à vontade193.

Alguns moradores das colônias foram obrigados a assinar a petição contra os mucker. Qualquer um podia ver o que era ser perseguido, por ofensas pérfidas e zombarias, até que se dispusesse a empunhar armas em defesa de sua honra. Era de consenso, na colônia, o que as autoridades, juntamente com as pessoas maldosas poderiam fazer contra qualquer um, principalmente no caso de uma mulher194.

As autoridades de São Leopoldo, encabeçadas por Lúcio Schreiner, primo de Jacobina, de maio a dezembro de 1873, chamaram a atenção das autoridades provinciais para a “periculosidade” dos mucker. Para conseguirem o seu intento, espalharam suposições, ou

191 NOÉ, M. História do ano de 1874. In: DOMINGUES, M. A nova face dos Muckers. 1. ed. São Leopoldo: Rotermund, 1977, p. 385.

192 Ibid., p. 384. 193 Ibid., p. 388. 194 Ibid., p. 391.

endossaram as suposições dos colonos, como a de que Jacobina praticava atos abusivos e escandalosos e aumentaram o clima de tensão que existia na colônia sobre os mucker195.

Na colônia, quando souberam que Maurer e os adeptos construíram uma casa bem maior para abrigar os doentes e seus seguidores, com dimensões maiores do que as casas locais, os colonos espalharam a notícia de que a casa de Maurer, situada entre montanhas inacessíveis, pelas paredes sólidas, construídas com pedra de cantaria, era uma perfeita fortaleza com casamata, seteiras, armamentos, munição e víveres, para resistir qualquer ataque196.

O jornal Deutsche Zeitung, através de Karl Von Koseritz, atacou sem cessar os adeptos de Jacobina, fazendo questão de apontar a “periculosidade” e “imoralidade” do grupo. Prevenia as pessoas que a seita era imoral, pois pregava o comunismo, estendendo-se até o matrimônio; os dissidentes seriam mortos sem piedade; os membros da seita não obedeciam as leis do País, preparavam uma revolução; se o governo não tomasse uma atitude, a população exterminava-os com as próprias mãos197.

Para o doutor em História, Luciano Daniel Gevehr, a ausência de fontes documentais, produzidas pelo próprio grupo, fez com que, durante muito tempo, a única versão dos acontecimentos na colônia de São Leopoldo e outras regiões do Estado fosse a encontrada nos arquivos policiais e nas fontes orais dos detratores dos mucker. Os vencidos não tiveram a oportunidade de contar a sua versão dos fatos. Suas imagens e cenários deturpados acompanharam o tempo e a história do grupo, até hoje, divulgando uma imagem negativa deles e enaltecendo os seus opositores198.

195 AMADO, J. A revolta dos Mucker, p. 219. 196 Ibid., p. 213.

197 DOMINGUES, M. A nova face dos Muckers, p. 256.

198 GEVEHR, D. L. Os lugares de memória dos Mucker e a construção da imagem de sua líder Jacobina Mentz Maurer. In: III ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS DE IMAGEM, Londrina, 03 a 06 maio 2001.